Sabe aquele cafezinho? Nos EUA, ele deve ficar ainda mais caro após tarifas de Trump sobre o Brasil
Em 2024, pais foi responsável pela exportação de mais de 8,1 milhões de sacas aos EUA
Tomar uma dose diária de cafeína pode ficar mais caro. O plano do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de impor uma tarifa de 50% sobre todas as importações do Brasil a partir do próximo mês deve elevar o preço do café, seja ele servido em cafeterias ou preparado em casa.
Essa tarifa aumentaria ainda mais a pressão sobre a indústria do café, já que os preços da commodity atingiram picos globais neste ano. Secas no Brasil e no Vietnã — dois dos maiores exportadores de café para os EUA — resultaram em colheitas menores nas últimas safras, elevando os preços.
Os consumidores americanos já estão pagando mais no supermercado. No fim de maio, o preço médio de 450 gramas de café torrado e moído nos Estados Unidos era de US$ 7,93, valor acima dos US$ 5,99 no mesmo período do ano passado, segundo o Departamento de Estatísticas do Trabalho dos EUA.
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A promessa de Trump de aplicar tarifas sobre as importações brasileiras é, em parte, uma retaliação ao que ele considera uma “caça às bruxas” contra seu aliado político, o ex-presidente Jair Bolsonaro, que está sendo julgado por tentativa de golpe.
"Perda para todos"
Mais de 99% do café consumido nos EUA são importados da América do Sul, África e Ásia. No ano passado, o país importou 1,6 milhão de toneladas de café, tanto cru quanto torrado, de acordo com o Departamento de Agricultura dos EUA.
Em 2024, o Brasil foi responsável por mais de 8,1 milhões de sacas, cada uma com 60 quilos de café, que entraram nos Estados Unidos. Qualquer mudança repentina seria uma “situação de perda para todos”, disse Guilherme Morya, analista de café do Rabobank, com sede em São Paulo.
Segundo ele, os fornecedores brasileiros estão esperando para ver se alguma negociação os salvará da necessidade de encontrar compradores em outros países. Caso as novas tarifas de 50% entrem em vigor, "veremos uma reformulação no fluxo de café no mundo", disse Morya. "Especialmente do Brasil para outras regiões."
Se os custos no atacado — o que grandes redes de restaurantes e supermercados pagam — subirem 10%, isso pode representar um aumento de cerca de US$ 0,25 no preço de uma xícara de café, segundo Ryan Cummings, chefe de gabinete do Instituto de Pesquisa de Política Econômica de Stanford.
Levará cerca de três meses após as tarifas entrarem em vigor para que os consumidores vejam preços mais altos nas lojas, disse ele.
Dificuldades
Grandes compradores de café, como a Starbucks, compram grãos do mundo todo e frequentemente assinam contratos com meses ou anos de antecedência, o que os protege, em parte, de choques imediatos nos preços. Ainda assim, alguns analistas afirmam que pode haver uma corrida, à medida que alguns clientes tentem mudar suas cadeias de suprimentos para evitar as tarifas sobre o café do Brasil.
— Com Trump aplicando essa estratégia tarifária de acertar a toupeira (Whac-a-Mole), isso vai causar a você, como fabricante de café, muita incerteza — afirmou Cummings.
Mas até mesmo mudar de fornecedor traz seus desafios. Se os fabricantes passarem a comprar mais do Vietnã, outro grande produtor de café, ficariam dependentes de uma produção menor.
Além da possível escassez em volume, a qualidade do café importado pelos EUA também pode mudar. Grande parte do café brasileiro é da variedade arábica, de qualidade superior ao tipo robusta, mais amargo, produzido principalmente no Vietnã e em outras partes da Ásia.
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Outros fornecedores dificilmente conseguiriam igualar o volume robusto do Brasil, inclusive o próprio Vietnã, que vem enfrentando queda recente na produção. No curto e médio prazo, o país não conseguiria suprir a demanda gerada pela redução das exportações brasileiras, segundo David Gantz, economista do Instituto Baker de Políticas Públicas da Universidade Rice.
No Brasil, “algumas exportações provavelmente cessarão completamente”, acrescentou Gantz. “Outras vão continuar, mas o consumidor acabará pagando mais caro.”
Produção limitada nos EUA
O café deve ser cultivado sob as condições certas. Ele cresce melhor em altitudes elevadas, em lugares com temperaturas tropicais e chuvas intensas. Nos Estados Unidos e seus territórios, isso se limita ao Havaí e Porto Rico.
No ano passado, os EUA produziram uma pequena fração do café consumido pelos americanos — 11.462 toneladas métricas — quase toda produzida no Havaí. O café havaiano é, em sua maioria, um produto especial e custa de duas a três vezes mais do que os grãos importados de alta qualidade.
Os custos de mão de obra no Havaí são muito mais altos, assim como os de commodities, como água e energia, portanto, há pouca chance de o estado conseguir produzir significativamente mais café para o mercado americano, mesmo que as tarifas elevem os custos dos concorrentes.
— Não conseguimos cultivar café suficiente — disse Shawn Steiman, proprietário da Coffea Consulting em Honolulu — O mercado de café do Havaí não está ligado à indústria global.
E os consumidores?
Alguns consumidores — especialmente aqueles que veem o café não como um luxo, mas como uma necessidade diária — podem simplesmente aceitar pagar um preço mais alto, enquanto outros podem optar por produtos de café mais baratos ou por outras bebidas com cafeína, como chá ou energéticos.
Os consumidores percebem quando o preço das bebidas à base de café sobe. Recentemente, a Starbucks começou a cobrar uma taxa fixa de R$ 0,80 se os clientes adicionarem um ou mais pumps de xaropes saborizados às suas bebidas. A empresa minimizou a mudança, afirmando que ela foi feita apenas para padronizar os preços em suas lojas e no aplicativo.
— Eles aumentaram os preços mesmo — disse Brandon Taylor, produtor de vídeo em Orlando, na Flórida.
Ele ficou insatisfeito quando seu pedido habitual de um café gelado pequeno com creme e xarope de caramelo subiu para US$ 5,35 por causa da nova cobrança de 80 centavos pelo xarope. Taylor cancelou o pedido:
— Não pretendo voltar — revelou.
Suco de laranja também será impactado
As tarifas também podem ameaçar outro item tradicional do café da manhã. Cerca de 90% do suco de laranja fresco e 55% do suco de laranja congelado importados pelos Estados Unidos vêm do Brasil, segundo dados do Departamento de Agricultura.
O Brasil também exporta grandes quantidades de polpa concentrada de laranja, que depois é transformada em suco. E a Flórida, um importante produtor nacional da fruta, tem enfrentado dificuldades recentes no cultivo, em parte devido a uma doença cítrica.
— Haveria um grande impacto para quem consome suco de laranja, porque a Flórida não conseguiria compensar essa falta — disse Gantz.

