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Chanceleres do Brics defendem OMC e criticam "medidas protecionistas unilaterais", sem citar Trump

Reunião de ministros de relações exteriores do grupo formado inicialmente por Brasil, Rússia, Índia e China termina sem declaração conjunta, mas, segundo o chanceler brasileiro, Mauro Vieira, houve consenso nas discussões sobre guerra comercial

Representantes dos países do Brics no primeiro dia da reunião de chanceleres, no Rio Representantes dos países do Brics no primeiro dia da reunião de chanceleres, no Rio  - Foto: Alexandre Cassiano

Em meio à guerra comercial deflagrada pelo presidente dos EUA, Donald Trump, os chanceleres do Brics, grupo diplomático formado por 11 países membros e nove nações parceiras, defenderam o pleno funcionamento da Organização Mundial do Comércio (OMC) e criticaram “medidas protecionistas unilaterais injustificadas”, conforme declaração da presidência brasileira do fórum.

O Brasil é o atual presidente temporário do Brics, que terá sua cúpula anual de chefes de estado no Rio, no início de julho.

Nesta terça-feira, terminou a primeira reunião de ministros de relações exteriores do grupo, encontro encerrado sem uma declaração consensual chancelada por todos os representantes.

Consenso no tema da guerra comercial
Apesar da falta de consenso, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, garantiu que, no tema da guerra comercial, não houve divergência entre os países.

Dessa forma, a declaração da presidência temporária divulgada pelo Brasil na tarde desta terça-feira expressaria a posição de todos.

– O que consta da declaração com relação a questões de disputas comerciais, de tarifas, tem consenso absoluto em todos os países e está consolidado no documento – disse Vieira, numa entrevista coletiva após o encerramento da reunião de chanceleres.

Na entrevista, o ministro brasileiro já havia destacado, da declaração publicada pelo Brasil, “o firme rechaço de todos à ressurgência do protecionismo comercial e ao uso de medidas não tarifárias sob pretextos ambientais”.

Lavrov confirma concordância no tema comercial
Em entrevista, no Rio, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, corroborou a avaliação do colega brasileiro, de que houve consenso entre os países do Brics sobre a guerra comercial.

– Não citamos nomes no documento final, mas ele contém nossas abordagens comuns sobre o que está acontecendo atualmente na economia global. Em primeiro lugar, o documento final apresenta uma conclusão comum sobre as consequências negativas da fragmentação da economia global, as preocupações com o enfraquecimento do multilateralismo e a violação das regras de justiça e inclusão que devem fundamentar o sistema comercial – disse Lavrov, segundo a agência de notícias russa Interfax.

Declaração deixa Trump de fora
Chama a atenção que a declaração não cita nominalmente Trump, nem os EUA. Dos 62 parágrafos do documento, apenas três tratam diretamente da guerra comercial.

Segundo o texto, divulgado pelo Itamaraty enquanto Vieira concedia a entrevista coletiva, os chanceleres “expressaram sérias preocupações com o aumento de medidas protecionistas unilaterais injustificadas, inconsistentes com as regras da OMC, incluindo o aumento indiscriminado de medidas tarifárias e não tarifárias e o uso abusivo de políticas verdes para fins protecionistas”.

Além disso, “os Ministros expressaram séria preocupação com a perspectiva de fragmentação da economia global e enfraquecimento do multilateralismo, bem como seu apoio a um sistema multilateral de comércio aberto, transparente, justo, previsível, inclusivo, equitativo, não discriminatório e baseado em regras, tendo a OMC em seu centro”, diz o documento.

“O comércio internacional é importante motor do crescimento inclusivo, da erradicação da pobreza e da fome, da promoção do desenvolvimento sustentável em suas três dimensões e da realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável no Sul Global”, continua a declaração publicada pelo Brasil.

Embora o texto não cite Trump, diz que “os Ministros reiteraram que medidas coercitivas unilaterais, na forma de, entre outras, sanções econômicas unilaterais e sanções secundárias, que são contrárias ao direito internacional, têm implicações amplas para os direitos humanos, inclusive o direito ao desenvolvimento, da população dos estados atingidos, afetando de forma desproporcional os pobres e pessoas em situação de vulnerabilidade”.

"Reforma abrangente da arquitetura financeira global"
Além da guerra comercial, outro tema econômico incluído na declaração publicada pelo Brasil é o sistema financeiro global.

Segundo o documento, os representantes dos países participantes da reunião defenderam “a necessidade de uma reforma abrangente da arquitetura financeira global para ampliar a voz dos países em desenvolvimento e sua representação nas instituições financeiras internacionais”.

“Os Ministros destacaram a importância do uso ampliado de moedas locais nas compensações comerciais e financeiras entre os países do Brics e seus parceiros comerciais”, diz o texto, recordando a Declaração de Kazan, da cúpula anual de 2024, que determinou estudos sobre o tema.

Diante das turbulência provocadas pela guerra comercial de Trump, o Brics serve como fórum geopolítico para reforçar a posição em prol do multilateralismo. Na abertura do encontro de chanceleres, no Rio, o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, destacou o peso político do grupo.

De paper de teoria econômica a grupo político

O termo Bric, para se referir a Brasil, Rússia, Índia e China, surgiu pela primeira vez em 2001, num artigo de discussão econômica do economista Jim O’Neill, então no banco de investimentos americano Goldman Sachs.

O estudo de O’Neill se debruçava apenas sobre os quatro países, reunidos em grupo por serem grandes, com capacidade de liderar o crescimento econômico global.

A ideia saiu da discussão de análise econômica para a esfera política.

A partir de 2006, nos corredores da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, os chanceleres dos quatro países começaram a se reunir, para tratar de temas da agenda internacional. Em 2009, os encontros foram formalizados num grupo diplomático.

Em 2011, a África do Sul foi admitida, dando sentido ao “s” do grupo, no plural – em inglês, “South Africa”.

Entre os principais resultados da formação do grupo estão a criação do Arranjo Contingente de Reservas (ACR), que funciona nos moldes do Fundo Monetário Internacional (FMI), e do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), nos moldes do Banco Mundial.

Desde então, o Brics vem ganhando contornos mais políticos, se tornando fórum de países do chamado Sul Global, incluindo, então, outros países nos encontros.

Em 2023, foi aprovada a entrada de cinco novos membros: Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã. Em 2024, foi a vez da Indonésia.

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