Bicampeão mundial de surfe, Filipe Toledo volta ao Brasil após 11 anos nos EUA e fixa base no Rio
Em entrevista exclusiva, surfista de 30 anos abre sua nova casa no Itanhangá ao Globo, detalha a mudança, desafios familiares e planos futuros: "Quero muito uma medalha olímpica"
A casa é ampla, moderna e silenciosa, cercada pelo verde da encosta do Itanhangá. Num canto, o som da piscina mistura-se ao barulho de ferramentas que ditam os últimos ajustes da mudança. É neste cenário de recomeço que Filipe Toledo, aos 30 anos, bicampeão mundial de surfe, recebeu o Globo em sua nova morada, no bairro da Zona Sudoeste do Rio de Janeiro, para contar sobre seu retorno definitivo ao Brasil após 11 anos na Califórnia.
O surfista desembarcou com a família recentemente no país e, nesse período, já encarou duas mudanças consecutivas — a primeira casa não apresentou condições estruturais, e ele precisou sair às pressas. Agora, instalado no novo endereço, diz que, enfim, sente “a vibração de lar”, mesmo diante da inevitável bagunça.
A volta não foi por impulso. Filipe sentiu que o ciclo americano havia chegado ao fim. Foi lá onde amadureceu, construiu família e alcançou seus dois títulos mundiais. Mas havia algo faltando: estar perto da cultura que o formou e da energia que, segundo ele, sempre o impulsionou:
"Era hora de voltar. Senti falta de ser brasileiro", disse o pai de Mahina (7 anos), Koa (6 anos) e do caçula Zain, que nasceu em setembro deste ano, frutos do casamento com a cantora Ananda Marçal.
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Fim de ciclo fora
A mudança para os EUA nunca foi pensada como definitiva. Filipe recorda que, à época, a família enxergava ali um conjunto de oportunidades: desenvolvimento profissional, proximidade com patrocinadores, portas abertas para estudo dos irmãos e melhores condições de trabalho para seus pais.
"Saímos do Brasil nunca com aquela ideia de que ficaríamos para sempre nos Estados Unidos", destacou.
A nova vida não demorou a render frutos. Em pouco tempo, Filipe estreitou relações com marcas, aprendeu a navegar no ambiente midiático internacional e consolidou-se como um dos protagonistas da elite do surfe. Foi nas ondas de Trestles, seu “quintal”, que vieram os títulos de 2022 e 2023.
"Conquistei tudo o que tinha como objetivo. Foi um ciclo muito bom, em que me aproximei dos meus patrocinadores, fortaleci vínculos, construí uma família e alcancei meus sonhos", comentou.
Filipe também lembrou do período em que se afastou do mar devido ao ritmo intenso. Do bicampeonato mundial a um início difícil no Tour em 2024, o surfista tomou uma decisão rara para um atleta no auge: deu uma pausa na carreira para cuidar da saúde mental.
"Não foi uma recaída; foi prevenção. Eu precisava de mais tempo para me recuperar. Eu quis parar antes que piorasse a situação", recordou.
A pausa funcionou. Filipe voltou em 2025 mais leve, venceu uma etapa e terminou o ano entre os dez melhores do mundo.
Desembarque na terra natal
O retorno ao Brasil foi a soma de vários fatores, mas um sentimento se impôs: saudade da própria identidade. Para ele, era preciso reduzir a distância emocional que mantinha com os fãs, a imprensa e a cultura que sempre o inspiraram. A vida americana oferecia estabilidade, mas também isolamento. Ao chegar ao Rio, disse ter reencontrado um tipo de vibração que não sentia há anos.
"Aqui é tudo mais vivo, mais caloroso. As coisas acontecem", conta. Nos EUA, segundo ele, a rotina era distante e silenciosa: "Sempre havia um impasse para fazer entrevistas presenciais, estar perto dos fãs… Aqui é diferente", complementou.
O reencontro também tem um componente familiar. Mahina e Koa, que concluíram o ano letivo no meio do ano nos EUA, chegaram ao Brasil em férias e enfrentam a adaptação com surpreendente maturidade.
"São nota mil. Ajudam, não reclamam", enfatizou.
O caçula Zain vive sua primeira grande mudança, cercado pela ajuda de babás e da mãe Ananda, que atravessa o pós-parto em meio ao turbilhão.
Um paulista na "onda" carioca
A escolha pelo Rio envolveu logística e sensação. A proximidade com o aeroporto, a facilidade para viagens internacionais, a oferta de escolas bilíngues e a estrutura da cidade pesaram. Mas houve também um componente emocional: reencontrar o clima da infância. Ao ver a área externa da nova casa, conta que teve um déjà-vu imediato.
"Eu cresci assim, no pé do morro, com muito passarinho, muito bicho… Isso aqui me remete muito à minha infância", disse o surfista, que nasceu em Ubatuba, no litoral de São Paulo.
Itanhangá tem origem tupi e significa “pedra onde vive o espírito”. O local possui muitos morros e áreas de encosta, fazendo parte do Maciço da Tijuca. A área externa — piscina, jardim e árvores — virou seu canto favorito. É ali que treina sob o sol e brinca com os cães. Apesar do trabalho que toda mudança gera, Filipe já estabeleceu o mínimo necessário para a vida de atleta funcionar: cozinha ativa, lavanderia em dia, rotina das crianças organizada e, claro, treino físico.
Com o treinador Raphael Romano a poucos minutos de casa, afirma estar pronto para uma pré-temporada mais detalhada do que nos anos anteriores. O surfe, por ora, entra nas brechas da rotina. Quando o mar não ajuda, resolve pendências domésticas; quando ajuda, corre para a água.
Ao testar São Conrado, Barra da Tijuca e outros picos, notou algo que acredita que fará diferença em seu estilo competitivo: a imprevisibilidade das ondas brasileiras.
"Aqui a onda é rápida, a manobra é explosiva, não dá para esperar muito. Sempre fui imprevisível, então isso me faz bem", analisa Filipe, campeão da etapa de 2015 do Rio Pro disputada no Postinho, na Barra.
Empreendimentos e planos para o futuro
Aos 30 anos, Filipe está distante da aposentadoria, mas já pensa nela. Planeja o pós-carreira com cuidado. Nos últimos anos, expandiu sua atuação empresarial: é sócio da Let’s Poke, da piscina de ondas Beyond The Club e mantém negócios como a Paçokin, empresa de paçoca nos EUA. Competitivamente, segue ambicioso, mas menos refém das expectativas externas.
"Quero ser campeão de novo, claro. Mas não quero esse compromisso de 'se não ganhar, mancha o legado'. Título é consequência do trabalho. Quero muito uma medalha olímpica", frisou.
No meio das últimas caixas ainda fechadas, Filipe revisita mentalmente os momentos que empacotou. A despedida da Califórnia foi carregada de simbolismo: foram 11 anos que atravessaram sua juventude e o transformaram no atleta — e no pai — que é hoje.
"Foram muitos momentos marcantes: os nascimentos dos meus filhos, os primeiros dias, os títulos, as comemorações com minha família...", afirmou.
Quando questionado sobre o que diria ao Filipe de 18 anos que embarcou rumo aos EUA, não hesitou:
"Que valeu a pena. Tudo valeu a pena", disse.

