[Entrevista] Artista argentino fala sobre espetáculo retirado de festival pernambucano
O espetáculo 'Puto', do ator e bailarino Ezequiel Barrios, chegou a ser cogitado pelo Cena CumpliCidades, mas acabou ficando de fora da programação para preservar a segurança do artista
O ator e bailarino argentino Ezequiel Barrios ficou de fora do festival pernambucano Cena CumpliCidades, que tem início nesta terça-feira (23), em função do conturbado contexto político nacional. Por motivo de segurança, a organização do evento resolveu não colocar em sua programação o espetáculo "Puto”, estrelado por ele, temendo atos de violência e intolerância. Em entrevista à Folha de Pernambuco, o artista comentou a decisão e expôs sua visão sobre o desenrolar da eleição presidencial no Brasil.
Folha de Pernambuco: Você concorda com a atitude dos produtores do Cena CumpliCidades de deixarem o seu espetáculo de fora da programação?
Ezequiel Barrios: Respeito a decisão do festival. Entendo que sua intenção é proteger-me e, a partir de todas as informações que tive de diferentes pessoas do Brasil, compreendo que tomem essa decisão. Não considero um caso de censura, mas sim de precaução e um medo muito grande. Se não é possível fazer uma obra que se chama “Puto” em uma universidade pública e laica, então onde?
FP: Já ocorreu esse tipo de preocupação com a sua segurança em outros lugares onde você apresentou o monólogo?
EB: Nunca aconteceu comigo, em minha carreira, que mencionassem a palavra segurança. Fiz esse trabalho em 13 cidades da Argentina, no México, na Bolívia e no Uruguai. Embora alguns lugares mais conservadores possam considerar a peça como provocativa ou mesmo "escandalosa", nunca senti medo nem ninguém me disse que eu estava em perigo.
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FP: Quais temáticas a peça aborda?
EB: O espetáculo fala de um gay reprimido, de alguém que não quer ser o que é, dos conflitos de um gay dentro do armário, e de situações angustiantes que muitos homossexuais têm vivido em sociedades que condenam a homossexualidade. O trabalho é autobiográfico e também fala de outros, contém cenas de nudez e linguagem crua. Eu não acredito que ele cause violência de alguma forma. Eu entendo que há, em algumas pessoas, um ódio contra os diferentes, neste caso, em termos de orientação sexual. O trabalho e eu, como intérprete, podemos nos tornar depositários desse ódio que acredito estar se manifestando no Brasil em muitos casos. Começando, naturalmente, por um dos candidatos a presidente.
FP: Como você, vivendo em outro país, percebe o atual momento político do Brasil?
EB: O aumento da intolerância no Brasil parece preocupante. Embora eu entenda que sempre houve setores que não respeitam a comunidade LGBT, acredito que de não respeitar estão passando a atacar. É tristíssimo inteirar-se de cacos de violência e parece muito preocupante que esteja sob ameaça um dos princípios fundamentais da militância LGBT, que tem a ver com a visibilidade.
FP: Você pretende vir ao Brasil, em outro momento, para apresentar esse espetáculo?
EB: Sim, quero ir ao Brasil. Já viajei ao país seis vezes, para fazer aulas de dança afro e também sair de férias. É um lugar que adoro, onde tenho muitos amigos. Definitivamente, quero ir ao Brasil fazer o “Puto”.

