“Ressaca Tropical”:Nostalgia em um diário anônimo
Artista alagoano radicado no Recife, Jonathas de Andrade, lança livro dentro da programação do Cinecão
Fotografias de um passado granulado e preto e branco se fundem e se sobrepõem - graças ao papel recortado ao meio - a outros cliques coloridos de plantas tropicais, prédios modernistas que ainda restam em uma cidade onde quase tudo é cinza de tanto concreto. Um paradoxo sem precedentes atinge o Recife, essa capital ensolarada que vive a beleza decadente do abandono, como se acordasse diariamente com uma “Ressaca Tropical” (editora Ubu, R$ 45 apenas hoje), título do livro que o artista alagoano radicado no Recife, Jonathas de Andrade, lança nesta quinta-feira (25), às 19h, na Galeria Maumau, no Espinheiro, dentro da programação do Cinecão.
“Nesse momento de sucateamento dos museus, vejo a Maumau como um espaço que se mantém aberto a várias programações, com uma continuidade e força que outras instituições não estão conseguindo manter”, declara Jonathas sobre o fato de ter escolhido o espaço alternativo para lançar seus trabalhos.
A edição do quarto ano do evento está bem cheia, e conta ainda com a primeira apresentação no Recife da obra filmada em 16 mm “O peixe”, também de Jonathas, que já passou por Nova York, Toronto, Emirados Árabes, tanto em mostras de artes visuais quanto em festivais de cinema. Haverá ainda performances dos artistas Zzui Ferreira, Vinicius Dantas, Aline de França e Loraine Oliveira, resultantes das ações formativas resultantes do laboratório “Do Corpo ao Espaço”, conduzido pela artista Luciana Freira D’Anunciação. Zzui, que também é designer, contou à Folha de Pernambuco que fará a performance “RE(tr)ATO.ME”. “Vem de ‘reatar’. Mas também faço menção a um projeto que já vinha realizando há anos, “Retrato.me”, em que desenhava órgãos internos expressando neles minhas emoções”, conta a artista. “São memórias de um impulso que vai da ancestralidade às tecnologias digitais. De um corpo vivo e ritualístico do xamanismo, ao obsoleto dos selfies”, conta Zzui.
Consequência de uma fotoinstalação realizada em 2009, ao lado de trechos de um diário anônimo encontrado no lixo em 2003, “Ressaca Tropical” tem um ar nostálgico de relatos diagramados com letra de máquina de escrever, datadas de 1973 e 1977, de idas a lugares que não mais existem, como os cinemas de rua Ritz e Art Palácio, e a Livro7.
“Falam muito sobre abandono. A vida pessoal se sobrepõe a paisagens e tempos”, descreve Jonathas. Do diário anônimo, detalhes do dia a dia, com direito até a hora: “Encontrei com Zizinha. Demos um passeio por Boa Viagem. Depois nos amamos na praia e em pé”. As confissões são ilustradas por fotografias de Alcir Lacerda, da Fundação Joaquim Nabuco, Geraldo Delmas e do próprio artista, de vistas aéreas do Recife, fotos pessoais de Jonathas, e ruínas.
“Sempre entendi que a instalação tinha uma vocação para virar livro. É um trabalho muito especial, pois me trouxe visibilidade internacional. Com ele participei da Bienal do Mercosul”, conta Jonathas.
“Ressaca Tropical” e “Peixe” - exibido pela primeira vez na 32ª Bienal de São Paulo, ano passado - compõem imaginários do Nordeste, sendo o primeiro mais urbano. Já o segundo é um ritual inventado em que dez pescadores convidados pelo artista abraçam o peixe que pescam. “É um trabalho que não tem discurso, apenas sons e gestos. Ambos lidam com desejo, memória e tradição”, ressalta. A partir do registro documental, é como se aquele falso ritual passasse a existir, pois o nordestino possui uma relação forte com a ancestralidade.
Serviço :
Cinecão - Lançamento do livro “Ressaca Tropical” e do filme “O Peixe”, de Jonathas de Andrade, e mostra de performances “Do Corpo ao Espaço”