Transferência de R$ 54 milhões para "banco fake" revelou engrenagem de fraude fiscal em SP
A movimentação da Smart Tax para fintech expõe elo-chave no esquema bilionário que envolve auditor fiscal e grandes varejistas
A professora aposentada Kimio Mizukami, de 73 anos, mãe do fiscal Artur Gomes da Silva Neto, preso na Operação Ícaro, é sócia de duas empresas investigadas por movimentação financeira suspeita. Uma delas, a Smart Tax, é apontada pelo MP-SP como uma empresa de fachada para o recebimento de propinas.
A outra, o Dac Bank — que se apresentava como banco, mas era uma fintech — recebeu cerca de R$ 54 milhões da Smart Tax em transações suspeitas, indicando um possível esquema de lavagem de dinheiro.
A informação foi revelada pelo Metrópoles e confirmada pelo Globo. Apesar de ter a aparência e a publicidade de uma instituição bancária, a empresa não possuía autorização do Banco Central (BC) para atuar como tal. De acordo com as investigações, a empresa movimentou uma quantia milionária ligada ao esquema de corrupção do qual o fiscal é suspeito de participar.
A transferência de R$ 54 milhões da empresa Smart Tax para a fintech, entre julho de 2023 e agosto de 2024, foi um dos principais movimentos financeiros que ajudaram o MP a rastrear o esquema bilionário de corrupção na Secretaria da Fazenda de São Paulo.
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O repasse, segundo os investigadores, é parte da engrenagem que sustentava o desvio de recursos em troca de benefícios fiscais a grandes empresas, tendo como figura central o auditor fiscal Artur Gomes da Silva Neto.
A partir do crescimento "absurdo" do patrimônio da professora de 73 anos, o MP identificou um mecanismo estruturado para favorecer empresas do setor varejista em troca de vantagens tributárias indevidas. Em 2021, a declaração de Imposto de Renda de Kimio registrava R$ 411 mil. No ano seguinte, o valor subiu para R$ 46 milhões. Em 2023, chegou a R$ 2 bilhões.
Capital social bilionário com títulos falsos
A Dac Bank, que mudou de nome no início do mês e hoje se chama “Visão Suporte Administrativo”, teve seu site retirado do ar na última quinta-feira (14), após a Operação Ícaro. A página da fintech, que havia sido renomeada para “Dac Pay”, oferecia serviços de gerenciamento financeiro para empresas com a promessa de “conta digital completa, crédito flexível e ferramentas que simplificam sua gestão”.
Documentos da Junta Comercial de São Paulo mostram que Kimio Mizukami da Silva consta como sócia do Dac Bank ao lado de outros três parceiros, enquanto Artur Gomes da Silva Neto é listado como administrador da empresa, que foi aberta em 2023. Promotores apontam que o fiscal utilizava sua mãe como “laranja” para o esquema.
Outro ponto de fraude descoberto pelo MP foi a integralização do capital social da Dac. No valor de mais de R$ 3,4 bilhões, o capital foi supostamente integralizado com títulos do extinto Banco do Estado de Santa Catarina (Besc), que deixou de existir há mais de uma década, e com a cessão de direito de crédito de um cartório em Monte Sião, Minas Gerais.
O MPSP afirma que esse arranjo foi criado para dar aparência de solidez à empresa e ocultar o caráter fraudulento das movimentações.
Papel de Celso Éder Gonzaga
Segundo o MP, essa movimentação financeira vultosa é um forte indício de que a fintech estava sendo utilizada para a lavagem de dinheiro, uma manobra ativa que contava com a participação de Celso Eder Gonzaga de Araujo, descrito nos documentos como um “notório estelionatário” e sócio da Dac.
Celso é apontado como um dos principais articuladores do esquema, e já foi condenado em outros processos por estelionato e conhecido no submundo financeiro. Ele também aparece como sócio da Dac e seria responsável por dispersar os recursos provenientes da Smart Tax em contas de terceiros, ampliando as camadas da lavagem.
Para os promotores do Gedec (Grupo de Combate ao Cartel e à Lavagem de Dinheiro), a triangulação entre Artur, sua mãe e Celso formava o núcleo do esquema.
Tendência em crimes financeiros
O caso do Dac Bank remonta a uma tendência observada por autoridades financeiras: o uso crescente de fintechs de fachada para lavar dinheiro de corrupção, sonegação e até de facções criminosas, como já apontado em investigações sobre o PCC.
Ao se aproveitar do discurso de inovação tecnológica e da ausência de regulação mais rígida, empresas desse tipo conseguem movimentar milhões sob a aparência de modernidade e eficiência no mercado financeiro.
No caso de Artur Gomes, o falso banco e a consultoria em nome da mãe foram as engrenagens do esquema que movimentou dezenas de milhões de reais até ser desmontado pelo Ministério Público.

