Talentos se perdem na transição futsal-campo
Jovens que começam no salão despontam no campo, mas muitos se complicam no meio dessa travessia
Jovens talentos são descobertos no futsal. Em Pernambuco, a modalidade já foi potência, mas hoje vive longe dos holofotes. A realidade nas quadras é dura, mas muitos garotos se destacam nos primeiros passos em busca do sonho de virar jogador profissional e conseguem despontar. O Trio de Ferro do estado tem tradição no futebol de salão, inclusive é um grande revelador de atletas.
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A reportagem da Folha de Pernambuco apurou alguns nomes que foram promovidos na carreira após brilhar no Recife. A lista conta com Raniel (Cruzeiro), Otávio (Porto/POR), Evandro (Udinese/ITA), Douglas Baggio (Flamengo), Rômulo (Bahia), Lucas Coutinho (New York Cosmos/EUA), Nininho (Santa Cruz), Odilávio (Náutico), João Ananias (Santa Cruz), Robinho (Náutico), Pequeno (Santa Cruz), Izaldo (Anápolis), Renato (ex-Guarani) e Liniker (Ferroviário/CE).
A mudança para o campo é o maior desafio que a garotada encara. Técnico de três categorias das divisões de base do Sport (sub-13, sub-15 e sub-17), Vanildo Campos, mais conhecido como Neto, sente uma impaciência dos clubes durante o processo de adaptação da quadra para os gramados. Por outro lado, os rubro-negros têm feito um trabalho específico nesse quesito. Não é à toa que os três principais jogadores da categoria juvenil são oriundos do futsal.
“Acredito que a transição está falha. É uma via de uma mão só. Vejo que apenas o campo quer o menino. Acaba sendo uma barriga de aluguel (o futsal). No Sport, tentamos fazer um acordo para que o campo ajude o futsal a fomentar a gente e o salão contribua na revelação de atletas, mas são modalidades diferentes. Os times precisam entender que é preciso trabalhar os garotos nessa transformação”, afirma o treinador, que já dirigiu os três grandes da capital no futebol de salão e hoje comanda os colégios São Luís, Equipe e BJ.
Atualmente no futsal do Santa Cruz, o experiente técnico Francisco Rocha, o “Chico”, demonstra preocupação com a crise da modalidade. “Hoje, o interesse maior dos meninos é pelo campo. Muitos deles estão entrando com 13 anos de idade e acabam deixando o trabalho de base que tinha antes no salão. Estamos passando por uma safra complicada e ficando com poucos atletas”, comenta o profissional que carrega uma bagagem de mais de 41 anos no esporte.
Comandante de quatro categorias (do sub-6 ao sub-9) no salão do Náutico, Thiago Sales percebe uma falta de valorização dos clubes. “A grande dificuldade da transição do futsal para o campo está nos projetos dos times, que não aceitam que a modalidade seja o trampolim. Trabalhamos com toda a iniciação e inserimos os atletas dentro do contexto bola, mas não enxergam isso. É inegável que grandes jogadores são oriundos do futsal”, lamenta.
Revelado pelo Santa e atuando no Porto/POR, o meia Otávio iniciou a sua trajetória no futsal aos sete anos. Do Cabo Branco, de João Pessoa, foi para a Cobra Coral. Como morava na Paraíba, tinha que se deslocar quase todos os dias até o Recife para treinar. Quando completou 13 anos, recebeu oportunidades no campo. Na temporada seguinte, fez um teste nas categorias inferiores do Internacional e ficou em Porto Alegre, onde se profissionalizou e depois saiu do Brasil.
“Futsal na formação é sempre complicado porque ninguém acredita muito e acaba não valorizando o esporte. Mas no Recife, principalmente no Santa Cruz, vi muitos jogadores que teriam sucesso e acabaram perdendo a carreira por falta de apoio e de incentivo. Espero que isso mude e possa melhorar nessa parte”, ressalta o jogador de 22 anos.
Formado na base do Timbu, João Ananias começou a trilhar sua carreira nas quadras do colégio Santa Emília, em Olinda. Bolsista à época, foi convidado pelo técnico Barão para defender o Tricolor. Aos 15 anos, se transferiu para o Náutico, responsável pela transição para o campo e assinatura do primeiro contrato profissional. Hoje, veste a camisa do Santa Cruz.
“Faltam muitas coisas no futsal pernambucano. No meu tempo já era complicado, imagina agora que não é tão repercutido. A modalidade está escassa. A divulgação é pouca. Não sei o que deve ser feito para levantar, mas por aí afora o esporte é grande. Aqui no estado decaiu. Espero que as autoridades acordem e vejam que muita gente que não tem condição de jogar campo quer atuar no futsal para ganhar dinheiro”, opina.
Companheiro de Ananias tanto no futsal como no campo do Tricolor do Arruda, Nininho inspirou o filho de apenas sete anos, Saulinho, a seguir seus passos, que o acompanha no sub-7 alvirrubro.
“Meu filho com quatro anos entrou na escolinha do Santa Cruz. Depois ele subiu para a equipe sub-7 quando tinha cinco anos. Em 2017, foi para o Náutico, com o técnico Thiago (Sales). Pra mim é muito gratificante. Não é que ele foi colocado porque eu queria, vi que ele gosta, tem um dom também e todos falam do seu potencial. Torço para que siga o caminho, mas que seja da vontade dele. Quero que chegue onde eu cheguei”, confessa o atleta do Red Bull Brasil/SP.
Mesmo diante de tantas adversidades, a garotada ganha visibilidade na quadra e trilha o caminho do futebol profissional. Quando não tem sucesso no campo, vira ídolo no salão e segue atuando na categoria com muito amor e paixão.

