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Mercado de data center vive "boom" com uso da IA

Setor cresce cerca de 20% ao ano. Inicialmente concentrado em São Paulo, começa a se expandir para outras cidades

Mercado de data center vive "boom" com uso da IAMercado de data center vive "boom" com uso da IA - Foto: Reprodução/Freepik

A digitalização das empresas está provocando um boom na construção e expansão de data centers no Brasil, setor que avança num ritmo de cerca de 20% ao ano, e a busca por energia amplia o potencial de crescimento. Com grande presença de fontes renováveis em sua matriz energética, o Brasil é candidato natural a se tornar um hub de investimentos, especialmente com a aceleração do uso da inteligência artificial (IA) e a necessidade de grandes data centers para treinamento de algoritmos. Mas o país poderia ser ainda mais atraente para esse capital com menos burocracia e incentivos fiscais, de acordo com especialistas no setor.

"A questão da matriz elétrica limpa do Brasil é um fator extremamente importante para o país. E, na comparação com os Estados Unidos, o custo de nossa energia é 50% menor. Mas o parecer dos órgãos competentes para a construção de um data center, por aqui, leva cerca de 14 meses, enquanto o ideal seriam três meses" explica Renan Lima Alves, presidente da Associação Brasileira de Data Center (ABDC).

Outro fator que poderia destravar investimentos, diz Alves, é a isenção tributária para ativos de TI em que não há similaridade nacional. Países vizinhos como a Colômbia e o Chile, por exemplo, já contam com essa isenção. O presidente da ABDC lembra que o governo federal criou o Programa Nacional de Atração de Data Centers, que inclui um regime tributário especial chamado Redata, que visa a desoneração de impostos federais para atrair esses centros de processamento de dados.

Alves cita como terceiro fator o debate em torno da regulamentação de inteligência artificial. O país terá um marco regulatório para o segmento.

60% do mercado na região
No Brasil, big techs como Google, Amazon e Microsoft operam seus grandes data centers para atender suas próprias necessidades e oferecer serviços de nuvem e IA. Outros grupos de operadores são as chamadas companhias wholesale, que oferecem serviços de data center para grandes clientes e fazem a gestão do espaço. E há também um grupo de operadores que comercializam sua capacidade para outras companhias e interessados de diferentes tamanhos.

A maior parte dos data centers do país se localiza na Região Metropolitana de São Paulo, mas há um movimento de expansão para outros estados, como Rio de Janeiro, Porto Alegre e Fortaleza. Além da oferta de energia, a localização dos data centers considera a latência, que é o tempo de resposta do dado solicitado. Os data centers que ficam mais próximos dos usuários reduzem significativamente a latência — o que é fundamental, por exemplo, no setor financeiro.

A capacidade de um data center é medida em megawatts (MW) de energia de TI. No Brasil, são 612 megawatts de TI e mais 162 megawatts em construção, segundo a ABDC. Alves explica que se trata de um percentual muito baixo de data center per capita numa média global e que há uma demanda reprimida muito grande. Com um ambiente mais atraente no país, ele estima que seria possível colocar 2.642 gigawatts de TI até 2030, uma injeção de R$ 1,5 trilhão no setor.

Os investimentos já aparecem por toda parte. O projeto Rio AI City, um campus de inteligência artificial na região do Parque Olímpico, que pretende ser o maior hub de data centers da América Latina, terá investimentos iniciais de R$ 5 bilhões pela Elea Data Centers. No total, a primeira fase alcançará 1,5 GW de capacidade energética, com potencial de expansão para até 3,2 GW no futuro.

Alessandro Lombardi, Chairman da Elea Data Centers, afirma que o Brasil é o único país do G20 que tem matriz energética predominantemente renovável, após duas décadas de incentivos. E os data centers podem agora gerar demanda por essa energia limpa, colocando o país em posição de vantagem.

Ele diz que não só a energia limpa é um fator de atração para o Brasil, mas o país é estratégico porque detém 60% do mercado de data centers da América Latina e um mercado consumidor com 220 milhões de habitantes:

"Em razão disso, as big techs precisam alocar serviços no país para atender aos consumidores locais. Trazer essa infraestrutura digital para o Brasil significa melhorar a latência, ou seja, o tempo de resposta entre os dados e os servidores e, consequentemente, isso impacta na experiência dos usuários finais. No caso das aplicações de IA, essa rapidez no tempo de resposta se torna ainda mais essencial."

Marco Alberto Silva, fundador e presidente do Grupo Engemon, especialista em construção, infraestrutura e operação de data centers, vê uma aceleração na busca por data centers e tem seis projetos em construção nos estados do Rio, São Paulo, Sergipe e Brasília, historicamente, o maior número de sua carteira. Só na construção civil o investimento soma R$ 1 bilhão nos próximos 16 a 18 meses.

"Além da matriz energética, o país apresenta crescimento acelerado na adoção de serviços em nuvem, e-commerce e transformação digital. Os data centers aqui operam com menor pegada de carbono e com custos operacionais mais baixos em relação a seus pares no mercado global" diz o presidente da Engemon.

Linhas de transmissão
A geradora de energia renovável Casa dos Ventos obteve duas liberações importantes ligadas ao sistema elétrico para prosseguir com um projeto de data center de 300 megawatts (MW) no complexo portuário do Pecém (CE), com investimentos estimados em R$50 bilhões. A empresa estima a geração de mais de 20 mil empregos diretos e indiretos, além da criação de um novo polo de infraestrutura digital, que ajuda o desenvolvimento da Região Nordeste, especialmente do estado do Ceará. O projeto terá baixo consumo de água, com uma tecnologia inovadora.

"O aumento da demanda pela inteligência artificial requer energia e água em qualquer lugar do mundo, e o Brasil está muito bem posicionado" diz Lucas Araripe, diretor executivo da Casa dos Ventos.

Victor Arnaud, presidente da Equinix Brasil, destacou que a IA é mais um vetor de crescimento que amplia a discussão sobre sustentabilidade na construção de data centers. A empresa anunciou recentemente o investimento de US$ 94 milhões em um novo data center em São João de Meriti, no Rio de Janeiro, com 100% de energia renovável. Em São Paulo, a companhia também anunciou expansão e novos projetos que somam US$ 168 milhões, como em Santana de Parnaíba e Barueri.

"O Brasil tem geração renovável, e isso é uma vantagem. Mas há o desafio da construção das linhas de transmissão, a depender de onde está o data center" diz.

Ele lembrou que, além dos novos projetos, há o esforço da indústria em modernizar a base instalada de data centers.

"Como os data centers já instalados podem se tornar mais sustentáveis? Essa é uma questão importante. Então, não são apenas os novos projetos. A busca pela sustentabilidade precisa ser infinita."

Big Techs são os principais clientes
A proposta do governo federal para incentivar a atração de data centers no país mira big techs, como Microsoft, Google, Meta e Amazon. Em maio, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi aos Estados Unidos apresentar os termos do projeto, que inclui benefícios fiscais e isenção de imposto para importação para máquinas e equipamentos, e busca atrair R$ 2 trilhões em investimentos ao país na próxima década.

O “público-alvo” não foi à toa. Grandes empresas de tecnologia se engajaram em uma corrida pela busca de fontes de energia limpa, além de lançarem projetos com soluções para seus data centers. O foco é aumentar a aposta no desenvolvimento de ferramentas de inteligência artificial, o que requer aportes bilionários no projeto em si e investimento pesado em novos data centers.

O debate envolve desafios que vão além do investimento. A operação de data centers requer volume significativo de água para resfriamento, além de pressionar a conexão de rede elétrica.

No ano passado, a Microsoft, por exemplo, lançou os primeiros data centers construídos com madeira maciça. Essa novidade reduz a pegada de carbono em até 65% em comparação com estruturas de concreto pré-moldado. E há economia de água em seus sistemas de resfriamento.

A empresa tem o maior acordo de compra de energia renovável corporativa do mundo, com o objetivo de atingir 100% de energia renovável em seus data centers até 2025 e 100% de eletricidade de baixo carbono até 2030. A Microsoft está trabalhando no uso de células de combustível de hidrogênio para alimentar seus data centers.

A Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, fez acordo recente com a AES para ampliar o uso de energia solar nos EUA. São 650 MW distribuídos entre o Texas e o Kansas, esses projetos visarão abastecer data centers de alta demanda por inteligência artificial. Com novos projetos, a capacidade renovável global da Meta ultrapassa 12 GW, impulsionando a descarbonização de suas operações.

A Meta anunciou planos para garantir até 4 gigawatts de energia nuclear nos Estados Unidos para atender a demanda crescente de energia gerada pelo desenvolvimento de modelos de IA em andamento.

A energia nesse caso é obtida através de Small Modular Reactors (SMRs ou Pequenos Reatores Modulares, em português), que são reatores nucleares de menor porte, com capacidade de geração de até 300 megawatts, significativamente menores do que os reatores convencionais. Até agora, existem apenas três desses reatores funcionando no mundo, mas entre 2030 e 2035 novos SMRS deverão entrar em operação.

Amazon e Google também exploram projetos de energia nuclear. A Amazon anunciou recentemente uma parceria com a X-energy para construir vários SMRs, enquanto a Oracle obteve permissões para construir três deles para alimentar um campus de data centers de um gigawatt.

O Google anunciou no fim do ano passado que vai investir cerca de US$ 20 bilhões em energia renovável. A empresa vem trabalhando com diversos parceiros para obter gigawatts de energia renovável, armazenamento em baterias e melhorias na rede elétrica para alimentar seus data centers.

O Google informou que a região de nuvem de São Paulo já opera com pontuação de energia livre de carbono de 90%, ou seja, clientes do Google Cloud executam trabalhos com energia livre de carbono durante 90% das horas do dia, em média.

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