Banco Central dá sinais de que pode interromper aumento de juros, dizem economistas
Copom não deu indicação direta dos próximos passos, mas analistas veem sinais de fim do ciclo de alta dos juros
Após elevar a taxa Selic ao maior patamar em quase 19 anos, o Banco Central se reservou ao direito de deixar em aberto seu planos para as próximas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom), mas deu sinais de que a alta desta quarta-feira pode ter sido a última do atual ciclo de aperto de juros.
Economistas consultados pelo Globo avaliam que o comunicado divulgado pelo BC tem uma série de recados que apontam na direção de uma pausa ou interrupção do aumento da Selic, mesmo que as projeções de inflação, até do próprio Copom, ainda estejam bem distantes da meta de 3,0%.
Para o fim de 2026, atual prazo com que o BC trabalha para colocar a inflação na meta, a projeção é de 3,6%.
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Nesta quarta, o Copom elevou a Selic em 0,50 ponto percentual, de 14,25% para 14,75% ao ano. O patamar alcançado pelos juros básicos da economia brasileira é o maior desde agosto de 2006, no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando também estavam em 14,75%.
No comunicado após a reunião do Copom, pregou cautela e pediu flexibilidade para avaliar os próximos dados diante das incertezas no cenário, principalmente externo, e ao estágio já avançado do ciclo de alta de juros, que ainda deve produzir efeitos na economia real ao longo do tempo.
"Para a próxima reunião, o cenário de elevada incerteza, aliado ao estágio avançado do ciclo de ajuste e seus impactos acumulados ainda por serem observados, demanda cautela adicional na atuação da política monetária e flexibilidade para incorporar os dados que impactem a dinâmica de inflação", disse o BC no comunicado, acrescentando que "se manterá vigilante e a calibragem do aperto monetário apropriado seguirá guiada pelo objetivo de trazer a inflação à meta no horizonte relevante".
Riscos de inflação
Além das menções ao "estágio avançado do ciclo", um dos pontos mais citados pelos economistas como um sinal de que o BC planeja encerrar o ciclo de alta com a Selic em 14,75% foi a mudança no balanço de riscos de inflação. Desde o início do ciclo de alta dos juros, em setembro de 2024, o Copom vinha dizendo que os riscos de alta para o cenário inflacionário eram maiores do que os de baixa.
Nesta quarta, o BC retirou qualquer menção a essa assimetria e incluiu mais uma ameaça para uma inflação mais baixa, equilibrando também numericamente os riscos para os dois lados. Além disso, acrescentou que os "riscos para a inflação, tanto de alta quanto de baixa, estão mais elevados do que o usual".
A nova ameaça para a inflação menor citada pelo BC é uma redução nos preços das commodities com efeitos desinflacionários. A inclusão é consequência direta do cenário internacional diante do aumento dos riscos de desaceleração da economia global devido ao "tarifaço" do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Atividade doméstica
Outro sinal na direção da interrupção do ciclo de alta é que o BC parece mais seguro da moderação da atividade doméstica. O Copom disse que o conjunto dos indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho ainda tem apresentado dinamismo, mas observa-se uma incipiente moderação no crescimento. Antes, o BC falava em "sinais" de incipiente moderação.
Por fim, o colegiado passou a considerar que o cenário atual para a inflação, com projeções e expectativas distantes da meta e economia sobreaquecida, "prescreve uma política monetária em patamar significativamente contracionista por período prolongado para assegurar a convergência da inflação à meta". Não mais "uma política monetária mais contracionista" como nas reuniões anteriores.
"Embora o comunicado tenha evitado passar uma sinalização, deixando, portanto, em aberto os próximos passos, tudo indica, a nosso ver, que o ciclo de alta de juros foi encerrado hoje", disse a economista-chefe da B.Side Investimentos, Helena Veronese.
Segundo a economista, sem uma maior chance de a inflação ficar mais elevada do que projeta hoje o BC, e em um ambiente em que o aumento de juros já realizado ainda deve ter efeitos na economia, faz sentido encerrar o ciclo de alta e observar como a economia responde. Veronese acrescenta que a Selic já está em um patamar bastante restritivo, ou seja, já está segurando o crescimento econômico.
A economista, porém, ressalta que o provável fim do ciclo de alta não significa que os cortes devem acontecer em breve.
"Ao contrário, o BC manteve sua postura cautelosa e vigilante, reconhecendo que a inflação segue acima da meta e que as expectativas estão desancoradas. Mas, talvez, diante um novo cenário global, exista espaço para encerrar as altas, parar, observar, e mais para frente, então, se preparar para um debate sobre corte de juros", disse, em relatório.
A economista-chefe do Banco Inter, Rafaela Vitória, concorda que a indicação do BC é de que a alta da Selic nesta quarta deve ter sido a última do ciclo. Em sua avaliação, o patamar de 14,75% parece suficiente para levar a inflação à meta considerando o atual nível de câmbio e juros, se mantido por um tempo prolongado, como indica o BC. A economista projeta um primeiro corte da Selic em dezembro, terminando 2025 em 14,25%.
— Vemos semelhança no cenário de incerteza nos Estados Unidos e no Brasil. A incerteza tanto lá quanto aqui exige cautela. Nesse cenário, é melhor os BCS não fazerem nada e esperarem os desdobramentos. Assim como o Fed (banco central americano), que decidiu pela manutenção dos juros, a gente entende que essa deve ser a postura do Copom daqui para frente.
O economista-chefe da BTG Asset, Álvaro Frasson, é mais cauteloso e avalia que o caminho que o Copom parece que vai adotar é arriscado, porque o colegiado indica que deve parar de subir os juros com as projeções oficiais de inflação muito distantes da meta de 3,0%.
Para ele, apesar de fazer sentido uma preocupação maior com o cenário externo em meio ao "tarifaço de Trump", o BC usou isso para "encontrar uma maneira de reequilibrar o balanço de riscos". Dessa forma, indica que não precisa mais apertar a Selic, apenas "esperar o tempo agir.
— Essa é uma postura muito amena, considerando que a projeção de inflação daqui a seis trimestres ainda está 0,60pp acima da meta. É um risco muito grande de descumprimento da meta.
Já o economista-chefe da AZ Quest, André Muller, manteve a projeção de mais uma alta de 0,25pp dos juros básicos no próximo Copom, em junho, para 15%.
— O comitê não trouxe uma sinalização para a próxima reunião, pelo contrário, optou por flexibilidade bastante grande. Então, diante do que foi exposto no comunicado, o BC pode encerrar o ciclo de alta na próxima reunião ou mesmo fazer uma alta final.

