Haddad tenta evitar que novos benefícios sociais aumentem os gastos públicos, mas mercado desconfia
Informações que circularam no mercado sobre uma possível alta de gastos públicos fizeram o dólar avançar
Mesmo com a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em baixa, a equipe liderada por Fernando Haddad armou uma defesa para tentar segurar medidas populistas com impacto fiscal. Para recuperar terreno, o governo tem preferido até agora lançar iniciativas para expandir o acesso ao crédito, que, embora não prejudiquem o cumprimento da meta de resultado das contas federais, impulsionam a economia e podem bater na dívida pública.
Ontem, informações que circularam no mercado sobre uma possível alta de gastos públicos fizeram o dólar subir. A moeda fechou com forte alta de 0,83%, a R$ 5,679 — na máxima do dia, bateu R$ 5,697. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, negou que o Bolsa Família fosse passar de R$ 600 para R$ 700, mas não acalmou os ânimos dos investidores.
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Ele ainda negou que esteja em discussão qualquer pacote de medidas com impacto fiscal para reverter o baque na popularidade de Lula.
— Não há da parte do Ministério do Desenvolvimento Social pressão para nenhum iniciativa nova, isso vale para os outros ministérios também. Não tem estudo, não tem demanda, não tem pedido, não tem nada — disse Haddad a jornalistas na entrada do Ministério da Fazenda.
Ano eleitoral preocupa
Segundo Fabrizio Velloni, economista-chefe da Frente Corretora, o possível anúncio de medidas de estímulo às vésperas de ano eleitoral devolveu o fiscal à pauta do câmbio, que vinha refletindo o cenário externo:
— Fica claro que o governo não vai ter capacidade de trabalhar o fiscal diante da aproximação das eleições. Com a popularidade em baixa, é efetiva a aceleração de gastos.
Um gestor de câmbio, que preferiu não ser identificado, afirmou ao Globo que as medidas seriam uma “mentira que faz sentido”, por isso o dólar se manteve em alta mesmo após Haddad se pronunciar.
Por outro lado, o governo tem usado programas de crédito para tentar reverter o baque na popularidade. Além do novo modelo de consignado para trabalhadores com carteira assinada, houve a expansão do público-alvo do Minha Casa, Minha Vida, e estão no forno linhas para facilitar a compra de motocicletas por entregadores de aplicativo e para baratear o crédito para microempreendedores com a garantia do Pix.
Também está em discussão no governo uma linha para financiar a reforma em moradias de pessoas de baixa renda, o que seria feito exclusivamente pela Caixa Econômica Federal, sem aporte de recursos do Orçamento. Essas medidas de crédito não têm impacto direto nas contas federais.
A queda da avaliação positiva do governo ficou evidente em janeiro, logo após a crise do Pix, e as próximas pesquisas devem mostrar novas perdas, devido ao escândalo dos descontos indevidos nos benefícios do INSS, segundo expectativa do próprio Palácio do Planalto, como mostrou a colunista do GLOBO Bela Megale.
A crise do INSS, inclusive, ilustra a batalha mais recente contra medidas que afetem a trajetória fiscal. Uma ala do governo defendia o uso de crédito extraordinário para acelerar a devolução dos recursos às pessoas lesadas, a fim de estancar a sangria na aprovação do Executivo.
Atualmente, porém, a ideia com maior força é remanejar recursos do Orçamento, segundo fontes, caso os valores bloqueados das entidades investigadas não sejam suficientes para o reembolso. Um crédito extraordinário possibilita um aumento de gastos fora do limite de despesas do arcabouço fiscal, embora seja contabilizado na meta.
Já em um remanejamento seriam cortados gastos de outras áreas. Nesse caso, os prejudicados seriam os ministérios alvos dos cortes — o que é decidido pelo Palácio do Planalto.
O martelo final, porém, só será batido depois que o governo tiver dados mais precisos sobre o número de lesados e o montante a ser devolvido.
Em outra frente, a nova versão do vale-gás será lançada após o acordo entre os ministérios de Minas e Energia e da Fazenda. Agora, o custo do programa ficará dentro das regras fiscais, diferentemente da proposta de meados do ano passado, que criava uma triangulação para pagar o benefício fora do Orçamento.
Já a nova tarifa social na conta de luz para famílias de baixa renda será compensada com cortes de outros subsídios, não com recursos públicos.
Um interlocutor de Haddad negou qualquer pressão direta de Lula neste momento diante de uma avaliação de que um aumento do Bolsa Família não seria uma “bala de prata” para reverter a queda na popularidade. E afastou qualquer possibilidade de um pacote.
Dentro do governo, assessores de Haddad têm argumentado que manter a inflação e os preços de alimentos controlados é mais importante do que qualquer aumento de benefício. Para isso, é preciso monitorar a trajetória dos gastos e cumprir as regras fiscais. Assim, a inflação se acomoda e os juros podem iniciar um processo de queda, o que contribui para a trajetória da dívida pública.
‘Arroz com feijão’
O secretário executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, já adiantou que o governo deve fazer um bloqueio de recursos orçamentários na primeira atualização bimestral do Orçamento de 2025, que será divulgada na semana que vem. O assunto seria discutido ontem com Lula, mas foi adiado por causa de sua ida ao Uruguai para o velório do ex-presidente José Mujica.
— As únicas medidas que estão sendo preparadas para levar ao conhecimento do presidente são medidas pontuais para o cumprimento da meta fiscal — disse Haddad. — Não existe pacote, existe um conjunto de medidas que são corriqueiras da administração séria que está sendo feita de cumprir o que foi estabelecido com a sociedade.
O ministro ainda reforçou que “tudo será feito para o cumprimento da meta”. Este ano, o alvo para o resultado das contas públicas é zero, com intervalo de tolerância de 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB) para cima e para baixo.
A expectativa é que o governo faça contingenciamentos e bloqueios até o fim do ano para conseguir cumprir a meta fiscal de 2025, diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados. Ele avalia que essas restrições afetarão tanto emendas parlamentares como Saúde e Educação:
— Este ano, é provável que consiga entregar (a meta) à custa de bloqueios e contingenciamentos. Mas não se pode fazer política fiscal vivendo dependente disso. Isso é um tapa-buraco, é paliativo.
Vale só espera ajuste mais crível em 2027:
— Até lá, vai ser meio o “arroz com feijão” da parte fiscal.

