Após pior ataque em Kiev desde julho, Rússia diz concordar com Trump que Ucrânia 'perdeu' a Crimeia
Bombardeio foi criticado por presidente americano, Donald Trump
Em meio à onda de pressão dos EUA para fechar um acordo de paz no Leste Europeu, o Kremlin deu um sinal de alinhamento com Washington nesta quinta-feira, ao anunciar que estava de acordo com o presidente Donald Trump sobre o reconhecimento da Crimeia, península tomada da Ucrânia em 2014, como território russo.
A declaração ocorre no mesmo dia em que Moscou lançou o pior ataque em 10 meses contra a capital ucraniana, Kiev, matando ao menos oito pessoas, o que forçou o presidente Volodymyr Zelensky a encerrar uma viagem à África do Sul às pressas.
O posicionamento do Kremlin foi apresentado pelo porta-voz Dmitri Peskov, principal mensageiro do líder russo, Vladimir Putin, durante sua coletiva de imprensa diária com jornalistas em Moscou. Peskov se referiu ao comentário feito por Trump no dia anterior, quando o republicano atacou Zelensky pela resistência do ucraniano em aceitar ceder território à Rússia — aspecto central da atual proposta de paz patrocinada por Washington —, e afirmou que a Crimeia já havia sido perdida há muito tempo.
— Isso está totalmente alinhado com a nossa visão e com o que temos dito há muito tempo — disse Peskov.
A declaração do porta-voz acontece na manhã seguinte ao pior ataque lançado por Moscou contra Kiev em 10 meses. A Força Aérea ucraniana disse ter identificado cerca de 70 mísseis, incluindo mísseis balísticos, e 145 drones no espaço aéreo do país entre a noite de quarta e a madrugada de quinta.
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O principal alvo foi a capital, onde ao menos oito pessoas morreram e em torno de 80 ficaram feridas. Explosões foram ouvidas por toda a noite, em uma parte do país que costuma ser mais segura por ter uma proteção aérea mais robusta.
Quando mísseis russos caíam, Anna Balamutova, uma deslocada da cidade oriental de Pavlograd, agarrou seus filhos, de 5 e 14 anos, e correu da casa onde vive no distrito de Sviatyshynsky, para se proteger — ela considera um milagre ter sobrevivido.
— Se vivêssemos mais longe, eu não teria conseguido lidar fisicamente com isso com duas crianças... Agarrá-las no meio da noite e fugir — disse a mulher de 36 anos. — Foi simplesmente um milagre termos sido salvos, porque o alarme disparou e saímos imediatamente.
O ataque, que o Ministério da Defesa da Ucrânia afirmou ter atingido alvos civis na capital, fez Zelensky encurtar uma viagem oficial à África do Sul. A Rússia afirmou que o bombardeio mirava a indústria de defesa ucraniana, o que foi rejeitado por Zelensky, que acusou a ação ampla de ser uma mensagem tanto para Kiev quanto para Washington.
— [A Rússia] também exerce pressão sobre os Estados Unidos. É outra razão que explica o ataque de hoje — disse o presidente ucraniano em entrevista coletiva em Pretória.
Em uma publicação nas redes sociais, Trump reagiu ao ataque massivo lançado pela Rússia, criticando Moscou pela ação, que julgou afastar os países de um acordo de paz.
"Eu não estou satisfeito com os ataques russos em Kiev. Desnecessários e em péssimo momento. Vladimir, PARE! 5.000 soldados [russos e ucranianos] estão morrendo por semana. Vamos CONCLUIR o Acordo de Paz!", escreveu Trump.
Aliados europeus também criticaram o ataque russo em meio às negociações. A chanceler da União Europeia, Kaja Kallas, afirmou que o bombardeio em larga escala mostra que Moscou é "o verdadeiro obstáculo" para a paz. O presidente francês, Emmanuel Macron, afirmou que Putin deveria "parar de mentir" sobre suas intenções em relação ao fim do conflito.
— Na Ucrânia, eles querem uma única resposta: o presidente Putin concorda com um cessar-fogo incondicional? — disse Macron.
A proposta de paz sobre a mesa de negociações neste momento foi apontada por analistas como pró-Rússia, ferindo a principal linha vermelha estabelecida por Zelensky. O vice-presidente americano, JD Vance, afirmou na quarta-feira que Washington apresentou a Moscou e Kiev um formato em que seria estabelecido um congelamento das linhas territoriais perto "de onde elas estão hoje" — o que para a Ucrânia representaria uma perda significativa de território. Vance ainda repetiu ameaças sobre os EUA abandonarem as conversas de paz se não houver progresso real.
Os detalhes delineados por Vance parecem estar em acordo com supostas exigências feitas por Putin ao enviado especial de Trump, Steve Witkoff, segundo fontes ouvidas pelo jornal Financial Times, que noticiou que o líder russo teria condicionado fim do avanço na Ucrânia a reconhecimento de anexação da Crimeia pelos EUA, além de outras exigências, como o compromisso de não incluir a Ucrânia na Otan.
Apesar da pressão em dobro, Zelensky tem resistido em aceitar a perda de território. O presidente já disse em diversas ocasiões que isso violaria a constituição ucraniana — além de ser uma concessão perigosa a um vizinho expansionista, que nenhuma vertente política do país aceitaria com facilidade. Em paralelo às pressões políticas, o presidente também tenta manter a coesão de suas tropas na luta contra o Exército russo.

