Benefícios fiscais estaduais quase triplicam em cinco anos e devem atingir R$ 267 bi em 2025
Estudo da Fenafisco revela que incentivos fiscais ampliaram desigualdades regionais e favoreceram concorrência desleal entre empresas
A concessão de benefícios fiscais tem levado governos estaduais a abrirem mão de elevada receita nos últimos anos, com montante que deve chegar a R$ 267 bilhões em 2025. O aumento da renúncia fiscal será de 189,13% na comparação com 2020. Isso significa que o valor irá quase triplicar, com um incremento de 2,89 vezes, em apenas cinco anos.
É o que revelam os números do estudo divulgado pela Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), que chama atenção para os impactos da renúncia na sustentabilidade fiscal e na oferta de serviços públicos essenciais.
O levantamento é baseado nos dados fornecidos pelos estados em suas leis de diretrizes orçamentárias. A entidade apresentou o relatório nesta quinta-feira em Pernambuco durante a 9ª Plenafisco, evento que reúne auditores fiscais de todo o país.
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Juliano Goularti, economista da Unicamp (Universidade de Campinas) e autor do estudo junto com a historiadora Talita Alves, diz que o estudo conseguiu identificar que os incentivos fiscais acabam por acentuar as desigualdades regionais.
Isso porque regiões com maior desenvolvimento econômico têm mais capacidade de oferecer isenção e acabam atraindo mais incentivos fiscais que as outras:
"Esse incentivo (fiscal), em vez de levar desenvolvimento para regiões mais ao Meio-Oeste dos país, por exemplo, acaba se concentrando em regiões já desenvolvidas."
Segundo o estudo, a região Sudeste acumula 47% do total das renúncias fiscais do país. São Paulo e Rio de Janeiro concentram a maior parte: juntas, somam 39%.
Outro problema apontado é a diminuição de recursos para saúde, educação e segurança por conta dos benefícios fiscais, já que reduz a arrecadação do ICMS. O tributo tem aplicação obrigatória nessas áreas, e a consequência dessa receita menor faz ainda com que os estados cobrem mais tributos da população.
"No final, nós pagamos a conta ", resume Francelino Valença, presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco).
Impacto fiscal e concorrência desleal
O alto impacto das renúncias fiscais sobre as finanças públicas foi outra contradição identificada pelo estudo. Em alguns estados, segundo Goularti, a renúncia pode chegar a mais de 40% da receita tributária.
"Isso traz uma consequência grande para o estado."
A concorrência desleal foi outro aspecto citado no relatório. A diferença entre empresas beneficiadas por incentivos fiscais e outras acaba comprometendo a saúde financeira de quem não tem acesso às mesmas condições, lembra Valença.
"Não temos visto o benefício dessas renúncias fiscais para a sociedade. Um exemplo são empresas que recebem o incentivo para gerar empregos, mas acabam concorrendo de forma desleal com outras empresas, que acabam quebrando, ou que favorecem a concentração de mercado. Esse não parece o melhor dos caminhos."
A indústria foi o setor mais beneficiado: recebe 38% das renúncias fiscais. Em seguida aparece o comércio, com 20,13%, e a agricultura, com 16,70%. Os outros 25% não têm destino informado e podem ser direcionados a qualquer um desses setores. Em termos de modalidade, a mais utilizada foi o crédito presumido (40,77%) seguido pela redução de base de cálculo (22,17%), isenção fiscal (6,66%) e crédito outorgado (5,30%).
O levantamento aponta um salto nos valores em renúncia fiscal na passagem de 2021 para 2022. Segundo Goularti, o aumento se deve a mudança em duas legislações. Uma em 2017, que convalidou benefícios fiscais antes considerados inconstitucionais, e outra no fim de 2021 que consolidou e prorrogou os incentivos por mais tempo.
Esse arcabouço legal estipulava que os benefícios regionais acabariam em 2032, mas a aprovação da Reforma Tributária estabeleceu um período de redução dos incentivos a partir de 2029.A ideia é que os benefícios sejam extintos, à exceção dos concedidos na Zona Franca de Manaus.
Impactos da Reforma Tributária
A Fenafisco considera que a concessão exagerada dos benefícios desencadeou uma guerra fiscal entre os estados, algo que a reforma pode minimizar, em parte. Valença lembra que o processo de concessão do benefício deverá ficar mais transparente com a reforma, já que o estado terá que explicitar o quanto está investindo na empresa.
Ainda assim, há a chance do novo modelo facilitar os lobbies - aumentando ainda mais a alíquota modal, hoje estimada em 26,5%.
"Até então, qualquer entidade privada que quer obter benefícios tem que negociar, tentar convencer, mostrar vantagens a cada governador. Com a Reforma, isso vai estar concentrado no Congresso nacional ", diz ele.
Outro argumento da Fenafisco é que a reforma mantém uma estrutura que não garante redução na desigualdade de consumo. Ele cita o exemplo da desoneração da cesta básica:
"Pobre e rico pagarão zero (de alíquota), mas isso não significa que as mercadorias ficarão ficar mais baratas, Em Portugal, medidas semelhantes acabaram encarecendo as mercadorias. Nada garante que os preços vão cair ", afirma Valença.