A era do Soft Power caducou
Por caminhos enviesados estamos vivendo um momento de exacerbação do debate sobre o papel de militares na vida do país e os temas defesa e segurança
nacionais.
Acredito que atitude colaborativa de pensadores na análise desses assuntos é essencial para a sobrevivência da sociedade brasileira.
É fato inconteste que não somos uma nação acostumada a tratar dessas questões. Não as sentimos na pele.
É reflexo histórico de anos sem conflitos externos que pudessem impactar cada família em sua rotina focada na sobrevivência diária.
Esse destino de ser um país pacífico por natureza também influenciou as lideranças nacionais, ao longo de anos, a não aprofundarem, com a devida importância e senso de responsabilidade, o estudo sobre questões como orçamento, mobilização, serviço militar, desdobramento, efetivo, equipamento e intercâmbio diplomático.
O vácuo de interesse levou à ribalta os próprios militares no papel de promotores da discussão, o que, embora compreensível, fugiu dos parâmetros de democracias modernas e antenadas diante dos desafios que se fazem presentes.
Algumas instituições vêm destinando energia e recursos para oferecer linhas de pesquisas a estudiosos com o intuito de criar uma massa de conhecimento compatível com a estatura de nosso país.
Todavia, percebe-se um desvio de finalidade quando parte desses trabalhos visam a apreciar questões mais políticas e ideológicas do que estratégicas e operacionais.
O general Fernando Soares, chefe do Estado-Maior do Exército, ilumina que priorizar defesa é dever de honra dos decisores civis e militares.
A sociedade brasileira, para ter autonomia decisória e efetiva liberdade de ação, precisa estar preparada física e emocionalmente para o enfrentamento dos antagonismos.
Em um exercício simplório de imaginação, se o Estado brasileiro decidisse não explorar as reservas de petróleo para fazê-lo mais adiante, ou aliar-se a uma potência específica em detrimento de outra, que poder de dissuasão apresentaria para evitar um conflito?
Um pouco mais, se quisesse negar acesso a áreas de nosso interesse ou influência, proteger o transporte de nossas riquezas, impedir o uso do espaço aéreo em nome da nossa segurança, quais instrumentos de força ele possuiria para fazer valer sua vontade?
A era do Soft Power parece ter caducado. O fim da história foi apenas ponto de partida para nova história.
Os quinhentos dias de guerra na Ucrânia são uma prova dolorida dessa assertiva. O conflito rasgou o véu do santo sepulcro guardião da tolerância que supostamente reinava entre nações.
A mudança do cenário global nos últimos anos, com o aumento das disputas entre os Estados Unidos e a China alcançando os quatro cantos do planeta, a guerra cibernética indiscriminada e passível de uso por pessoas ou grupos não estatais e as questões ambientais assumindo protagonismo nas relações entre países são alguns dos destaques que não deixam dúvida quanto às ações requeridas por nosso país na antecipação do contencioso.
Enquadrados no princípio acadêmico do controle civil objetivo defendido por Huntington, militares têm três funções claras nesse processo: apontar suas necessidades, assessorar sobre linhas de ação possíveis e executar a proposta política em nome da nação.
Atendendo às funções de apontar e assessorar, as Forças Armadas brasileiras defenderam recentemente a importância de alguns projetos estratégicos para a segurança do país.
O presidente da República, convencido da relevância da requisição, destinou cerca de 53 bilhões de reais em ações do PAC para investimentos no caça Gripen, no programa de submarinos (PROSUB), no sistema de mísseis Astros, na nova família de blindados, no sistema de vigilância de fronteiras (SISFRON) e na recomposição da frota de helicópteros.
Ressalve-se que esses projetos não nasceram agora. Perpassaram várias legislaturas. A manutenção da previsibilidade como compromisso de governo fortalece a área de defesa como instrumento do Estado.
Críticas sustentadas na racionalidade devem merecer atenção das instituições que respondem à sociedade e operam a seu nome. A discussão exige foco no objetivo maior de proteger o país. Essa é a missão de todos nós, fardados ou não.
A propósito, o Exército brasileiro comemorou, ontem (25.08.23), o Dia do Soldado. Como homenagem aos homens e mulheres herdeiros de Caxias, transcrevo parte do discurso motivador do general Tomás Paiva, comandante do Exército.
“Meus comandados! Guiados pelo espírito de servir à Pátria, vocês são os fiéis depositários da confiança dos brasileiros, que só foi obtida pela dedicação extrema ao cumprimento da missão constitucional e pelo absoluto respeito a princípios éticos e valores morais. Esse comportamento coletivo não se coaduna com eventuais desvios de conduta, que são repudiados e corrigidos, a exemplo do que sempre fez Caxias, o forjador do caráter militar brasileiro.”
Exército Brasileiro - mesmos valores, novos desafios!
*General de Divisão da Reserva
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