Papai Noel faz bico como Uber
Seu Júnior interpreta o bom velhinho há 25 anos e agora também trabalha com o app para pagar as contas pois, como muitos brasileiros, ele viu a renda despencar após a aposentadoria
Eu nunca acreditei em Papai Noel. Nem quando era criança. Nunca esperei sua visita numa noite de Natal, muito menos em uma manhã comum de segunda-feira. Mas, diz a lenda, se a gente chamar, ele vem. E veio mesmo, só que para mim o bom velhinho não chegou de trenó, mas dirigindo um Uber.
“É que, em dias de orçamento apertado, até o Papai Noel precisa fazer bico para fechar as contas”, disse o senhor de sorriso carismático e longa barba branca, inconfundíveis atributos da figura mítica. Severino Júnior, 61 anos, interpreta o personagem há 25 anos fazendo participações especiais em eventos e ações beneficentes. Há dez anos ele também assumiu o papel do personagem natalino no Shopping Recife, atividade para qual dedica oito horas diárias, inclusive nos fins de semana, entre os meses de novembro e dezembro.
Embora não revele quanto recebe para assumir o papel do personagem no shopping, seu Júnior, como gosta de ser chamado, conta que não é suficiente para fechar as contas. Isso porque a renda diminuiu muito depois de sua aposentadoria, em maio passado. “Eu trabalhava como servidor da Fundação de Saúde Nacional - Funasa. Quando me aposentei, perdi uma porção de direitos, a exemplo de alimentação e transporte. Isso pesou”, conta.
Foi então que as horas dedicadas ao aplicativo viagens compartilhadas passaram a ser uma opção de complemento da renda doméstica. Por mês, o trabalho como motorista de Uber rende cerca de R$ 2 mil por mês. Não é tanto quando descontado os 25% pagos à administradora do aplicativo e o gasto com o combustível, sem falar nas despesas de manutenção do carro.
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Para compensar mesmo, é preciso rodar muito. Por isso, sempre que tem uma hora vaga entre as aparições como Noel, seu Júnior assume as rédeas do seu trenó motorizado. Muitas vezes ele até roda vestindo o uniforme vermelho, o que “ajuda no marketing e a conquistar boas avaliações no aplicativo”, diz. “As despesas são altas porque tenho duas filhas, uma na faculdade, e um neto que dependem da minha ajuda. O que aparecer para ganhar um extra eu pego”, comenta.
Toda essa correria para incrementar a renda, comum a tantos brasileiros diante de um mercado formal de trabalho ainda desaquecido e da queda dos salários, também significa sacrifícios. Além de ter que se desdobrar para enfrentar jornada dupla depois dos 60 anos, desde que passou a ganhar dinheiro interpretando o Papai Noel, o aposentado nunca mais passou um Natal na companhia dos seus familiares. “Há 25 anos faço eventos durante a comemoração. Minha família já se acostumou”, revela. Mesmo assim o Papai Noel Uber diz estar satifeito nas duas funções. "As pessoas me tratam bem, ficam felizes quando descobrem quem sou", ressalta e acrescenta, "mas o que gosto mesmo de fazer é o trabalho voluntário em eventos de crianças carentes. Quando elas me veem vestido de Noel me tratam como um pai".
Quando a corrida chegou ao fim, seu Júnior se despediu com um sorriso acolhedor. Perguntei qual seria o presente de Papai Noel para os trabalhadores brasileiros neste Natal, ao que ele antecipou: - Muita saúde e vontade de trabalhar!

