Pedido de vista mantém inquérito contra Google no Cade por uso de notícias em busca
Relator cita uso de IA
A análise do inquérito administrativo do Conselho Administrativo de Defesa Econômica ( Cade) que investiga o Google por práticas economicamente abusivas no mercado digital vai seguir após pedido de vista na sessão desta quarta-feira.
O caso trata da exibição de conteúdo jornalístico nas plataformas da empresa sem a remuneração dos veículos que o produziu, além do desvio de tráfego direto para esses veículos, limitando ainda a distribuição de receitas com publicidade digital.
Na sessão desta terça, o relator do inquérito, conselheiro Gustavo Augusto, votou pelo arquivamento da investigação, sob o argumento de que a conduta do Google gera receitas para os veículos de mídia. No entanto, o conselheiro considerou que a investigação do órgão responsável pela regulação da concorrência no país não apurou o uso de inteligência artificial no serviço de indexação de notícias.
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Após o voto, o conselheiro Diogo Thomson solicitou vista. Dessa forma, a investigação segue no Cade e o caso será retomado em outra sessão com os votos dos demais membros do colegiado.
Apuração desde 2018
A apuração teve início em 2018, por iniciativa do próprio Cade. No fim do ano passado, o inquérito acabou arquivado pela superintendência-geral do órgão. Em março, contudo, a conselheira Camila Cabral Pires Alves recomendou que o processo fosse retomado.
Ela sustentou tratar-se de um caso complexo, incluindo três teses de dano em análise. Uma delas é de tratar-se de uma inovação predatória à concorrência, a segunda é que o Google atuaria dando prioridade a seus próprios serviços nos resultados de busca (o que é conhecido como self-preferencing) e, por fim, a retenção de tráfego para aferir ganhos com publicidade
Entidades como a Associação Nacional de Jornais (ANJ), a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e a organização internacional Repórteres Sem Fronteiras (RSF), entre outras, defendem que o inquérito seja convertido em processo administrativo, o que permitiria não apenas apurar efeitos das práticas do Google, mas também aplicar eventuais remédios desenhados de forma a garantir condições justas de concorrência no mercado digital.
Falta de remuneração
As entidades sustentam que o Google prejudica os veículos jornalísticos ao adotar a prática de scraping, ou raspagem. Trata-se de exibir trechos de notícias produzidas por essas empresas no Google Search e no Google News, sem remunerá-las por isso.
A ANJ, que reúne uma centena de representantes do setor jornalístico nacional, e a Fenaj, em conjunto com RSF, enviaram manifestações ao Cade requerendo o aprofundamento das investigações e a abertura de um processo administrativo.
— O Cade sempre esteve na vanguarda das discussões antitruste no mundo. Não faria sentido o Cade, quando muitos países avançam nesta discussão de abuso de poder econômico das plataformas (digitais), ignorar o tema neste momento — diz Marcelo Rech, presidente executivo da ANJ.
O entendimento é que as profundas transformações pelas quais passou o setor de jornalismo nos últimos anos, a reboque da digitalização, evidenciam o efeito negativo das práticas adotadas pelo Google para os veículos de comunicação. E que o advento das ferramentas de inteligência artificial generativa desenvolvidas por big techs exigirá ainda mais monitoramento da concorrência no mercado digital.
No documento enviado ao Cade, a ANJ afirma que, no cenário atual, “os veículos de mídia não possuem qualquer poder de escolha — ou estão no Google, ou simbolicamente encontram-se alienados do ambiente de acesso ao seu conteúdo, já que estar fora do ambiente do Google é limitar drasticamente as interações com os consumidores” finais do mercado jornalístico.
Debate global
Esse debate se estende globalmente, tendo o Google como alvo de investigações antitruste ao redor do mundo. Regras específicas para regular o mercado digital foram adotadas em países como Canadá, Reino Unido e Austrália. E há propostas na mesma direção sendo discutidas nos Estados Unidos e na Nova Zelândia.
Na Alemanha, após processo sobre possíveis práticas anticompetitivas no Google News Showcase, no fim de 2023, a empresa fechou acordo para pagar anualmente mais de € 3 milhões a editores de notícias.
Antes disso, na França, em 2020, a big tech teve de negociar condições para remunerar de forma mais justa a utilização de conteúdos de terceiros e o prejuízo causado a eles. A medida foi implementada apenas em 2022, após imposição de multa de € 500 milhões ao Google.
Nos EUA, o Departamento de Justiça venceu, em abril, ação movida contra o Google por práticas anticompetitivas configurando monopólio e abuso de poder dominante no mercado de anúncios on-line.

