Sex, 19 de Dezembro

Logo Folha de Pernambuco
Opinião

As concubinas do rei de Wu

A ARTE DA GUERRA, um tratado militar escrito na antiga China, desvenda aspectos de estratégia e liderança e, ao longo dos séculos, manteve-se atualizado com as circunstâncias e o espírito do tempo. 

Sun Tzu conseguiu sistematizar em seus “treze momentos” (um ajuntamento de ideias que formavam capítulos) as características do combate, do terreno, bem como as facetas exigidas ao general para conduzir seus soldados com êxito.

Liderar é uma ciência.

O líder eficaz precisa atuar com equilíbrio emocional, ser determinado, resiliente, relacionar-se respeitosamente com subordinados e superiores, e conhecer cada detalhe da área de atuação em que empregará essas habilidades.

Já na introdução, a obra de Sun Tzu relata uma passagem que evolveu as concubinas do rei de Wu. Embora pitoresca, ela mostra com simplicidade primária como o general chinês compreendia e aplicava sua percepção de liderança para a arte da guerra.

O reinado de Wu se preparava para uma campanha contra impérios lindeiros e Sun Tzu procurou o soberano oferecendo seus serviços. Conhecendo os escritos e interessado em suas habilidades, o rei quis vê-lo pessoalmente para avaliá-lo.

Durante a entrevista, ele fez uma provocação ao experiente general.

- Adestrar homens fortes, disciplinados, inteligentes, prudentes, corajosos não é tão difícil.

- Você conseguiria transformar mulheres em guerreiras prontas para o exercício das armas?

Sun Tzu aceitou o desafio. 

O rei mandou que formassem dois grupos com cento e oitenta mulheres. Cada pelotão era liderado por suas concubinas preferidas.

- Eu te nomeio, Sun Tzu, general do reino de Wu. Esta é tua tropa. Quando pronta, quero avaliar a tua perícia.

O general assumiu o comando e dirigiu-se às mulheres. 

- Vocês estão agora sob as minhas ordens. 

Distribuiu o armamento e começou a treiná-las.

Explicou movimentos simples como: em frente, recuar, para direita, para a esquerda, alto, descansar. 
Perguntou-lhes se haviam compreendido as instruções. 

Desdenhosas e achando tratar-se de uma brincadeira responderam que haviam compreendido bem as tarefas.
Sun Tzu então começou a praticar o que fora treinado. As mulheres em estrondosa gargalhada, nada executavam. 

Sun Tzu lhes disse: 

- Pode ser que eu não tenha me explicado claramente. Repetirei as instruções de forma ainda mais clara.
Ele retomou o exercício, mas as mulheres continuavam zombando sem reagirem às ordens. 

Sun Tzu não se perturbou.

- Se eu não as instruísse bem ou vocês tivessem me dito que não compreenderam e mesmo assim eu prosseguisse, a falha seria minha. Falei claramente, mais de uma vez, e vocês consentiram que entenderam. Por que não obedeceram?

Como punição, Sun Tzu ordenou que fossem executadas as concubinas que estavam no comando de cada pelotão, aquelas favoritas do rei de Wu.

Informado dos acontecimentos, o rei despachou alguém em acelerado para proibir que Sun Tzu matasse as duas concubinas.

O general escutou o emissário e lhe contestou:

- Diga ao rei que um príncipe faz a lei, mas não pode dar ordens que aviltem a dignidade que reveste um general e seu comando. Elas me desobedeceram, elas serão sancionadas. Em seguida, pessoalmente, as executou.

Retomado o treinamento, as mulheres realizaram impecavelmente e sem nenhuma contestação todos os exercícios conforme lhes fora ensinado.

Sun Tzu, satisfeito, comunicou ao emissário do rei:

- Anuncie ao rei que suas mulheres estão prontas. Podem ir à guerra diante dos inimigos mais experimentados, enfrentar o perigo e até a morte certa.

Sun Tzu sabia que o general para angariar respeito do soberano precisava demonstrar firmeza de atitude e estofo moral.

Que a disciplina dos subordinados residia na confiança das ordens dadas pelo general e na certeza da punição se as infringissem.

E, por fim, que líderes intermediários ineptos deveriam ser prontamente substituídos.

O mestre chinês deixou claro que organizações, sejam de Estado, de Governo ou da Sociedade em geral, precisam ajustar-se a regras bem definidas de liderança, disciplina e organização.

Regras que, a qualquer tempo, não poderão ser cisalhadas por reis, por generais, por comandantes intermediários ou por soldados bisonhos, uniformizados ou não. 

É questão de sobrevivência do reino. Os bárbaros, de todos os impérios, estão a espreitar.

Paz e bem!



*General de Divisão da Reserva



- Os artigos publicados nesta seção não refletem necessariamente a opinião do jornal. Os textos para este espaço devem ser enviados para o e-mail [email protected] e passam por uma curadoria para possível publicação.

Veja também

Newsletter