Em "Vale Tudo", Taís Araujo foge de memórias para recriar a batalhadora Raquel
Desde o anúncio do remake de "Vale Tudo", Taís Araujo entrou em contato com as mais diversas opiniões e comentários sobre a obra adaptada por Manuela Dias
O alcance gigantesco da tevê aberta traz uma série de dadivas, mas alguns infortúnios. Desde o anúncio do remake de “Vale Tudo”, Taís Araujo entrou em contato com as mais diversas opiniões e comentários sobre a obra adaptada por Manuela Dias.
Todo esse burburinho e críticas envolvendo a nova novela das nove não abalaram a intérprete da passiva e amorosa Raquel, que foi originalmente vivida por Regina Duarte.
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Ela, inclusive, encontrou no folhetim do horário nobre uma paz interna para trabalhar quase desconhecida.
“Já fiz umas três ou quatro novelas das nove e, mesmo com toda a expectativa criada, talvez ‘Vale Tudo’ seja a produção em que estou mais leve. Há um desejo forte de todos em recontar essa história. Inclusive, estamos remontando. Não estamos refazendo. Remontagem tem nossos pensamentos, nossas críticas. A novela é a mesma, mas não é”, teoriza.
Na trama das nove, Raquel é mãe da ambiciosa Maria de Fátima, papel de Bella Campos. Acredita que é possível vencer na vida sendo honesta, visão oposta à da filha, que lhe aplica um golpe e vai para o Rio de Janeiro em busca de fama e dinheiro.
Raquel se muda para a cidade para resgatar a relação com a filha e, lá, decide ficar para lutar para sobreviver e provar que pode vencer sem passar por cima dos outros.
“A Raquel é essa mulher que vive no corre e que tem a ética, a honestidade e a dignidade como um norte na vida. É uma mãe solo, típica brasileira, que trabalhou muito para criar a filha, inclusive, abrindo mão dos seus próprios desejos. Raquel é um prato cheio para qualquer atriz. Uma personagem com muitas possibilidades e com um arco dramático brilhante”, defende.
P – Em 2025, você completa 30 anos de carreira. Após uma trajetória recheada de protagonistas e personagens de destaque, quais trabalhos você estava em busca de encarar em um ano tão célebre?
R – Então, eu fui pedir ao José Luiz Villamarim (chefe de dramaturgia da Globo) uma vilã. E não entendi nada porque ele me ofereceu a Raquel. Pensei: “Eu peço uma vilã e ele me entrega a maior heroína de todos os tempos?”.
Quando eu fui rever o primeiro capítulo, eu entendi que não podia perder essa oportunidade. Personagem bom é personagem com conflito. A Raquel só tem conflito.
Ela tem uma jornada do herói e uma escalada. O mais engraçado é que eu já havia comentado com a Manuela Dias que o remake de “Vale Tudo” não teria papel para mim.
P – Como assim?
R – Durante um jantar, a Manuela comentou que iria assinar o remake. Eu lembro de comentar que não teria papel porque estava velha demais para fazer a Maria de Fátima e nova demais para viver a Odete.
Mas assim que o convite da Raquel veio e eu revi o primeiro capítulo, liguei para Villamarim e para a Manu. Falei que tinha sido burra (risos).
Para esquecer o que eu tinha falado e queria fazer a Raquel, sim. Até agora foi um caminho muito longo, recebi esse convite em 2023, e agora vivendo essa personagem, está sendo muito lindo.
Entre tantas heroínas a Raquel não é mais uma: ela é a heroína.
P – Mas você sente alguma carga de responsabilidade por encarnar uma personagem tão clássica da teledramaturgia?
R – Eu sinto que há uma responsabilidade, mas não peso. Existe essa responsabilidade de refazer uma novela que está no imaginário de todos. Até mesmo de quem não viu.
Tem muita gente que revê no Globoplay. Então, traz um público novo. Sou uma atriz que faz muito novela e essa é a novela das novelas. Então, tem uma honra tão grande que acaba se sobrepondo sobre essa tensão.
P – Como lidar com todas as expectativas e críticas que cercam o remake?
R – A gente estava na maior expectativa como todo mundo. Esse burburinho também chega para a gente. Já fiz umas três ou quatro novelas das 21h, mas talvez seja a novela que eu esteja mais leve.
Há uma leveza entre nós. Um desejo de contar e contribuir para essa história. Há uma diferença entre remontar e refazer. Estamos remontando e não refazendo.
P – Qual é a diferença?
R –Remontagem é algo com nossos pensamentos, nossas críticas. A novela é a mesma, mas não é a mesma porque temos outras pessoas. É, mas não é. “Vale Tudo” é uma história de guerra de classes.
Essa comparação sempre vai ter. Mas são coisas distintas. Afinal, a experiência de uma mulher preta será completamente diferente da experiência de uma mulher branca. Só a partir daí é uma outra história.
P – A interpretação da Regina Duarte foi uma referência para você?
R – Costumo dizer que trago um perfume vintage para a personagem. Desde o início, eu queria estar livre para fazer a Raquel.
Se eu tivesse de chamar a Maria de Fátima daquele jeito icônico que a Regina chamava, eu faria. Quero ter a liberdade para brincar com essa nostalgia.
Ao mesmo tempo, trago uma Raquel diferente. Não é a questão de ser minha Raquel. É a experiência (de uma mulher negra) mesmo.
P – De que forma?
R – A existência de uma mulher preta é totalmente diferente da experiência de uma mulher branca. Não faço ideia de como seja a experiência de uma mulher branca.
Leio os capítulos e vejo que foram escritos para uma mulher que está no corre, na base da pirâmide, uma mãe solo. Mesmo com todos os meus privilégios, isso está no meu sangue.
Tenho muitas dessas mulheres na família. Sei quem são. Faço uma Raquel que seja uma homenagem e representação de muitas mulheres que constroem esse país.
Acho que a Raquel, sendo uma mulher negra, faz um contraponto interessante com a Odete, que está no topo da pirâmide. A gente mantém a espinha dorsal da novela, mas olha para um Brasil sem os véus de 1988. Se olha de forma mais crítica e amadurecida.
P – Além da Raquel no horário nobre, as novelas das seis e das sete também contam com protagonistas negras. Como você analisa esse avanço de diversidade nos elencos e nos papéis principais?
R – A gente andou para frente nesse lugar aí, conquistamos muita coisa interessante, como está diferente de quando comecei... São conquistas que temos que celebrar muito.
(Antônio) Pitanga é um cara que me emociona, toda vez ligava para Camila, falava com ela. Muito linda essa minha troca com ele.
Ele simboliza uma geração que veio antes de mim e encontrava um mercado muito mais difícil do que eu encontrei, por isso ficava tão emocionada. Via Ruth (de Souza), Milton (Gonçalves), Zezé (Motta) e vários atores que construíram o caminho para eu passar.
"Vale Tudo" – Globo – Segunda a sábado, às 21h30.
Memória fixa
Taís Araujo sempre teve a trama de “Vale Tudo” presente em seus pensamentos. A atriz, que tinha 10 anos quando a primeira versão foi ao ar, assistiu ao enredo original e também à reprise no “Vale a Pena Ver de Novo”.
“Não sei de onde minhas memórias vêm. Se confundem muito na minha cabeça. Mas, para a novela, eu só revi o primeiro episódio. Tenho conversado muito com a direção”, explica.
A atriz, no entanto, revela que, ao longo da novela, poderá recorrer ao folhetim original antes da gravação de cenas importantes da trama criada por Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères.
“Acho que vale a pena para colocar esse charme. A cena da Raquel rasgando o vestido da Maria de Fátima talvez seja importante rever para entender onde colocar esse charme, buscar essa referência. Prestar essa homenagem de forma deliciosa”, aponta.
Pais e filhos
O amor incondicional de Raquel pela filha é um dos pontos centrais de “Vale Tudo”. Na vida real, Taís Araujo é mãe de João Vicente e Maria Antônia, de 14 e 10 anos, respectivamente.
“João e Maria dormem muito cedo, eles não veem, não sei se é uma trama para eles. Vão dormir que no dia seguinte tem escola. Se meus filhos fossem iguais à Maria de Fátima, eu ia fazer igual à Raquel e tentar resgatar até o fim. Mãe é isso”, ressalta.
Em cena, Taís também tem desenvolvido uma relação bastante maternal com Bella Campos. A atriz vibra com a chegada de mais atrizes negras jovens ao posto de destaque.
“Bella é uma menina maravilhosa, a gente se dá muito bem. Acho tão lindo ver meninas jovens como a Bella brilhando. É muito lindo ver uma jovem que quer lutar e trabalhar. Eu comecei com 16 ou 17, agora vejo essas meninas e acho lindo”, elogia.

