Mulher espancada por secretário de Calumbi recebeu 40 pontos na face e fez cirurgia, diz irmão
Numeriano Luiz de Sá, conhecido como Nô Numeriano, tem 64 anos e é sargento reformado da Polícia Militar de Pernambuco. Vítima trata câncer no intestino desde 2021
"Com medo e com a sensação de perigo iminente". É assim que está a mulher de 45 anos espancada dentro de casa, no Recife, pelo marido, o secretário de Esportes e Lazer de Calumbi, Sertão de Pernambuco, Numeriano Luiz de Sá, dois dias após a tentativa de feminicídio.
A descrição foi feita pelo irmão da vítima em entrevista à Folha de Pernambuco. Ambos não serão identificados. A decisão pelo anonimato veio da família. O objetivo é "protegê-la e darmos a ela possibilidade de dar seguimento a sua vida sem ter, além do seu corpo e da sua mente, sua imagem marcada por essa violência", explicou o familiar.
Numeriano Luiz de Sá, conhecido como Nô Numeriano, tem 64 anos e é sargento reformado da Polícia Militar de Pernambuco. Ele foi preso em flagrante na terça-feira (9), e, após passar por audiência de custódia nessa quarta (10), teve prisão preventiva decretada e foi encaminhado para o Centro de Observação Criminológica e Triagem Professor Everardo Luna (Cotel), em Abreu e Lima, na Região Metropolitana do Recife (RMR). Ele nega as agressões.
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A vítima foi socorrida por vizinhos e levada para um hospital particular da capital pernambucana. Segundo o irmão, ela sofreu diversas lesões, e até precisou passar por cirurgia.
"Ela está destruída após essa tentativa de feminicídio que sofreu. Foram 40 pontos de suturas na face e outros pontos no crânio. Sente muitas dores no tórax e precisou passar por cirurgia para corrigir a fratura do nariz", afirmou.
Passados dois dias, como se recuperar de um crime tão bárbaro, vindo de uma pessoa tão próxima? Para o irmão, faltam palavras para descrever o momento que a vítima e a família estão passando.
"Ela está em estado de choque. Não esperava nem na possibilidade mais remota, que ele seria capaz de fazer o que fez. Não está conseguindo nem comer, nem dormir, nem caminhar de tão abalada emocionalmente. Com medo e com a sensação de perigo iminente", disse.
'Revolta'
Para a família, o sentimento é de "revolta", segundo o irmão. A vítima tem dois filhos do primeiro casamento, ambos já adultos. A notícia, claro, gerou bastante comoção entre todos.
"Os filhos receberam a notícia por telefone. Nós, familiares do Recife, informamos. Imediatamente vieram para amparar a mãe. Estão chocados e revoltados com toda a situação", destacou.
"Eu, enquanto irmão, o sentimento é de revolta absoluta, perplexidade por perceber que convivemos durante décadas com uma pessoa que não conhecíamos de fato, um monstro e um sentimento de confiança na justiça de que ele sofrerá as consequências legais/penais pela barbaridade do seu crime", completou.
Luta contra o câncer
O crime se torna ainda mais doloroso quando posto lado a lado com as dificuldades que a mulher já vinha enfrentando. Desde 2021 ela luta contra um câncer, que agora se encontra em fase de remissão - onde não há mais sinais visíveis da doença, mas não significa cura total, podendo haver risco de retorno.
"Ela descobriu, em 2021, um tumor no intestino. Em 2023 outro tumor foi detectado no fígado. Passou por cirurgias para retirada dos tumores e sessões de quimioterapia. Hoje ela faz acompanhamento a cada três meses e trata uma sequela decorrente do tratamento para o câncer, dores neuropáticas", explicou.
Medida protetiva
A advogada da vítima, Manuella Magalhães, entrou com pedido de medida protetiva de urgência para a vítima e seus familiares. Segundo o irmão, a decisão foi tomada "tendo em vista a influência política do réu e de sua família no município que os mesmos residem".
"Gritos de socorro"
Tudo aconteceu no apartamento da família, em um edifício no bairro de Santo Amaro, no Centro do Recife. Segundo um vizinho do casal, o jornalista Márcio Santos, de 38 anos, em entrevista à Folha de Pernambuco, a vizinhança começou a ouvir gritos e pedidos de socorro vindos da residência.
Ao chegar ao local, ele viu que a porta da cozinha estava entreaberta, e foi por lá que conseguiu entrar na residência e resgatar a vítima, que continuava sendo agredida.
"Entrei gritando e perguntando o que estava acontecendo. Foi quando a vítima estendeu a mão para mim e pediu socorro. Eu gritei, pedi para que ele [o suspeito] ficasse no local e retirei ela de lá", explicou.
Márcio também afirmou que, nesse momento, a vítima disse que o marido estava armado, pois era policial. "Por isso, fomos pela escada e não pelo elevador para não ficar esperando", afirmou.
No caminho, ele pediu para a equipe do prédio e outros moradores chamarem a polícia e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). De acordo com Márcio, a ambulância chegou apenas uma hora depois do chamado.
Após os primeiros socorros, a vítima foi encaminhada para um hospital particular do Recife.
A Polícia Civil de Pernambuco informou que investiga o caso como "tentativa de feminicídio" por meio da 1ª Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher.
A reportagem também entrou em contato com a Prefeitura de Calumbi. O prefeito da cidade, Joelson, informou que a gestão busca informações sobre o caso. Em breve, um pronunciamento oficial deverá ser feito.
Como denunciar casos de violência contra a mulher
Pernambuco é um dos estados com mais casos de violência contra a mulher no país. Em 2024, a Central de Atendimento à Mulher fez 31.030 atendimentos a pernambucanas, um aumento de 40,6% com relação ao ano anterior. Os dados são da Secretaria de Comunicação Social do governo federal.
Houve, ainda, um aumento de 16,3% no número de denúncias, passando de 3.963 em 2023 para 4.609 em 2024. Desses, 4.087 foram recebidas por telefone e 424, por WhatsApp.
Os dados apenas atestam uma realidade muito mais profunda de situações de violências vividas por mulheres dia após dia.
Para denúncias, a vítima pode fazer a ligação gratuita (ligue 180) de qualquer lugar do Brasil, 24 horas, todos os dias da semana (inclusive finais de semana e feriados).
Em casos de emergência, deve ser acionada a Polícia Militar, por meio do telefone 190.

