"Kobra - Auto Retrato": documentário revela o artista por trás dos murais que encantam o mundo
Filme tem direção de Lina Chamie e fotografia de Lauro Escorel
Os traços e as cores do brasileiro Eduardo Kobra podem ser apreciados em diferentes lugares do mundo, incluindo o Recife, onde um painel de 77 metros estampado com o rosto de Luiz Gonzaga traz vida ao prédio da Prefeitura. Com murais espalhados por mais de 30 países, o artista urbano tem sua trajetória contada no documentário "Kobra - Auto Retrato", que estreia nesta quinta-feira (17) nos cinemas.
Conhecido por retratar rostos famosos e anônimos em suas obras, Kobra revela no filme ter pintado a si mesmo apenas uma vez, atendendo a um pedido. “Não tenho muito esse desejo de fazer o meu próprio retrato em algum lugar. Prefiro muito mais ser visto através dos meus desenhos”, diz.
Coube à diretora e roteirista Lina Chamie a missão de conduzir o artista paulista em uma espécie de “autorretrato audiovisual”. Entrevistado pela cineasta, Kobra fala sobre si mesmo, compartilhando detalhes sobre o seu trabalho, suas relações familiares e o caminho até o sucesso internacional.
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Chamie usa a insônia, problema com o qual o artista convive há algum tempo, como um impulsionador da narrativa do documentário. É como se Kobra discorresse sobre sua intimidade e sua arte durante uma noite passada em claro. A voz dele predomina ao longo dos 84 minutos de duração do documentário, dando à produção um forte tom pessoal.
Kobra é direto e transparente ao falar sobre assuntos delicados de sua vida, como a falta de apoio dos pais no início da carreira e a depressão que precisou enfrentar. Nascido e criado em Jardim Martinica, bairro periférico da Zona Sul de São Paulo, o artista ganhou o apelido na infância, quando os amigos diziam que ele era “cobra” - muito bom - no desenho.
Na adolescência, o garoto se envolveu com grupos de pichação, chegando a furtar latas de spray com os colegas para as ações em espaços públicos. Sem boas notas na escola e visto pelos pais como um problema, foi convidado a morar sozinho aos 17 anos, tendo que batalhar pelo próprio sustento. Os relatos ao final do longa-metragem, quando Kobra fala sobre sua convivência com o filho e a esposa, após listar tantas conquistas profissionais, mostram como o artista conseguiu superar as adversidades e traçar um futuro diferente daquele que parecia já estar desenhado para ele.
Obras como "Muro das Memórias", que resgata paisagens urbanas do século 20, e “Etnias - Todos Somos Um”, uma homenagem à diversidade, são capturadas pelas lentes do diretor de fotografia Lauro Escorel. As imagens coloridas vão surgindo em meio ao tom acinzentado das avenidas e arranha-céus de cidades como São Paulo e Nova York. Há uma interessante brincadeira com os efeitos visuais, aplicando ao rosto do próprio Kobra cores e formas utilizadas por eles na maioria dos seus murais.
Embora não seja esse o seu foco, o documentário traz algum vislumbre de como as obras de Kobra são construídas. O grafiteiro divide com o público alguns detalhes técnicos e fala sobre suas inspirações.
Também ganha foco o engajamento político do artista, seja pela abordagem de temas como desmatamento, o extermínio da população indígena e maus-tratos aos animais nas suas obras, ou pela preocupação em preservar o caráter democrático de sua obra.
"Meu movimento é de, cada vez mais, fazer instalações nas ruas. Quando você está dentro de uma galeria [o acesso do público à obra] é mais restrito, mas na rua esse acesso é ilimitado”, aponta. "Kobra - Auto Retrato" é, portanto, a oportunidade de dar o devido reconhecimento a um artista que quer ter suas criações contempladas por todos.

