"CDL chega aos 65 anos de forma muito representativa", diz Fred Leal
Em entrevista à Folha de Pernambuco, presidente da instituição fala sobre os projetos, parcerias e desafios para manter o comércio crescendo
No ano em que a CDL Recife celebra 65 anos de serviços prestados, Fred Leal destaca a relevância da atuação do órgão no apoio ao comércio, na interlocução com o poder público e na defesa do Centro do Recife
A CDL está completando 65 anos. Como o senhor avalia a importância da instituição para o desenvolvimento do comércio local?
Ao longo desses 65 anos, muita coisa aconteceu. E eu acho que a CDL chega aos 65 anos de forma muito representativa. Afinal, muitas entidades começam e desaparecem, mas a CDL tem uma trajetória sólida, com um histórico excelente. É claro que a CDL mudou muito com o tempo. Uma das razões do nosso crescimento foi o SPC, o Serviço de Proteção ao Crédito. No início, o SPC foi uma grande revolução no comércio. Com o tempo, ele evoluiu até se tornar o que é hoje — uma ferramenta fundamental para o varejo. Hoje existem quase 2 mil CDLs em todo o Brasil. O que começou no Recife passou a se conectar com outras CDLs pelo estado, no começo só por telefone, de forma bem rudimentar. Mas, há cerca de 20 anos, decidimos unificar todas as informações em um único banco de dados. Primeiro, unificamos os dados de todo o estado aqui no Recife, e depois isso foi transferido para São Paulo, onde hoje está a sede do SPC Brasil, uma empresa S.A. Hoje, no Brasil, existem cinco grandes bancos de dados. O maior é o Serasa; o segundo somos nós. A diferença é que o Serasa é mais focado em pessoa jurídica, enquanto nós somos mais especializados em pessoa física. Temos, inclusive, um convênio: eu vejo o banco de dados do Serasa, e eles veem o nosso. Para se ter uma ideia da tecnologia envolvida, fazemos mais de 400 milhões de consultas por ano. E uma consulta dessa é feita em três segundos, direto do celular. Isso é essencial para o lojista, porque o comércio depende de duas coisas: renda e crédito. Hoje a renda está comprimida por causa da inflação, e o crédito continua caro. Então, o acesso a esse tipo de informação é crucial para a saúde do comércio.
Como a CDL Recife vem apoiando os comerciantes locais a superarem desafios?
A principal ferramenta da gente é o SPC Brasil, que evoluiu muito. Antigamente era só saber se a pessoa estava negativada. Hoje, com o Cadastro Positivo, a gente tem uma visão muito mais completa: se a pessoa paga as contas de luz em dia, se é casada, se tem filhos. Com base nisso, conseguimos gerar um rating de crédito mais preciso, o que dá mais segurança ao lojista. Além disso, temos várias ferramentas baseadas em dados, que são hoje o ativo mais valioso que existe. Nós tratamos essas informações com responsabilidade, para oferecer aos lojistas condições melhores de decisão. Na pandemia, por exemplo, a CDL Recife participou ativamente de ações para apoiar os comerciantes. Participamos do Movimento Pró-Pernambuco, temos cadeira no CDU (Conselho de Desenvolvimento Urbano) da prefeitura, e integramos conselhos e movimentos urbanos. Trabalhamos diretamente com a prefeitura, com o Ministério da Fazenda, pedindo prorrogação de impostos, discutindo a reabertura do comércio. Atuamos de forma muito ativa.
Como a instituição vem trabalhando as datas do calendário promocional (Natal, Páscoa, Dia das Mães, entre outras) para estimular as vendas do comércio na cidade?
Temos um calendário promocional ao longo do ano, com ações de diferentes portes. Por exemplo, no Carnaval, fazemos pequenas ações no Centro do Recife, com bandinhas, frevo e outras ativações. Isso acontece também no São João, no Dia dos Namorados, dos Pais, das Mães. Estamos, inclusive, pensando em lançar uma nova campanha focada exclusivamente no Centro. As duas maiores ações que realizamos são o Liquida Recife e o Natal Premiado. O Liquida (Recife) envolve comércio de rua, shoppings e o setor de serviços, com o apoio da prefeitura, do governo do estado e, principalmente, da Cielo. Fazemos sorteio de carros, TVs e outros prêmios. Já são 15 anos de Liquida Grande Recife, que também abrange toda a Região Metropolitana. O Natal Premiado segue o mesmo modelo, mas é realizado na principal data do varejo. E junho, apesar de não ser Natal, é o segundo melhor mês para o comércio, por conta do São João, que movimenta o mês inteiro. Essas ações têm um objetivo claro: fomentar as vendas de forma direta e gerar resultados concretos para os lojistas.
Quais são os benefícios de ser um associado da CDL Recife?
O associado tem dois grandes tipos de benefício: de negócio e institucional. No aspecto de negócio, só o associado pode utilizar o SPC para incluir ou retirar nomes do sistema. A CDL apenas faz a gestão do banco de dados, que é altamente protegido e controlado por tecnologia. Mas só quem é associado pode utilizar essa ferramenta. No lado institucional, o associado tem acesso direto à prefeitura e outros órgãos. Temos uma equipe que atua diariamente, por exemplo, para resolver desde um buraco na rua até questões maiores de mobilidade urbana. Temos cadeira no CDU, o Conselho de Desenvolvimento Urbano, e acesso direto a secretários e ao próprio prefeito. Esse tipo de articulação institucional é muito valiosa, especialmente, para o pequeno e médio lojista, que sozinho não teria esse alcance. Além disso, a gente também tem interlocução com deputados e senadores. Já estivemos no Congresso Nacional representando a CDL Recife, e temos uma boa relação com parlamentares que nos apoiam em pautas importantes.
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Quais são as principais demandas da CDL Recife em relação às políticas públicas para o setor?
Nosso foco principal é o Centro do Recife, por meio do projeto Recentro. Minha escolha foi travar essa batalha pela revitalização do Centro do Recife, que é uma luta de vida. Temos reivindicado políticas públicas como isenção de IPTU, isenção de ISS e inclusão de áreas no polígono de incentivos fiscais, para atrair empresas para regiões como Boa Vista e o bairro de Santo Antônio. Além disso, participamos de discussões com a Secretaria da Fazenda, sempre defendendo condições melhores para o comércio.
Como a CDL Recife está trabalhando em parceria com o governo municipal e estadual para promover o desenvolvimento do comércio?
Esse “meio de campo” da gente é difícil, mas eu diria que o diálogo é muito franco. Com a prefeitura, então, é total. Eu estive com o prefeito várias vezes. Então, eu diria que esse acesso é total. A gente reivindica, às vezes não vai, tem as questões do Centro... “Prefeito, vamos recuperar a Pracinha do Diário”, e por aí vai. É uma luta diária, feita com Ana Paula (Vilaça, chefe do Gabinete do Centro), que é uma fera para trabalhar. Com o governo estadual, a gente há deputados com os quais temos mais ligação. Então, tem algumas pautas, por exemplo, do Código de Defesa do Consumidor Estadual, que a gente tem tentado avançar. Um exemplo: hoje, para eu notificar alguém, preciso mandar uma carta. Isso não existe mais. A gente está tentando mudar isso no Código, junto com a Assembleia Legislativa, para que essa notificação possa ser feita por e-mail — um e-mail certificado, que comprove o recebimento. Isso já serviria, porque eu só posso incluir um nome no SPC, por exemplo, depois de avisar. É fundamental esse aviso. Isso protege o consumidor e dá segurança à loja, porque o cliente pode dizer: “Não devo.” Ele tem o direito de contestar. Então, em nível estadual, essa talvez seja a principal demanda que temos hoje. Fora, claro, a eterna questão dos impostos.
Presidente da CDL Recife disse que tem reivindicado políticas públicas como isenção de IPTU e de ISS para o setorComo o senhor vê o futuro do comércio no Centro do Recife nos próximos anos?
Olha, eu vejo com muita esperança, mas com um ponto fundamental. Queria recuar um pouquinho. Por que o Centro está assim? A primeira coisa: porque nossas vidas mudaram, nosso sistema mudou. Essa tal de internet — para o bem e para o mal — transformou tudo. Eu sou da época em que dentista, advogado, médico, era tudo no edifício Santo Albino, ali na Avenida Guararapes. Sou da época da Viana Leal. Era a maior loja de varejo do Norte e Nordeste, ali na Rua da Palma. Aquele prédio enorme, fundado pelo meu avô. Hoje não é mais nosso. Mas vivi o Centro no tempo em que você não conseguia andar na Rua Nova ou na Rua da Imperatriz. Hoje você vai lá e estão vazias. O que aconteceu? Em todas as capitais, o comércio mudou. A vida da gente mudou. O Recife tem um problema seríssimo de mobilidade, que fez o interesse pelo Centro se descentralizar. Sem contar os shoppings centers — excelentes, mas que também retiraram o fluxo do Centro. E o comércio eletrônico, que veio para atrapalhar ainda mais. Então, a pergunta é: qual é a vocação do Centro? Isso está sendo debatido em todas as capitais do mundo. A gente precisa responder isso. Temos igrejas barrocas maravilhosas, um centro cultural e histórico incrível. Mas precisamos investir, precisamos de dinheiro para isso. Hoje, o entendimento é que o Centro precisa ser ocupado: por moradia, por entidades públicas, por secretarias, por um Expresso Cidadão, por exemplo. Isso faz as pessoas voltarem. As lojas vêm depois. O lojista não vai montar uma loja na Guararapes, esperando que o público apareça. A única saída que vemos é ocupar o Centro. E ele é excelente para moradia. Tem estrutura total. Morar no Centro é óbvio. Agora, quais as condições? Aí é outra discussão.
E os shopping centers?
O shopping center foi montado há 20 anos com uma lógica clara: lojas. A pessoa ia lá para comprar. Depois comia, consertava uma calça, e assim por diante. Mas isso mudou. Hoje, o shopping não é mais um lugar só de loja. É lugar de relacionamento: para paquerar, namorar, fazer academia, ir ao hospital, ir ao médico nas torres em volta, lazer — e alimentação, principalmente. Antes nem tinha alimentação no shopping. Hoje tem restaurantes maravilhosos. O Shopping Recife está passando por uma grande reforma. Virou outro conceito. Você vai ao shopping para comer, fazer academia, resolver coisas, costurar roupa, e só depois pensar em comprar. Os shoppings daqui viraram isso muito bem, viu? São lugares de passeio. Mas isso afetou muito o comércio, principalmente as pequenas lojas. Hoje é muito difícil manter uma loja pequena em shopping center. Mas, veja, o shopping é um lugar maravilhoso. E o Centro é sempre o Centro. Ele está no coração de todo mundo.
Fred lembra as transformações pelas quais os shopping centers vêm passando, com a incorporação de novos serviços Foto: Ricardo Fernandes/Folha de PernambucoQuais são as tendências que a CDL Recife está observando para preparar os comerciantes locais, considerando as transformações nos hábitos de consumo nas grandes cidades?
Existe uma interação muito grande, principalmente agora. Esse problema do Centro do Recife é comum a várias capitais. Já participei de congressos em que levei ideias do Recife. Há muita troca de informação. Mas eu diria que cada capital tem sua característica. Às vezes, me dizem: “Ah, mas na Europa...” Aí eu pergunto: “Você conhece Milão?” Lá tem uma catedral espetacular, 50 milhões de turistas por ano. Aí fica fácil revitalizar. É outro contexto. Mas todas as grandes capitais têm desafios. As mais modernas estão sendo revitalizadas. Um exemplo: a Coreia do Sul pegou um rio e transformou em um projeto urbano espetacular. Cada cidade tem seu momento e seu caminho. O importante é trocar experiências. E sempre ter em mente: qual é a vocação? Qual é a vocação do Centro do Recife? Eu acho que é cultura. Temos 12, 13, 14 igrejas barrocas maravilhosas. A vocação é essa. Mas, para chegar lá, precisamos de moradia e gente circulando.
Há um debate com o poder público para garantir mais segurança no Centro?
Sim. Pedimos que a Guarda Municipal seja armada, e também que haja uma equipe especial só para o Centro. Isso está encaminhado, mas preciso destacar o trabalho da Polícia Militar, que tem dado um apoio realmente fantástico. Você tocou num ponto que me agonia todo dia: temos um problema seríssimo de segurança. E outro ainda maior: a desigualdade. Não dá para conviver com isso. Deixa eu lhe dizer uma coisa: hoje, a dificuldade de mão de obra no comércio é enorme. Você mesmo não quer estar num shopping até 22h vendendo. Ninguém quer. Isso mudou. É impressionante. O jovem se questiona se vale a pena ganhar R$ 1.500 — e ainda com desconto. Muitos preferem fazer Uber. Trabalham quando querem, veem o dinheiro entrar toda hora. Tem gente tirando R$ 4 mil, veja que transformação.
Como o senhor enxerga plataformas de e-commerce?
É uma realidade. Eu sempre digo: quando você tem um inimigo muito forte, precisa saber como enfrentá-lo. Às vezes, você até se curva, para vir por trás dele. Vou combater a Amazon? Não. Tenho que colocar meu negócio dentro da Amazon, da Shein, da Temu, da Shopee. Eu mesmo compro por elas. Você não vai confrontar isso diretamente. Sua loja física tem que oferecer outra coisa: experiência, atendimento, personalização. Se for para “combater”, é se aliando. Não tem outro jeito.

