"Não haverá um Papa mais radical", diz escritor que viajou com Francisco a Mongólia
Ateu convicto, avier Cercas conta que ficou surpreso ao descobrir muitos pontos em comum com o Pontífice
“Ateu”, “laicista militante”, “incrédulo rigoroso”. Assim se define o escritor espanhol Javier Cercas, que com essas credenciais acompanhou o Papa Francisco a uma viagem ao “fim do mundo”, onde comprovou que ambos eram unidos por uma ideia temerária: “O anticlericalismo.”
Esgotado pelas dezenas de entrevistas que dá em sequência, Cercas chega ao hotel Hilton de Bogotá sem saber há quantos dias já está na Colômbia.
— Me tratam como uma estrela do rock — brinca em uma conversa com a AFP sobre “El loco de Diós en el fin del mundo” (“O louco de Deus no fim do mundo”), seu livro que está batendo recordes de vendas na Espanha e será lançado em setembro no Brasil pela Record.
Leia também
• Martin Scorsese vai produzir documentário com entrevista inédita do papa Francisco
• "Gostaria de ser papa", diz Trump ao ser questionado sobre a escolha do novo pontífice
• Luis Tagle, o 'Francisco asiático' que aspira a ser papa
Criado em uma família católica, porém ateu convicto, o escritor de 63 anos acompanhou o Papa até a Mongólia, em troca de que o pontífice esclarecesse uma dúvida à sua mãe: ela se encontraria com seu pai morto ao final de sua vida? Um enigma que tenta resolver ao longo da história.
— É um pouco filme, mas um (filme) realista — diz o premiado escritor.
Sociólogo americano explica o sucesso de Donald Trump: 'Líderes imprevisíveis parecem mais autênticos'
Nessa travessia a um rincão da Ásia de esmagadora maioria budista, Cercas foi surpreendido pela quantidade de coisas que tinha em comum com Bergoglio, como chama o Papa.
Como ele, o Papa era “profundamente anticlerical”.
— O clericalismo representa a ideia perversa de que o sacerdote está acima dos fiéis. Isso, segundo Francisco, é o câncer da Igreja — diz o espanhol, que brinca citando mais semelhanças com o Pontífice. — Também tiramos a siesta e gostamos de Borges.
Embora ambos compartilhem uma “reivindicação total do sentido do humor”, havia diferenças. Bergoglio “tinha uma personalidade muito forte” e “era um homem muito ambicioso”.
— Eu acredito que chegou aonde chegou quando se livrou de sua ambição — argumenta.
Cercas compara a figura do “controverso” Papa com a de Jesus Cristo, porque ambos seguiam o “cristianismo primitivo” que aposta em estar perto da periferia, dos “desgraçados, dos pobres, das putas”.
— Francisco é revolucionário se por revolução entendemos o retorno ao cristianismo primitivo — diz, embora reconheça que o religioso não tenha implantado mudanças significativas na Igreja. — As pequenas reformas que ele conseguiu realizar geraram uma resistência brutal.
Alguns sacerdotes chegaram, até mesmo, a rezar “por sua morte” e o trataram como o “anticristo”, afirma Cercas.
Perversão
Para o autor, membro da Real Academia Espanhola, que saltou à fama internacional em 2001 com “Soldados de Salamina” (Biblioteca Azul), a história da Igreja é a história da “perversão do cristianismo”. Diz que a instituição se distanciou das pessoas para cair em abusos de poder como os casos de pedofilia e de abuso sexual.
Com cada vez menos fiéis católicos na América Latina e no mundo, Cercas considera que a Igreja deve seguir com as reformas de Francisco para se manter de pé.
Para o escritor, há dois caminhos possíveis para o Papa que sairá próximo do conclave: que seja um reformista mais moderado que Bergoglio ou que seja um conservador que finge ser reformista, mas na verdade freia qualquer mudança.
— Não haverá um Papa mais radical, que é o que faz falta — diz Cercas.

