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Músicos do metrô levam arte e distração para passageiros do Recife

Por dia, cerca de 400 mil pessoas percorrem as linhas Centro e Sul do sistema ferroviário. Público significativo para quem quer ser ouvido e reconhecido.

Maysa Carla se apresenta nos vagões desde que ficou desempregadaMaysa Carla se apresenta nos vagões desde que ficou desempregada - Foto: Jose Britto/Folha de Pernambuco

São muitos os sons ouvidos por quem percorre as linhas do Metrô do Recife diariamente: o burburinho dos passageiros, os barulhos mecânicos dos trens, os avisos alardeados nas caixas de som, a algazarra dos vendedores ambulantes. Mas em meio a essa sinfonia de ruídos também é possível apreciar um pouco de arte. Diferentes ritmos vêm ocupando os vagões através de dezenas de músicos, que enxergam no transporte coletivo um espaço aberto para divulgar seus trabalhos e concretizar sonhos.

Para muitos desses artistas, o metrô é um meio de vida. É o caso da cantora e instrumentista Maysa Carla, de 21 anos, que passou a se apresentar para os passageiros depois que ficou desempregada. "Eu trabalhava com transporte alternativo, mas fiquei sem emprego. Há quatro anos, um amigo meu, que já tocava nos vagões, me encorajou a fazer o mesmo. É daqui que, até hoje, eu tiro o meu sustento", diz a musicista. Acompanhada de um violão, microfone e caixa de som, ela reproduz um repertório que vai do reggae ao sertanejo, passando por sucessos da MPB. Ao final das apresentações, pede sempre contribuições voluntárias aos espectadores.

Fazer música sobre os trilhos também é uma forma de financiar projetos artísticos. Os amigos Ramon Rodriguez e Danilo Araújo, ambos de 22 anos, começaram a trabalhar no metrô em 2017, com o objetivo de juntar dinheiro para investir na banda de rock deles, a Bifurcação. Ao lado de um terceiro companheiro, Adson Tavares, eles se apresentam nos vagões com o nome de Metro Squad. "Temos uma música autoral, que pretendemos gravar com a grana que conseguimos no metrô. Além disso, estamos alcançando uma visibilidade muito boa nas nossas redes sociais, que a gente sempre divulga", conta Ramon.

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Com 58 anos de idade e 46 de carreira, Gilvan Silva viu no ambiente dos trens uma chance de tocar seu estilo favorito de música. Evangélico, ele entoa canções gospel e aproveita o momento para transmitir mensagens de cunho religioso. "Antes eu tocava na noite, mas o mercado é muito difícil. Além disso, nos bares eu não tinha como cantar os louvores, que é o que eu realmente gosto", divide.

Por dia, o sistema metroviário no Grande Recife transporta cerca de 400 mil pessoas, nas linhas Centro e Sul. Um público significativo para quem quer ser ouvido e reconhecido. "O metrô abrange todo tipo de gente, que curte diferentes ritmos. Podemos divulgar o nosso trabalho de maneira massificada, mesmo fora da grande mídia ou da internet. Também abre oportunidades, porque acabamos recebendo convites dos passageiros para tocarmos em festas particulares", comenta o instrumentista Guilherme Teixeira, 26.

Engenheiro da computação, Guilherme costuma levar sua música aos usuários do transporte público de segunda-feira a sábado, após o expediente de trabalho, ao lado de mais dois músicos. Mesclando covers e canções autorais, o trio Vertigens tem no Manguebeat a principal inspiração das suas músicas. As letras de teor político e social, no entanto, nem sempre agradam todo mundo. "Na época das eleições, um policial à paisana não gostou de uma música que falava sobre segurança pública. Fomos retirados do vagão e passamos um bom tempo sem cantar esse tipo de música, com medo de sofrermos perseguição", relembra.

Como as apresentações musicais dentro dos vagões são proibidas pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), um dos problemas enfrentados pelos artistas é lidar com a fiscalização. "A gente não está ali para sujar ou vandalizar, mas sim passar uma mensagem e animar o dia de qualquer pessoa que saia de casa meio desanimado. Não tocamos nem tanto pelo dinheiro, mas pela alegria podemos transmitir", assegura Guilherme.

Relação de troca entre músicos e passageiros

Conhecido artisticamente como De La Mancha, Felipe de Oliveira, 29, afirma que o mais interessante em cantar no metrô é a relação de troca estabelecida com o público. "Muitas dessas pessoas não têm acesso a mais nada que não seja o que a televisão ou o rádio oferecem. Elas passam horas no transporte coletivo lotado, naquela agonia e, de repente, descobrem um som novo e se interessam em conhecer mais sobre isso. É um ponto de distração num cotidiano tão atribulado", aponta.
Nesta atividade há cinco anos, De La Mancha percebe uma transformação na forma como os passageiros enxergam os 'artistas de rua'. "Pude experimentar vários tipos de reações ao longo desse anos. Quando comecei, a surpresa das pessoas era evidente. Isso foi mudando, diminuindo, até virar algo familiar para elas", diz.
Ramon Rodriguez e Danilo Araújo lembram com carinho de momentos em que foram os espectadores que o comoveram. "Uma dia estávamos tocando muito empolgados, mas quase ninguém prestava atenção. A única pessoa que estava atenta ao que estávamos fazendo, bastante empolgada, era uma pessoa com deficiência auditiva. Ela não precisava escutar para sentir o valor daquilo", compartilha Ramon.

Além do contato com os espectadores, existe a união entre os próprios músicos. Alguns deles, inclusive, dividem a mesma casa e se veem como uma grande família. "É bem harmonioso esse convívio, que também gera aprendizado. Quando comecei a me apresentar no metrô, só cantava rap. Foi com outros músicos daqui que aprendia a tocar violão e aprimorar minha técnica vocal", afirma Speed Souza, nome artístico de William Souza, 24, que mora junto com Danilo, Ramon e outros artistas.
Embora haja respeito mútuo entre os músicos, a relação entre eles depende de algumas regras, segundo Guilherme Teixeira. "O número de artistas no metrô cresceu muito nos últimos anos. A gente precisa entrar em um consenso para não gerar conflito. Quem toca na Linha Sul, por exemplo, não toca na Linha Centro", revela.

 

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