"Vale Tudo": Quem matou Odete Roitman? Autora escreveu dez finais; veja diferenças das versões
Vilã interpretada por Débora Bloch na versão de Manuela Dias é assassinada nesta segunda (6); em 1988, elenco soube da identidade da criminosa na manhã do último capítulo, conta Dennis Carvalho
Numa suíte do Copacabana Palace, hotel que considera o máximo do luxo das terras tupiniquins, a Odete Roitman da atriz Débora Bloch sai de cena nesta segunda-feira (6) no horário nobre da TV Globo.
A empresária classista, racista, empoderada e transante morre na novela “ Vale Tudo” de Manuela Dias, mas em circunstâncias bem diferentes da versão original, de 1988.
A começar pelo apetite do público em relação ao desfecho da trama.
De acordo com uma pesquisa do Datafolha, divulgada em setembro, os brasileiros que assistem à novela hoje (um em cada três) não queriam que a vilã acabasse num caixão.
Dentre as 2.005 pessoas ouvidas em 113 cidades das cinco regiões do país, 47% preferem ver a dona da TCA na pobreza; outros 35%, na prisão; e só 4% concordam com a morte.
Resultado bem diferente do levantamento de 1988, ainda que feito apenas em São Paulo, em que 38% preferiam ver a personagem de Beatriz Segall (1926-2018) com uma bala no peito.
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O Ibope fez a mesma consulta na década de 1980, no Rio, e descobriu que 49% apoiavam os tiros, algo que fez Beatriz refletir sobre o punitivismo daqueles tempos.
“Num país onde ainda existem linchamentos e esquadrões da morte, o ideal seria que se chegasse ao castigo através da Justiça e da condenação pela lei, não pela morte”, disse a atriz ao jornal O Globo naquele ano.
"Uma leitura completa desses dados envolve diversas frentes, a começar pela desigualdade do país", diz a autora do remake, Manuela Dias.
"Ela torna o dia a dia dos menos favorecidos tão duro que é visto como um castigo maior do que a própria morte. Como dramaturga, penso que desejar a punição de Odete é também uma forma de querer que ela não vá embora".
Vilã ‘loba’ conseguiu fãs
É bem verdade que a personagem angariou um afeto diferente do público. Não é raro encontrar, nas redes sociais e nas ruas, quem elogie, por exemplo, a vilã, chamando-a de “loba”, pelo exercício libertário de sua sexualidade e pela forma como conduz a família.
"Por mais que a Odete de 1988 fosse liberada sexualmente, ela não tinha a voracidade da de 2025", diz o pesquisador Lucas Martins Néia, autor de “Como a ficção televisiva moldou um país”.
"E, por causa de modificações em outros personagens, como Afonso, Heleninha e Tia Celina, o público dá razão ao comportamento que ela tem como esteio da família".
Por essas e outras, muita gente acredita que Odete sai dessa para uma melhor. Nas redes, onde discussões apaixonadas a favor e contra o remake acontecem desde antes de ele, efetivamente, ser feito, há quem aposte que a “loba” forjou a própria morte.
Mas uma varrida pela imprensa de 1988 — quando repórteres correram atrás de pitacos de investigadores da monta do diretor-geral da Polícia Federal da época, tamanha era a obsessão do Brasil com o “ quem matou Odete Roitman?” —não dá lastro a essa ideia. E
m tempo: o então diretor da Polícia Federal, Romeu Tuma, cravou Marco Aurélio (Reginaldo Faria) como o nome mais plausível. Errou: a assassina foi a mulher dele, Leila (Cássia Kis), que atirou na vilã, sem querer, no apartamento onde a empresária recebia os amantes.
Dez finais possíveis
A especulação corre solta, mas não há absolutamente nenhuma pista sobre o que o público vai descobrir no próximo dia 17, quando a novela de Manuela Dias terminar. Amauri Soares, diretor dos Estúdios Globo, diz que o público vai se surpreender. E a autora detém-se a dizer que escreveu cenas para cinco suspeitos (dez finais, dois para cada um).
"Pelo meio da novela, comecei a descobrir quem iria matar Odete, mas escrevi há um mês e meio", conta a novelista, que tinha 11 anos na época do primeiro assassinato. "Acho que era muito pequena para ter minhas próprias apostas".
Além de Leila, o trio de autores de 1988 também pensou em outros cinco nomes para o grand finale: César (Carlos Alberto Riccelli), Marco Aurélio (Reginaldo Faria), Olavo (Paulo Reis), Queiroz (sócio de Renato na Tomorrow, vivido pelo ator Paulo Porto) e até Bruno, o filho de Leila e Ivan (Antônio Fagundes). O intérprete do menino era Danton Mello, com 13 anos na época.
"Não cheguei a gravar a cena, mas fui cotado", diz Danton. "Lembro de ter ficado amarradão, (pensando) 'vou ser o cara que vai matar a mulher que o Brasil odeia'.
81 pontos de audiência
No dia 24 de dezembro de 1988, Véspera de Natal, “Vale Tudo” marcou 81 pontos no Ibope do Rio na hora da morte de Odete Roitman.
A concorrência, naquele dia, era basicamente peru de Natal e presentes. Hoje, com as mudanças de hábito de consumo, a novela tem média nacional de 26 pontos, mas detém, segundo a Globo, o recorde histórico de alcance de usuários na plataforma de streaming Globoplay.
A Globo comemora o interesse do público jovem no folhetim ao afirmar que 82% dos que se engajam com a hashtag “Vale tudo” nas redes têm de 18 a 34 anos.
O mercado publicitário também está satisfeito e vem investindo pesado, transformando a novela num produto recorde de faturamento no segmento. Só para a trama do assassinato, sete anunciantes criaram campanhas específicas. Um deles comprou uma ação para ser veiculada imediatamente após a cena da morte, diz a emissora.
Cenário bem diferente do de 1988, quando o maior burburinho publicitário vinha da Galinha Azul e seu caldo Maggi. A equipe de marketing do produto criou um concurso para sortear 5 milhões de cruzados (que valeriam, hoje, cerca de R$ 110 mil, de acordo com o IPCA, índice de inflação do IBGE) entre os acertadores do nome do criminoso.
Das três milhões de cartas recebidas, só 6,3% votaram em Leila. O mais cotado, para não fugir do clichê, foi o mordomo Eugênio (Sérgio Mamberti), com 24%. Depois, apareceu o nome de Marco Aurélio, com 23%.
Teria sido mesmo o personagem de Reginaldo Faria, não fosse um vazamento na imprensa, conta o diretor-geral da novela Dennis Carvalho. Por isso, Gilberto Braga precisou escolher, uma semana antes, outro desfecho. A gravação da cena final foi em 6 de janeiro de 1989, mesmo dia em que foi ao ar.
"Convoquei todo o elenco, fomos para o estúdio às 9h e fiz uma brincadeira, falando, solenemente, 'vou revelar quem matou Odete Roitman'", diz Dennis. "Quando anunciei Cássia Kis, foram só aplausos. O pessoal foi para casa e começamos a gravar do zero às 13h".
Por causa da velocidade em que as informações se disseminam hoje, elenco e equipe só vão ter respostas junto com o público, no dia 17.
"Gravei com equipe reduzida a cena da morte muitas vezes, com vários possíveis assassinos", conta Débora Bloch. "Nem eu sei qual deles será o verdadeiro. Nós, atores, também só saberemos quando o Paulo Silvestrini (diretor artístico) editar o capítulo final e for ao ar".

