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Shyamalan volta aos trilhos com “Fragmentado”

Diretor indiano radicado nos EUA mantém ótimo ritmo no novo suspense em que aborda a questão da múltipla personalidade

Dennis (James McAvoy) é uma das 23 personas do sequestrador Kevin Wendell CrumbDennis (James McAvoy) é uma das 23 personas do sequestrador Kevin Wendell Crumb - Foto: Universal Pictures/Divulgação

 

É curiosa a carreira de M. Night Shyamalan. Teve sucesso máximo e instantâneo com “O Sexto Sentido” (1999), continuou bem mas sem o mesmo reconhecimento em “Corpo Fechado” (2000), “Sinais” (2002) e “A Vila” (2004), e desde então sua marca autoral parece estranhamente associada a uma ideia peculiar de fracasso.

“A Visita” (2015) foi um retorno ao êxito desse cineasta que tem talento e ambição evidentes: através de gêneros definidos parece interessado em observar dramas da intimidade.

Shyamalan mantém o ótimo ritmo em “Fragmentado”, em cartaz no circuito pernambucano. A primeira cena do filme é um excelente exemplo do potencial do diretor enquanto contador de histórias, alguém hábil para criar sentidos ao posicionar a câmera, modular edição, sons e pontos de vista. É uma sequência simples (homem invade carro e sequestra três adolescentes), mas os enquadramentos, o ritmo da montagem, o aumento gradual de tensão transformam essa introdução num momento fascinante.

O sequestrador é Dennis (James McAvoy), uma das 23 personalidades de Kevin Wendell Crumb. Ele leva as garotas Marcia (Jessica Sula), Claire (Haley Lu Richardson) e Casey (Anya Taylor-Joy) - esta última uma casualidade, já que ela não deveria estar no carro atacado por Dennis - para seu esconderijo, sem motivos aparentes.

O mistério sobre quem é esse homem que se divide entre um garoto de 9 anos, uma mulher rigorosa e um homem implacável, entre outros perfis, é revelado aos poucos, seguindo o ritmo adequado do cinema de suspense com pequenas interjeições de horror.
Parte do prazer da descoberta dos mistérios de Kevin vem da atuação de McAvoy.

Embora seja um personagem desafiador num sentido óbvio, que qualquer bom ator pode usar como plataforma para demonstrar versatilidade e carisma (interpretando criança, mulher, homem), McAvoy parece particularmente eficiente. Sua qualidade está talvez em sua expressividade, que pende sempre para a ambiguidade, esconderijo para violência latente: fragmentos de uma fera em formação.

É notável também a construção da personagem Claire. Shyamalan insere fragmentos de memória, lembranças da infância da menina ao lado do pai e do tio, e mesmo sem dizer nada claramente as sugestões de horrores familiares estão todas insinuadas. A noção de monstruosidade nesse filme parece fluída o bastante para incorporar diferentes entendimentos e ações, feito que apenas aumenta as qualidades de “Fragmentado”.

Aos poucos os limites entre fantasia e realidade, horror e cotidiano, são borrados e o filme adquire um outro ritmo. É o momento de “revelação”, segmento tradicional no cinema de Shyamalan - ainda que menor e menos ambicioso do que em filmes anteriores. A longa duração entre essa revelação e o desfecho parece diminuir o impacto do filme, mas a grandiosidade geral de “Fragmentado” apenas ressalta que Shyamalan segue como um dos ótimos diretores estranhamente autorais de Hollywood.

 

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