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Recifense André Aguiar se inspira na dança para criar suas roupas

"Empoderamento", título da última coleção do estilista, mostra força política da moda proposta pelo artista, que também é dançarino e vlogger

"Empoderamento" é o título da nova coleção de André Aguiar"Empoderamento" é o título da nova coleção de André Aguiar - Foto: Rayanne Morais/Divulgação

Através do estudo dos movimentos corporais coreografados, o dançarino André Aguiar, 28 anos, virou estilista. Havia um envolvimento anterior com o universo da moda, oriundo de uma herança familiar. Junte-se a isso algo intrínseco ao processo criativo de André, de pensar em sincronia nos passos da dança e no figurino.

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Sua relação com a moda é recente, porém inovadora, trazendo não apenas preocupação com design, modelagem, cartela de cores e tecidos, mas principalmente levantando uma questão política de respeito às diferenças de gênero e ao "Empoderamento", título da sua última coleção.

Ao ler a entrevista com André a seguir e visualizar algumas de suas criações presentes nessa matéria, se surgir a vontade de conhecer as peças de perto, elas estão à venda sob encomenda ou em pronta-entrega pelo para diferentes tamanhos pelas redes sociais instagram.com/andreaguiarmoda e fb.com/andreaguiarmoda, e no blog e loja virtual andre-aguiar.com.

A moda propõe uma identidade e revela uma postura, um discurso estético do indivíduo. Qual a voz que você quer dar às pessoas?
Busco incentivar as pessoas a gostarem de si mesmas porque elas se sentem a melhor versão delas sabendo que estão se vestindo adequadamente para a situação atual do planeta, beneficiando seus diferentes tons de pele, valorizando as modelagens de seus corpos.

Por consequência, oportunizo as pessoas a usarem aquilo que as alegram e as fazem sentir mais atraentes, elegantes, confortáveis e beneficia suas interações sociais.

Sou atento a como a pele entra em contato com a tecnologia e transforma a si mesma e ao meio, por isso, busco cada vez mais oferecer produtos com métodos e processos conscientes, éticos, inovadores e sustentáveis. Há o uso de tecidos como o linho, que precisam de menos produtos químicos e água para ser fabricado, crio roupas que possuem histórias.

Não apenas a questão de gênero, mas também a valorização da liberdade e versatilidade estão muito presentes em seu trabalho...
Eu tenho o sonho de mudar o rumo da humanidade criando e difundindo estilo que inspira o respeito às diferenças. A forma como deixo meu legado é coibindo problemas de impacto mundial como machismo, racismo e LGBTfobia.

Contribuo para a proteção de vidas criando moda que atrai o debate de gênero para nosso dia a dia, quando crio modelagens de saias e vestidos que podem ser utilizados por todos.

Tenho vivido experiências incríveis de ver rapazes provando suas primeiras saias, mulheres descobrindo que podem viver sem sutiã e pessoas trans se sentindo mais atraentes e livres.

Ficar atento às tendências ainda é importante?
Sim. No processo de criação estou mais conectado ao meu instinto, porém me ligo em tendências porque acredito que moda é cultura e gosto de ampliar meu repertório cultural para saber a melhor forma de ajudar as pessoas.

É legal ver as novas estéticas aplicadas na arquitetura do corpo e qual design de futuro estão querendo criar. Acredito que existe inconsciente coletivo, adoro estar atento aos desejos da maioria sem deixar de lado os anseios das minorias.

O que importa na moda hoje? Para onde ela caminha?
O respeito à diversidade nas identidades de gênero e social é tão importante para o mercado e humanidade, que possibilitará estabelecer quais empresas permanecerão relevantes nas próximas décadas.

A moda, por exemplo, sendo um dos símbolos mais caros à expressão das identidades, já tem apresentado, nas últimas temporadas, a (re)criação de empresas e coleções cada vez menos setorizadas quanto à questão de gênero e com equipes mais diversas na publicidade e no gerenciamento empresarial.

É natural que a discussão influencie a maneira como os empreendimentos irão posicionar seus produtos e comunicá-lo daqui para a frente, mesmo que isso ainda implique uma dura luta, é inegável que a liberdade vem sendo conquistada passo a passo.

"Empoderamento" é o título da nova coleção de André Aguiar - Crédito: Rayanne Morais/Divulgação



Acha que a indústria ainda cria roupas que não se enquadram ao nosso clima e estilo de vida?
Sim. Ainda há pensamentos colonizados que tentam parecer com o colonizador, imitando as quatro estações do ano e usando tecidos quentes em um país que é praticamente verão o ano inteiro.

Marcas (inter)nacionais aplicam modelagem e publicidade excludentes para atrair consumidores miscigenados e tentam vender para as pessoas sem perguntar o que e como elas desejam comprar.

Há um desinteresse em saber como a roupa influenciará na gravidade e biomecânica dos corpos, prejudica a saúde humana, agridem o meio ambiente e escravizam seus semelhantes.

Somos conservadores no vestir?
Homens ainda são educados a não usar unhas coloridas, maquiagens, cor rosa, estampas florais, saias, vestidos, brincos e a se mostrarem delicados. O desconforto geralmente até inexiste na usabilidade dos produtos de moda, mas ainda está na cultura da intolerância ao feminino.

Muitas vezes ensina-se machismo e LGBTfobia como sinônimo de masculinidade. A pouca representação das diversidades na mídia colaborou para as pessoas erroneamente aprenderem que quando um homem usa elementos ditos femininos é gay, mas rapazes não mudam sua sexualidade por usar vestido e nem todas as mulheres que usam calças são lésbicas.

A violência doméstica machista afeta também rapazes porque relacionamentos abusivos acontecem, principalmente, através da intimidação/agressão emocional com amigos(as) e familiares.

Acha que conseguiremos chegar ao tempo da moda sem gênero?
Como gênero é a performance da identidade acredito que seja inerente à essência humana. Por isso, o que faço é diferente de uma moda sem gênero, defendo uma moda sem a imposição de gênero.

Acredito que as pessoas sempre expressarão seus gêneros, seja masculino, feminino, andróginos e quem sabe outros. Para mim, no futuro da moda as pessoas não se vestirão somente de forma andrógina, mas terão mais liberdade de ser e escolher o gênero com o qual desejam se expressar.

As vantagens da moda unissex são prover mais equidade nos direitos humanos que podem coibir a desigualdade salarial dos sexos, feminicídio, lgbtfobia, machismo e violência doméstica.

Você se inspirou no ilusionismo para criar a coleção "Empoderamento". As roupas contemporâneas precisam se transformar?
As roupas possuem design multifuncional. Por exemplo, vestido/camisa pode ser usado em mais de quatro formas; quimono vira macacão e a mesma saia pode se transformar em vestido tomara que caia ou em uma túnica.

Dou opções para o público criar seu estilo pessoal, o que atrai ludicidade para o cotidiano, aumenta a durabilidade da roupa e identificação com o que se veste.

 

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