Aposentados seguem ativos para complementar a renda
Com cerca de 70% dos benefícios do INSS sendo de até um salário mínimo, aposentados buscam novas formas de garantir renda e manter o padrão de vida
O momento da aposentadoria, que permite ao cidadão encerrar sua jornada no mercado profissional para começar a receber o benefício do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), é esperado por muitos brasileiros. A fase deveria trazer tranquilidade e estabilidade depois de uma longa trajetória laboral, mas muitas vezes a busca por uma renda complementar e o desejo de manter-se produtivo são aspectos frequentemente observados entre esse público.
De acordo com levantamento realizado pela Serasa, 37% dos aposentados admitiram que não se planejaram financeiramente para parar de trabalhar e 53% precisaram continuar trabalhando para complementar a renda. Mesmo entre os cidadãos que investiram em um planejamento financeiro prévio, 70% passaram a complementar o salário com outra renda cinco anos antes de se aposentar.
O problema de renda enfrentado por muitos aposentados ocorre, em grande parte, porque o valor do benefício do INSS costuma ser menor do que o necessário para o próprio sustento. Segundo dados da Secretaria de Previdência, 28,5 milhões dos benefícios do INSS são de até um salário-mínimo (R$ 1.518), representando 70% do total. Os que ganham acima do piso nacional somam 12,2 milhões.
Sendo assim, o valor recebido pela maioria dos brasileiros pela previdência pública dificilmente cobre todas as despesas mensais. Um fator que se agrava com o avanço da idade. O levantamento da SciELO, que apontou dados sobre o orçamento da pessoa idosa, revelou que o gasto médio com medicamentos de uso contínuo nos últimos 30 dias corresponde a 23% do salário mínimo, com esse percentual crescendo ao longo dos anos.
Renda
Por isso, muitas pessoas tendem a procurar uma renda extra, sendo no mesmo campo em que trabalhou durante toda vida, ou em uma opção alternativa, descobrindo uma nova habilidade. No caso do aposentado e, agora, contador autônomo Severino Moraes da Silva, de 65 anos, dois fatores o fizeram voltar ao mercado de trabalho mesmo após o processo de aposentadoria: receio da ociosidade e manutenção da renda.
A decisão foi pensada com antecedência e motivada tanto pela necessidade de complementar os ganhos quanto pelo desejo de se manter ocupado. Ele contou que, ao se aposentar, sentiu os efeitos negativos da ausência do trabalho, especialmente a sensação constante de ociosidade. “Eu não sei ficar sem trabalhar. Mesmo tendo uma renda, gosto de sair, estar sempre ativo”, disse.
Para ele, trabalhar após a aposentadoria é uma forma de você interagir com outras pessoas. “Isso é muito importante. Quando você aposenta, deixa de interagir e fica na ociosidade”.
O aposentado também destacou que continuar trabalhando é fundamental para manter um padrão de vida mais confortável. Algo que, segundo ele, não seria possível contando apenas com o valor do benefício do INSS.
Essa percepção é reforçada por dados da Serasa e do Instituto Opinion Box (2024), que mostram que 71% dos aposentados que seguem no mercado de trabalho o fazem para complementar a renda, justamente porque a aposentadoria, em muitos casos, não é suficiente para cobrir todas as despesas mensais. A mesma pesquisa indica que 62% já precisaram recorrer a empréstimos para equilibrar o orçamento familiar.
Empreender
Além de preencher a rotina e manter a mente ativa, a busca por autonomia financeira tem levado muitos aposentados a olhar para o empreendedorismo como alternativa viável após o fim da carreira profissional formal. Segundo pesquisa do Sebrae, um em cada dez aposentados pretende investir no próprio negócio.
Os chamados “empreendedores maduros” mostram clareza e objetividade nos planos: 80% já sabem exatamente o tipo de empreendimento que desejam se dedicar, com destaque para o setor de comércio (mais de 50%) e serviços (30%). Entre as áreas mais citadas, os negócios ligados à alimentação lideram, representando um quarto das intenções, reforçando o apelo de mercados mais acessíveis e de retorno rápido.
A tendência reforça a ideia de que o fim da aposentadoria formal não representa, para muitos, o fim da vida produtiva. Pelo contrário, para esse grupo, é o momento de usar a experiência acumulada para transformar interesses pessoais em fonte de renda — e de satisfação.
Para quem está começando, o analista do Sebrae Pernambuco, Cleto Paixão, recomenda que olhar primeiro para as próprias habilidades e afinidades para escolher a área que vai se dedicar é o primeiro passo.
“Para começar a empreender é preciso ver o tipo de habilidade que gosta de fazer. Então, tem muitos que estão saindo do trabalho que faziam normalmente e mantêm essa mesma atividade, agora como empresa”, explicou.
Ele cita exemplos de pessoas que trabalhavam na indústria e decidem montar pequenas fábricas em casa, ou ainda quem aproveita a aposentadoria para realizar um sonho antigo.
“Tipo, se a pessoa sempre teve vontade de fazer bolo, mas porque trabalhava com escritório, como advogado, nunca fez isso. Mas ela faz cada bolo excelente, e agora que está aposentada pode trabalhar com isso e ganhar dinheiro”, lembrou.
O setor de alimentação, segundo ele, é um dos mais procurados por quem deseja retorno rápido. “As pessoas têm buscado bastante essa área como forma de retorno rápido, como você falou, mas também porque já têm uma certa experiência”, diz.
Capacitação
Apesar do entusiasmo, Cleto também alerta para os desafios, especialmente no campo da tecnologia. “A questão da tecnologia é muito gritante e muito importante. Porque nem todos nasceram em uma era digital e nem todos conseguem ter a habilidade digital para o seu negócio. Por exemplo, usar o Instagram, usar ferramentas digitais, redes sociais para divulgar o seu produto é essencial”.
Quem deseja começar, segundo o consultor, pode buscar apoio de diversas formas. “Ele pode procurar a gente no 0800 570 0800 e agendar uma consultoria. Pode também ir na Sala do Empreendedor e conversar com um dos nossos consultores. Ou, se quiser um curso antes mesmo de iniciar, pode buscar no site do Sebrae uma capacitação, para entender como funciona o empreendedorismo, como primeira porta de entrada para esse mundo maravilhoso.”
Saúde mental
A busca por autossatisfação também se torna um aspecto central no momento da aposentadoria. Embora esse seja um marco desejado por muitos trabalhadores após anos de dedicação, a transição para a nova fase pode trazer desafios emocionais significativos. Para alguns, o afastamento da rotina profissional vem acompanhado de sentimentos de angústia, perda de propósito e até sintomas de depressão.
De acordo com a psicóloga Bárbara Seixas, a transição da rotina profissional para a ociosidade total pode ser emocionalmente desgastante. "A ociosidade é um dos principais fatores que trazem um sentimento de inutilidade e falta de propósito para a maioria dos aposentados. Após todo o período de trabalho, o primeiro sentimento costuma ser de alívio, mas, por ser uma experiência nova e desconhecida, sentimentos como apatia e angústia podem surgir com o tempo", explica.
Para muitos, voltar a trabalhar, mesmo que em uma nova área ou com carga horária reduzida, representa muito mais do que gerar renda. Trata-se de reafirmar seu valor social. "É demasiadamente importante para o sujeito se sentir útil e pertencente a uma classe. Muitos aposentados trabalham em busca desse propósito diário, para desenvolver seu papel social. Voltar à ativa ajuda a manter a sensação de ser produtivo e relevante", acrescentou Bárbara.
Atividades voluntárias, cursos, palestras, exercícios físicos e até hobbies como jardinagem e leitura também são alternativas bem-vindas para preencher o tempo livre de maneira saudável, segundo a profissional.
"Sempre que possível, o ideal é buscar atividades que estimulem tanto o corpo quanto a mente. A prática de exercícios físicos e o aprendizado contínuo ajudam a reduzir o risco de doenças como demência. E o contato com amigos e familiares é essencial, já que o isolamento social está diretamente ligado à depressão e à ansiedade nessa fase da vida", alertou a psicóloga.

