Revolução energética: o Brasil em busca de fontes limpas
Transição energética avança no território nacional com destaque para o Nordeste e pode consolidar o país como protagonista global na agenda do clima
A transição energética não é mais uma hipótese remota no horizonte da política ambiental, ela já está em curso, e o Brasil tem tudo para estar entre os líderes desse movimento.
Com uma matriz elétrica majoritariamente renovável, abundância de recursos naturais e um histórico de desenvolvimento de biocombustíveis, o país se apresenta como um dos principais atores na construção de um futuro mais limpo e sustentável.
Segundo dados do Ministério de Minas e Energia, cerca de 75% da matriz energética brasileira é composta por fontes renováveis. Quando se considera apenas a geração de eletricidade, esse índice sobe para quase 90%, impulsionado principalmente pela energia hidrelétrica.
“Nossa matriz já foi construída assim. Nosso processo de transição energética já seria muito mais fácil desse ponto de vista”, observa o advogado especializado no setor de energia Felipe Kfuri.
Apesar da posição privilegiada, o desafio ainda é grande. Fontes como a solar e a eólica são intermitentes, ou seja, geram energia apenas em condições específicas de sol e vento.
“Essas energias ainda não são armazenáveis. Se você gerou e não usou, ela vai embora”, pontua Kfuri. A mesma lógica vale para as hidrelétricas, que, em períodos de cheia, perdem parte do potencial energético por não terem como armazenar o excedente de água.
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Tecnologias
Para contornar esse problema, novas tecnologias estão sendo desenvolvidas com o objetivo de garantir o equilíbrio entre oferta e demanda. O destaque é o hidrogênio verde, uma alternativa promissora obtida por meio da eletrólise da água com o uso de fontes renováveis.
“O Brasil está muito bem posicionado nesse ponto. Como temos uma fonte abundante de energia renovável, isso favorece o processo”, explica o advogado. A tecnologia, ainda em fase de amadurecimento, permite armazenar e transportar energia, algo que outras fontes limpas ainda não oferecem com eficiência. “A grande diferença do hidrogênio verde é a possibilidade de ele ser armazenado e transportado”, reforça.
A energia excedente solar, por exemplo, pode ser utilizada para produzir hidrogênio durante os horários de pico de radiação, servindo posteriormente à geração de combustíveis como o e-metanol (forma de metanol produzida a partir de fontes renováveis, como hidrogênio verde e carbono reciclado).
O coordenador de pós-graduação em tecnologias energéticas e nucleares da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Emmanuel Dutra, enxerga uma grande oportunidade de mercado nesse setor. “Há demanda de metanol puro por uma rota fóssil, mas há oportunidade de produzir por uma rota baseada em produtos renováveis. E aí surge o e-metanol, com a produção de metanol por fontes renováveis. Para produzi-lo, você precisa de hidrogênio, CO ou monóxido de carbono”, explica.
A maturidade tecnológica ainda é um obstáculo. O etanol, por exemplo, já atinge o nível 9 na escala de desenvolvimento (Technology Readiness Level – TRL), enquanto o e-metanol está entre os níveis 6 e 7. Dutra defende o fortalecimento da pesquisa e inovação para desenvolver essas rotas alternativas. “A produção dela ainda necessita do que chamamos de PDI: pesquisa, desenvolvimento e inovação. Com esse projeto, você consegue trabalhar nos gargalos tecnológicos, de processos, para reduzir preços e dar competitividade ao produto de interesse. Foi assim com vários biocombustíveis produzidos.”
Nordeste
Se o Brasil já se destaca na produção de energia limpa, o Nordeste ocupa uma posição de vanguarda. A região tem se consolidado como principal polo de geração solar e eólica do País.
“O Nordeste, sem dúvida, tem um protagonismo que é único neste processo de transição energética no país pelos recursos naturais abundantes, que favorecem a produção eólica e fotovoltaica, levando energia limpa e renovável para outras regiões do país”, afirma o Ministro de Minas e Energia (MME), Alexandre Silveira.
De acordo com dados do Sistema de Informações de Geração (SIGA) e do painel de Geração Distribuída da ANEEL, a região detém 92,9% da capacidade instalada eólica, 51,2% da solar fotovoltaica centralizada e 21,6% da solar fotovoltaica na geração distribuída, consolidando-se como um importante polo gerador e exportador de energia limpa. “O Nordeste é importante não apenas pelas fontes eólica, solar e hidrelétrica, mas pelo grande potencial para a produção de hidrogênio de baixa emissão de carbono, podendo atrair indústrias que buscam descarbonização com energia limpa e hidrogênio. Ou seja, uma região extremamente importante para o nosso país”, complementa.
Os investimentos no setor vêm gerando empregos e fortalecendo a economia regional. “A possibilidade da autonomia do Nordeste em relação à sua própria energia e de exportação representa desenvolvimento sustentável, traz empregos e movimenta a economia do Nordeste que é o nosso carro chefe em relação a esse tipo de energia no Brasil”, ressalta Kfuri.
O Nordeste também tem se destacado na produção de biocombustíveis líquidos e gasosos. O etanol e o biodiesel, frutos de políticas públicas iniciadas ainda nos anos 1970, compõem um importante esforço nacional de descarbonização. Dutra lembra que programas como o RenovaBio e o Combustível do Futuro vêm promovendo o aumento das misturas obrigatórias e estimulando a produção de biogás e e-metanol.
Protagonista
O presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool no Estado de Pernambuco (Sindaçúcar-PE), Renato Cunha, lembra que, na transição energética, o Brasil tem sido protagonista, usando fontes absolutamente renováveis e criando um marco regulatório que envolve a figura do ciclo de vida nos produtos utilizados nessa transição.
“Não adianta um automóvel elétrico que use uma fonte de energia que tem origem, por exemplo, no carvão e em fontes que são de natureza fóssil e poluidoras. O ciclo de vida deve ser sempre medido, até porque existem, por exemplo, os descartes da bateria dos automóveis, isso quando a gente está falando na transição energética no setor de veículos”, lembra ele.
Desafios
Enquanto o Brasil apresenta vantagens comparativas naturais, o mundo segue mobilizado. A Alemanha aposta fortemente em fontes limpas com o programa Energiewende. A Dinamarca, pioneira em energia eólica, já produz mais eletricidade do que consome a partir dos ventos. A China lidera os investimentos em energia solar e eólica, além de dominar o mercado de exportação de tecnologias limpas.
Os obstáculos para a transição, no entanto, são compartilhados. A infraestrutura ainda precisa ser adaptada, o financiamento precisa ser acessível. A crescente demanda por minerais estratégicos, como lítio e cobalto, para baterias e tecnologias renováveis também introduz novos riscos geopolíticos. Para Felipe Kfuri, a transição energética precisa estar alinhada com os compromissos climáticos internacionais e com as metas do Acordo de Paris.
“A transição energética é fundamental e tem que ser realizada. O Brasil pode ser um líder nessa discussão. Temos a COP30 e esse tema vai ser amplamente discutido para que a transição esteja alinhada com as políticas climáticas globais para que os países consigam atingir seus compromissos”, pontua.
O futuro, portanto, passa inevitavelmente pela transformação da matriz energética. Com recursos naturais abundantes, base tecnológica sólida e políticas públicas já consolidadas em parte do setor, o Brasil tem a chance de não apenas acompanhar a nova revolução energética, mas liderá-la.

