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A perda do estilo Art Déco

Levantamento da UFPE aponta que mais de 30 edificações com os traços imponentes e recheados de detalhes foram derrubadas no Recife nos últimos dez anos

ArcoverdeArcoverde - Foto: Reprodução/Wikipedia

 

Quando se puxa pela mente, a imagem parece surgir em preto e branco. Cenas da Europa dos anos 20, com o capricho que se fazia presente nas roupas, na música e nos perfumes. Mas a arquitetura também não deixava por menos. O estilo imponente e recheado de detalhes já podia ser visto desde as ruas, antes mesmo de adentrar as residências.

Bastava elevar os olhos para fachadas de formas geométricas mais retilíneas e quinas arredondadas. Quase cem anos depois, o formato batizado de Art Déco vem se perdendo. No Recife, um estudo da UFPE aponta que mais de 30 dessas edificações foram demolidas na última década.

Outras 685 permanecem de pé, travando uma silenciosa batalha contra a verticalização e o crescimento imobiliário. Dessas, apenas 11 são classificadas como Imóvel Especial de Preservação (IEP), impedindo a sua destruição. Os demais dependem unicamente da conscientização e interesse dos proprietários.

A falta de cultura de valorização é observada pela professora do departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFPE, Guilah Naslavsky. “Ainda se viaja milhares de quilômetros para admirar a arquitetura da Europa, mas se despreza aquilo que está bem do lado da nossa casa”, lamentou. As baixas mais acentuadas podem ser encontradas em bairros como a Madalena e Casa Amarela, ambos na Zona Norte do Recife.

Segundo ela, também se faz necessária uma legislação eficaz. “Caminhos que não apontem apenas para o interesse das grandes construtoras, mas que estimulem os proprietários, fortalecendo a preservação”, completou.

Ainda distante da realidade encontrada no Brasil, sobretudo no Estado, o distrito arquitetônico de Miami Beach, no Sul dos Estados Unidos, tornou-se símbolo de conservação. O local comporta o maior conjunto de arquitetura Art Déco do mundo, dispondo de 1,2 mil edificações, erguidos entre 1923 e 1943.

“As pessoas de lá carregam uma sensação de pertencimento, dispostas a preservar e torna-los ainda mais belos. As ruas, tomadas de beleza, tornaram-se extensão das suas casas”, destaca Naslavsky.

Os bons exemplos também aparecem do lado de cá do globo. A cidade de Campina Grande, na Paraíba, conserva cerca de 40 imóveis dentro do estilo, exibindo boas condições. Já Goiânia, no estado de Goiás, se tornou a primeira cidade do País com tombamento do Iphan acentuado pelas características Art Déco.

Para além das fachadas, os recursos do movimento também são encontrados no interior das edificações, trazendo, entre outros elementos, motivos florais, figuras indígenas e vitrais coloridos.

De acordo com a Secretaria de Planejamento Urbano do Recife, não existe indicativo de criação de lei para tratar de um estilo específico de arquitetura. Conforme a pasta, a legislação é aplicada com o objetivo de preservar os exemplares isolados de arquitetura significativa para o patrimônio histórico, artístico e cultural da cidade, sendo submetidos à análise de diversos órgãos.

O que aprender com Miami

Miami Beach, no Sul dos Estados Unidos, poderia sinalizar um caso raro de sucesso. Nem tanto. Para o arquiteto e mestre em desenvolvimento pela UFPE, Milton Botler, que visitou a famosa região turística, não há nada no local que não possa ser adotado em outros lugares do mundo. Por lá, o movimento artístico Art Déco surgiu em meados de 1925, tendo seu apogeu durante o período de crise econômica chamado de Grande Depressão. Foi quando os americanos se interessaram por uma arquitetura que ajudasse a levantar o ânimo do País. “Não se tratou apenas de reformar ou pintar, mas o agregar de valores, com o abraço da população”, explicou.

Botler lembra que, medidas de resgate, a exemplo da ocorrida em prédios da avenida Guararapes, no Centro do Recife (que também carregam inspiração Déco), não são suficientes quando não existe um plano consciente de conservação. “Não se trata de uma ação individual, mas que deve se consolidar o conjunto, impulsionando vida”, observou.

O distrito arquitetônico em Miami ganhou uma maior organização desde o final dos anos 1960, unindo sociedade e poder público. “Por aqui, conhecemos propostas que não ultrapassam, sequer, uma única gestão municipal”, ponderou o professor. Ele lembra bairros como Casa Amarela e Encruzilhada, que foram vítimas de abandono, sofreram com evasão, e perderam suas raízes. “No embalo do Centro, também poderiam ser alvo desse resgate” disse. 

O estilo Art Déco

Surgido um pouco antes do início da Primeira Guerra Mundial, o formato consegue fundir o elegante com o despojado, sendo oriundo da palavra francesa Décoratif, que remete a decoração. Está distribuído entre casas e edifícios nos bairros centrais e também na periferia. A beleza do passado segue como um convite à contemplação.

“O Art Déco passou por todos os segmentos da arte, desde a arquitetura até o mobiliário, vestuário e objetos. Foi chamado de Pré-modernismo, mas possui suas características próprias. Sua chegada ao Recife é fruto da localização estratégica e o grande atrativo turístico”, explica a arquiteta e arqueóloga Stela Barthel, autora do estudo e especialista que acompanha o tema há 20 anos.

As obras mais antigas foram construídas a partir de 1919, no bairro de São José. Já as mais novas, foram erguidas até 1961, na Várzea. Os elementos são reconhecíveis. Trazem balcões em concreto armado, bases sobre as janelas (chamadas de pestanas) e também as platibandas (estruturas que escondem o telhado). O estilo acolhedor do Art Déco não se limita ao Recife e também foi pulverizado no Interior do Estado.

Ao todo, 35 municípios das zonas da Mata Norte e Sul abrigam os imóveis. Os destaques em número de unidades ficam para as cidades de Aliança, Timbaúba e Água Preta. Passando para o Agreste, Garanhuns é a principal. Já no Sertão, é Triunfo que carrega mais construções.

Bem além das moradias, o Art Déco também conquistou preferência em polos de entretenimento como clubes, restaurantes e casas de jogos. É o caso do Cassino Americano - hoje bastante descaracterizado - na avenida Boa Viagem. O Cinema da Fundaj, no Derby, também carrega esta essência. Conforme estudo, o Recife era o primeiro ponto de parada para navios e aviões que vinham do continente europeu a caminho do Brasil.

“Desde 1927 havia transporte de passageiros através do Graff Zeppelin. Os grandes transatlânticos em direção ao Rio de Janeiro, que era a capital, antes paravam por aqui”, relembra Stela. A referência aos formosos navios se estendeu aos traçados náuticos presentes nas construções até hoje.

Um exemplo clássico está na avenida Rosa e Silva, nos Aflitos, na sede do Clube Náutico Capibaribe. O prédio recria um convés com janelas em escotilha, mastros e torres como proas.  Pelo menos cinco formatos podem ser encontrados na Capital, classificados como hibrido, mestiço, streamline, escalonado e afrancesado.

Alguns prédios ainda trazem vertentes piramidais (afunilados), com influência dos Astecas e Maias. Conhecido como polo de comércio e gastronomia na Zona Norte, o Mercado da Encruzilhada é um deles. No Centro, o prédio que abrigou o antigo Hotel Central, hoje Fórum Thomaz de Aquino traz as características. É também o molde adotado no Edifício Ouro Branco, na esquina das ruas Palma e Nova. Em comum a todos, o desgaste e desconhecimento das suas origens.

Edifício São Jorge - São José
Caminho para o tradicional Mercado de São José, a rua da praia abriga construção particular, carregando tons em azul e branco. O prédio fica na esquina com a travessa Arsenal da Guerra, onde funcionou o antigo Hotel da Praia. São quatro pavimentos, trazendo balcões em concreto armado cumprindo o papel de sacadas.

Clube Náutico Capibaribe - Aflitos
Quem trafega pela avenida Conselheiro Rosa e Silva, na Zona Norte, reconhece a beleza da construção. Independentemente das cores ou time que traz no coração, a sede do Náutico atrai os olhares. O exemplar recria um convés de navio. São janelas em escotilha, mastros e torres como proas.

Cinema da Fundação - Derby
Localizado na rua Henrique Dias, o edifício batizado de Ulisses Pernambucano abriga, além da sala de cinema, parte da memória e cultura do Estado. Foi ocupado pela Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) no início dos anos 80. Traz linhas retilíneas e tom de chumbo.

Fórum Thomaz de Aquino - Santo Antônio
O nome completo é extenso: Thomaz de Aquino Cyrillo Wanderley. A casa da Justiça, ocupa o número 593 da avenida Martins de Barros e tem muita história para contar. No passado, deu vida aos salões e apartamentos do Grande Hotel do Recife, considerado um dos mais luxuosos da Cidade. A fachada traz largas colunas, além de janelas mais estreitas e verticais. 

Edifício Ouro Branco - Santo Antônio
O edifício Ouro Branco - antigo edifício Gersa - fica localizado na esquina das ruas Nova e da Palma, na efervescência do comercio e serviços do Recife. A construção mistura diversas variantes do estilo Art Déco, com destaque para os ornamentos na sua parte interior.

Residência decorada - Torre
Não apenas edifícios, mas também casas singulares receberam influencia do estilo Art Déco. No bairro da Torre, na Zona Norte, a grande maioria já desapareceu. Um belo exemplo carrega um discreto tom verde musgo. A fachada traz um concreto plissado, platibanda escondendo o telhado e janelas em madeira de lei.

Agência Central dos Correios - Santo Antônio
Cravada entre a avenida Guararapes e a rua do Sol, tendo como vizinha ás aguas do rio Capibaribe. É neste cenário que se encontra a agência central dos Correios em Pernambuco. O prédio Art Déco foi construído em 1950. Traz um relógio no topo, com 4,5 metros de diâmetro, estando a 40 metros do chão.

Mercado da Encruzilhada - Zona Norte
As obras do Mercado da Encruzilhada foram iniciadas em março de 1924, sendo inaugurado em 18 de outubro do mesmo ano. Pequeno e não comportando a demanda, um novo prédio foi entregue em dezembro de 1950. Fica localizado na rua Dr. José Maria e traz formas geométricas retilíneas.

Antigo Quartel e Secretaria da Educação - Santo Antônio
O prédio luta para se manter de pé, exibindo condições precárias de conservação. Fica localizado no número 304 da rua Siqueira Campos e já serviu de quartel, sendo posteriormente sede da Secretaria Estadual de Educação. Atualmente, é utilizado pela Polícia Civil. Traz fachada escalonada e um traçado em vidro que se assemelha a cobogós.

Cassino Americano - Pina
A fachada robusta, com duas torres cilíndricas, chamam a atenção de quem circula pela orla do Pina, na Zona Sul do Recife. Inaugurado durante a Segunda Guerra Mundial, na década de 40, o prédio do Cassino Americano é um exemplo singular de Art Déco. Hoje abriga conhecido restaurante.

Miami Beach - Estados Unidos
O distrito de South Beach é o maior conjunto de arquitetura Art Déco do mundo. Dispõe de centenas de hotéis, apartamentos e outras estruturas erguidas entre 1923 e 1943. Os edifícios se caracterizam principalmente por estarem baseados na geometria elementar (cubos, esferas e linhas retas), com uma grande abundância ornamental.

 

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