Aspectos da Semana de Arte Moderna de 1922 - 100 anos (Parte 2)
Devemos comemorar a Semana de Arte Moderna de São Paulo. “Ela serviu para chamar a nossa atenção para o que se fazia por aqui naquela época, embora suas proposições teóricas fossem inconsequentes. Os grandes pintores da Semana, os grandes compositores - um Heitor Villa-Lobos, um Vicente do Rego Monteiro teriam sido o que foram independentemente de que a Semana tivesse existido ou não. E isso é válido para Manuel Bandeira, Joaquim Cardozo - todos conhecedores profundos da modernidade nas artes que se processavam no mundo a partir de Baudelaire, Lautréamont, Rimbaud, Mallarmé, Paul Valéry e tantos outros cuja presença na literatura mundial não é mero problema de influência, mas de compreensão de que uma estrutura integrada ao espírito da época é patrimônio de toda a Humanidade”.
O professor, escritor e pesquisador Lamartine Morais escrevera sobre a Semana: “Tudo começou com percursores do Modernismo Literário, em que a liberdade chegou à exaustão através de radicais imprudentes e inconsequentes. No século atual, um traço identificador da arte é a integração de várias manifestações da criatividade, artes plásticas, literatura, música, arquitetura e cinema. A vanguarda artística muito estimulou, no Brasil, a Semana de Arte Moderna, que marcou a arte contemporânea em nosso país. Aí, encontramos Mário de Andrade e Oswald de Andrade (na literatura), Heitor Villa-Lobos (na música), Emiliano Di Cavalcanti e Anita Malfatti (na pintura) e Victor Brecheret (na escultura), procurando implantar uma nova mentalidade artístico-cultural no país”.
Continua o professor Lamartine, comentando sobre alguns acontecimentos que precederam o Movimento de 22: “O jazz invadia os salões. Já na primeira década do século, o cubismo fazia as suas estrepolias. Os parisienses de 1907 conheceram a ousada tela de Pablo Picasso “Les Demoiselles d’Avignon” e disse o artista: “Eu não pinto uma mulher, eu pinto um quadro. Não vejo a natureza como ela é; ela é como eu a vejo”. O poeta Guillaume Apollinaire publica o livro “Peintres Cubistes, defendendo a nova tendência”. O poeta artista italiano Filippo Marinetti ao criar o futurismo afirmara que: “A arte deve estar em absoluta sintonia com a era das máquinas e das grandes massas agitadas pelo trabalho, pelo prazer e pela rebelião”, dizia ele.
Os poetas e os artistas futuristas, na verdade, escandalizaram o mundo literário com suas afirmações. Na Semana de Arte Moderna, o futurismo, sim, esteve presente, recebendo inúmeras críticas. Tanto Mário de Andrade como Oswald de Andrade admiravam o futurismo. Escrevera Lamartine que: “Oswald chegou a exclamar: Bendito este futurismo paulista que surge companheiro de jornada dos que aqui gastam os nervos e o coração na luta brutal, na luta americana, bandeirantemente”. O próprio Filippo Marinetti quando visitou o Brasil, em 1926, ao realizar um discurso no Teatro Cassino Antarctica, foi amplamente vaiado pelos presentes, não chegando a concluir o seu pronunciamento.
Outro movimento profundamente contestador foi o Dadaísmo, surgido em Zurique, em 1916. Tinha no Cabaret Voltaire - um cabaret literário - fundado por Hugo Ball e Emmy Hennings, o seu local de encontro entre Tristan Tzara, Marcel Jancso, Hans Arp, Hugo Ball, entre outros. Em um jornal local, surge uma notícia que despertara a atenção dos artistas: “O Cabaret Voltaire convida todos os artistas de Zurique para que compareçam com sugestões e contribuições, sem se preocupar com esta ou aquela orientação artística”.
Os artistas compareceram em massa e o Cabaret superlotou, e as manifestações foram surgindo espontaneamente. Richard Huelsenbeck e Hugo Ball descobriram a palavra Dadá, por acaso, em um dicionário francês-alemão, que significa “cavalo de pau”, e a palavra surgiu impressa pela primeira vez no Cabaret, em 15 de junho de 1916. Revelara o professor Lamartine que: “Os dadaístas tinham por objetivo levar ao público suas indignações, sua repulsa contra as atrocidades da Primeira Guerra Mundial”. Afirmava Hans Arp que: “Em Zurique, em 1915, quando perdemos o interesse nas carnificinas da guerra mundial, entregamo-nos às belas-artes. Enquanto ao longe troavam os canhões, nós cantávamos, pintávamos, colávamos e fazíamos poesia a mais não poder, pondo a alma inteira nisso”.
Logo depois, surgiria o Surrealismo, nascido em Paris, com André Breton, seu criador e líder do movimento. Entre os artistas mais destacados que trabalharam no movimento foram Salvador Dali, René Magritte, Joan Miró, Remedios Varo, Leonora Carrington e Frida Kahlo.
A Semana de Arte Moderna de 22, indubitavelmente, constituiu-se em um grande movimento artístico-literário, sendo lembrada e cultuada até os nossos dias.
Nota explicativa: Os trechos dos depoimentos e entrevistas dos escritores relacionados para enriquecer o texto (partes 1 e 2) foram colhidos na Revista Pasárgada, da casa de Manuel Bandeira, editada pela Companhia Editora de Pernambuco, cujo editor, na época, era o excelente Mário Hélio.
*Arquiteto, membro do CEHM, membro do Instituto Arqueológico e Professor Titular da UFPE
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