Seg, 08 de Dezembro

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Avanço na educação atenuaria futura epidemia de demência, diz cientista Eduardo Zimmer

Em entrevista ao GLOBO, professor da UFRGS fala de seu último estudo, que identificou a escolaridade como maior fator de risco para declínio cognitivo em idosos

Estudo mostrou a educação como calcanhar de Aquiles da saúde mental dos idosos do BrasilEstudo mostrou a educação como calcanhar de Aquiles da saúde mental dos idosos do Brasil - Foto: Freepik

Existem diversos fatores de risco por trás da perda de memória associadas à doença de Alzheimer e a outras demências. Um novo estudo, porém, mostra que no Brasil um fator tem peso maior: a escolaridade. A pesquisa, que mostra a educação como calcanhar de Aquiles da saúde mental dos idosos do país, foi coordenada pelo cientista gaúcho Eduardo Zimmer.

— A sua educação no início da vida, paradoxalmente, vai definir a sua saúde cerebral quando adulto — explica o pesquisador. Farmacólogo, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e bolsista do Instituto Serrapilheira, Zimmer foi pioneiro em usar inteligência artificial para fazer uma análise estatística desse cenário.

Segundo ele, o risco de declínio cognitivo agravado pela desigualdade educacional é mais visível no Brasil do que em países ricos e entre vizinhos sul-americanos. Em entrevista ao GLOBO, Zimmer explica o conceito de "reserva cognitiva" para uma saúde mental mais resiliente, e defende que seja usado na políticas na área.

— A ideia é evitar que no futuro a gente tenha uma epidemia não viral de demência no Brasil, como a gente teme que possa acontecer — diz.

Leia abaixo a entrevista.

Os fatores de risco para Alzheimer e demências já tinham sido mapeados num estudo internacional. Por que vocês acharam importante fazer um mapeamento só para Brasil?
Esse estudo internacional de 2024 é o artigo da comissão da revista Lancet, que leva em consideração a prevalência dos fatores de risco e destaca 14 fatores. Então, os fatores mais prevalentes acabam tendo um peso maior. Existe um outro estudo agora, coordenado pela Cleusa Ferri, que faz um mapeamento para esses 14 fatores de risco modificáveis aqui no Brasil.

Mas o nosso estudo de agora é outro trabalho com outra metodologia. Os resultados acabaram saindo diferentes porque gente não leva a prevalência em conta. (A ideia é avaliar o risco de cada fator no nível de indivíduo.)

De qualquer maneira, o que faz nosso estudo ser tão diferente dos outros é que a gente usa um modelo de aprendizado de máquina, de inteligência artificial. E nós perguntamos para esse modelo quais fatores que explicam declínio cognitivo e a perda de funcionalidade.

Nós usamos para isso dados epidemiológicos do Estudo Longitudinal da Saúde do Idoso (ELSI). A vantagem do modelo de aprendizado de máquina é que ele é completamente guiado por dados e consegue enxergar coisas que a gente, como pesquisador, não consegue enxergar a 'olho nu'. Se a gente procurar em tabela de excel, a gente não consegue ver o peso que a gente viu para a educação como o maior fator de risco para declínio cognitivo no Brasil. Isso é completamente inesperado quando comparado com dados clássicos da Europa, dos EUA e do norte global em geral.

Por que a educação pesa mais no risco para declínio cognitivo no Brasil?
Existem dois motivos. O primeiro motivo é que o Brasil é um país com uma desigualdade social muito grande. Tem lugares do país onde a maioria das pessoas têm acesso à educação e tem lugares onde quase ninguém tem acesso à educação. A gente avaliou 9.412 pessoas que têm diversos graus de educação, e com o ELSI a gente conseguiu ter essa granularidade, o detalhamento necessário para identificar o problema.

O segundo motivo é que, justamente pelo país ser tão desigual a gente consegue avaliar de uma maneira precisa, se os anos de educação estão associados ou não com declínio cognitivo.

Como a educação impacta a saúde mental além de impactar a sabedoria e a inteligência?
Existe uma base biológica muito interessante para isso, associada com o entendimento de o que educação faz no cérebro. O cérebro é um órgão que depende de estímulo. A ideia é que quanto mais a gente faz 'exercício' no cérebro, mais 'forte' ele fica. Existe um conceito chamado 'reserva cognitiva', que é o que a gente acredita que a educação dá para o cérebro.

Se eu preciso buscar uma memória, buscar uma informação em algum lugar do meu cérebro, isso acontece com os neurônios se conectando por meio das sinapses. De uma maneira bem simplificada, o neurônio A precisa buscar a informação no neurônio B, para poder fazer eu lembrar de alguma coisa. Numa pessoa que tem muitos anos de educação, o neurônio A pode chegar no neurônio B por diversos caminhos diferentes. Numa pessoa que tem pouca educação, ele só tem um caminho para chegar no neurônio B. Se ela perde esse caminho, não consegue chegar. Já a pessoa que estudou muito consegue chegar pelo outro caminho. O cérebro que estudou mais, então, tem muitas conexões a mais, que tornam ele mais resiliente, mais resistente a pequenos problemas.

Isso é uma notícia ruim para quem ja é idoso? A maior parte da nossa educação a gente adquire quando é jovem. Não é possível mitigar esse risco depois?
Isso é uma a pergunta que eu acho que a gente tem que responder o mais rapidamente possível. A educação formal, de quando a pessoa é criança ou adolescente, é fator de risco para a definição cognitiva na pessoa adulta, com mais de 50 anos. Será que se a gente criar, por exemplo, um programa para colocar pessoas com mais de 50 anos dentro da universidade, o cérebro dessas pessoas vai se beneficiar e vai ficar mais resistente à definição cognitiva? Será que um programa de educação de jovens e adultos (EJA) teria esse efeito?

E esse é um estudo que a gente quer muito fazer, e já estamos em contato com o Ministério da Educação para isso. A ideia é a gente testar se com isso a gente consegue proteger as pessoas mais para trás. Se isso mostrar efeito positivo, existe aí uma boa política pública para evitar declínio cognitivo, que é uma das características mais clássicas de demência na população.

O trabalho de vocês, de todo modo, também reforça a importância da educação na juventude.

Sim. A sua educação no início da vida, paradoxalmente, vai definir a sua saúde cerebral quando adulto. Investir em educação lá no início da vida, então, é uma junção entre tudo o que o Ministério da Educação e o Ministério da Saúde querem. Em termos de política pública, essas áreas que já são complementares, se cruzam ainda mais. Então, quando a gente pensa em política pública, vale a pena pensar como é que a gente vai fazer essas duas áreas conversarem, para a gente garantir que as nossas crianças, nossos adolescentes estejam na escola, para evitar que no futuro a gente tenha essa epidemia não viral de demência no Brasil, como a gente espera que pode acontecer.

O receio é que a quantidade de pessoas vivendo com demência triplique até 2050. Então, a gente precisa, de alguma maneira, encontrar uma estratégia para reduzir o risco e ter menos pessoas com demência no futuro.

Vocês avaliaram o risco de demência, ou só o sintoma de declínio cognitivo no estudo?
A gente não avaliou o risco para demência. O diagnóstico de demência envolve tanto perda de cognição quanto perda de funcionalidade, que é a limitação de não conseguir fazer as atividades no dia-a dia. No nosso estudo, a gente avaliou os dois separados.

O maior fator de risco para clínico cognitivo é a educação, e o maior fator de risco para perda de funcionalidade é a saúde mental no Brasil. São duas coisas diferentes, que juntas são as características mais clássicas da demência. Mas a gente não avaliou risco para demência, especificamente, no estudo.

O envelhecimento do perfil demográfico do Brasil vai impor mais desafios na saúde mental?
Sim. Nos últimos 10 ou 15 anos, o número de idosos no Brasil cresceu cerca de 60%. É muita coisa. Atualmente, a gente tem 40 milhões de brasileiros com mais de 60 anos. Então, é crucial que a gente consiga entender como a gente vai lidar com as doenças do cérebro que são associadas ao envelhecimento.

A gente está desenvolvendo um trabalho junto com o Ministério da Saúde para tentar entender o tamanho do problema. Um estudo com populações do norte global identificou, por exames de imagens cerebrais, que 25% dos idosos cognitivamente saudáveis e neurologicamente saudáveis, já receberam um exame de imagem positivo para o marcador da doença de Alzheimer. Se eles vão desenvolver ou não a doença de Alzheimer, na fase sintomática, a gente não tem certeza. Mas, eles têm um risco aumentado de desenvolver.

Se a gente transferir esse número para o Brasil, a gente estaria falando de 10 milhões de pessoas. Então, é urgente a gente entender tudo que a gente pode, saber quais são todos os fatores de risco modificáveis, entre eles a educação, para desenvolver mais políticas que vão tentar reduzir o número de idosos que vão ter declínio cognitivo.

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