Carros vão ficar até R$ 18 mil mais caros para americanos com tarifaço de Trump
Comércio de veículos nos Estados Unidos é responsável por movimentar cerca de US$ 225 bilhões; setor de autopeças também deve ser impactado
As tarifas impostas pelo presidente Donald Trump contra o Canadá e o México devem ameaçar a produção das montadoras em toda a América do Norte. Como consequência, as marcas devem aumentar ainda mais os preços dos veículos. Uma consultoria calcula em um acréscimo médio de US$ 3 mil (cerca de R$ 18 mil) no valor dos carros zero nos EUA.
No sábado, Trump cumpriu a promessa de impor tarifas de 25% sobre as importações dos dois países vizinhos, atribuindo a medida ao fluxo de migrantes e drogas nas fronteiras dos EUA, além dos grandes déficits comerciais.
As tarifas entrarão em vigor às 0h01 de terça-feira, deixando menos de 48 horas para os fabricantes decidirem como agir.
— O setor automotivo vai parar em uma semana. Com 25%, absolutamente ninguém no nosso setor consegue lucrar, nem de longe — afirmou Flavio Volpe, presidente da Associação Canadense de Fabricantes de Peças Automotivas.
As tarifas atingiriam imediatamente quase 25% dos 16 milhões de veículos vendidos anualmente nos EUA, além das peças e componentes utilizados na fabricação — um mercado de importação que totalizou US$ 225 bilhões em 2024 (ou R$ 1,3 trilhão), segundo pesquisa da consultoria automotiva AlixPartners.
O estudo aponta que as tarifas adicionarão US$ 60 bilhões (cerca de R$ 350 bilhões) em custos para a indústria, grande parte dos quais provavelmente será repassada aos consumidores.
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Montadoras no México vêm se preparando ao importar antecipadamente mais componentes e veículos, o que pode amenizar o impacto nas primeiras semanas, disse Guillermo Rosales, presidente da Associação Mexicana de Distribuidores Automotivos (AMDA). No entanto, após esse período, o cenário é mais incerto.
— Tudo depende do rumo que o governo Trump tomar nessa questão — afirmou.
Os componentes de automóveis podem cruzar as fronteiras dos EUA até oito vezes durante a produção, acumulando tarifas sobre uma indústria complexa que depende de insumos dos três países.
Para os consumidores, o preço médio de um carro novo pode subir cerca de US$ 3 mil (quase R$ 18 mil), segundo analistas da Wolfe Research, tornando a compra ainda mais inacessível em um mercado já próximo de máximas históricas.
— O impacto será enorme. A questão é: quem vai absorver esse custo? Conseguiremos absorvê-lo ou ele será repassado ao consumidor final? — afirmou Aruna Anand, CEO da unidade norte-americana da fornecedora de peças Continental AG.
Cidade fantasma
Desde que Trump renegociou o acordo de livre comércio entre EUA, Canadá e México em seu primeiro mandato, as montadoras desses países passaram a cumprir exigências mais rigorosas para o uso de peças fabricadas na América do Norte, mas o comércio trilateral continuava sem tarifas. As novas tarifas do presidente desestabilizam esse acordo, que será revisado no próximo ano.
Para polos automotivos como Windsor, em Ontário, e Detroit, assim como vários estados no México, os efeitos devem ser imediatos.
— Estamos falando da perda de milhares e milhares de empregos. Windsor se tornaria uma verdadeira cidade fantasma se perdêssemos esse tipo de negócio — disse John D’Agnolo, presidente de um sindicato local que representa trabalhadores da fábrica de motores da Ford em Windsor.
O primeiro-ministro de Ontário, Doug Ford, alertou que mais de 500 mil empregos podem ser perdidos apenas na província mais populosa do Canadá, muitos deles no setor automotivo.
Especialistas do setor afirmam que garantir que cada peça de um veículo seja fabricada dentro da cadeia de suprimentos dos EUA — como Trump deseja — é um grande desafio.
Durante a campanha, Trump prometeu que suas políticas protecionistas trariam empregos de volta ao país, aumentariam a arrecadação e reduziriam o déficit comercial. No entanto, analistas alertam que levará anos para transferir a produção e gerar novos empregos.
A General Motors, maior montadora dos EUA, afirmou que não mudará sua produção a menos que a decisão faça sentido a longo prazo.
— Estamos trabalhando em toda a nossa cadeia de suprimentos, rede logística e fábricas de montagem para minimizar impactos de curto prazo. Muitas dessas ações têm custo zero ou baixo custo. O que não faremos é investir grandes quantias de capital sem clareza — disse a CEO Mary Barra a analistas em 28 de janeiro.
A montadora, sediada em Detroit, importa os modelos elétricos Chevrolet Equinox e Blazer de sua fábrica em Ramos Arizpe, no México, e fabrica caminhonetes de grande porte em Silao, também no país.
O diretor financeiro da GM, Paul Jacobson, disse na semana passada que a empresa estava reduzindo os estoques no Canadá e no México em antecipação às tarifas. Um porta-voz da montadora informou que a GM também está acelerando o envio desses veículos.
Importações da China
No México, as tarifas provavelmente reduzirão o crescimento do setor de autopeças para zero este ano, abaixo da projeção anterior de 2%, afirmou Francisco González, presidente executivo da Associação Nacional da Indústria de Autopeças do México (INA). Ele destacou que os aumentos de preços serão rapidamente repassados aos consumidores.
— A indústria automotiva não pode se adaptar a uma decisão como essa no curto prazo — afirmou.
Um fornecedor relatou que suas margens em algumas peças fabricadas no México variam entre 2% e 10%, o que significa que a tarifa levaria a uma perda imediata de até 23% por componente.
Além das queixas de Trump sobre imigrantes e o tráfico de drogas, o presidente também expressou preocupação de que a China está usando o México como uma "porta dos fundos" para enviar produtos baratos aos EUA.
Desde a eleição americana, a presidente Claudia Sheinbaum impôs suas próprias tarifas sobre importações asiáticas baratas e redirecionou o foco para a manufatura local. Ela prometeu retaliar contra as tarifas dos EUA. Até 29 de janeiro, Sheinbaum ainda demonstrava confiança de que o México conseguiria evitar as novas tarifas.
Francisco González, da Associação Nacional da Indústria de Autopeças do México (INA), afirmou que as preocupações sobre a entrada de peças chinesas nos EUA via México são exageradas, já que menos de 3% dos componentes vendidos no México vêm da China. No entanto, fornecedores estão buscando alternativas para peças asiáticas, começando pelos componentes de menor custo, como porcas, parafusos, plásticos, resinas e alguns softwares.
O México aumentou gradualmente sua participação no mercado automotivo dos EUA nos últimos 40 anos, ultrapassando o Canadá após a crise financeira de 2008, segundo pesquisa do Toronto-Dominion Bank.
Resposta do Canadá
O governo canadense, por sua vez, anunciou tarifas de 25% sobre produtos dos EUA. Estão na lista iogurte, fogões, vinho, ternos e whey protein.
O governo do primeiro-ministro Justin Trudeau, que está de saída, tem trabalhado para garantir investimentos na produção de veículos elétricos em Ontário, atraindo empresas como Honda e Volkswagen, que prometeram investir dezenas de bilhões de dólares em fábricas de baterias e montagem na região.
A relação comercial entre o Canadá e os EUA no setor automotivo remonta à década de 1920, quando Henry Ford terceirizou parte da fabricação do Modelo T para fábricas no lado canadense do Rio Detroit. Até hoje, a indústria automotiva do país continua concentrada nessa área, conectada a Detroit pela Ponte Ambassador, de 2,4 km.
Cerca de um ano atrás, a Laval Tool, uma pequena fabricante de autopeças em Windsor, assinou um contrato de dois anos para fornecer moldes à Tesla para a produção do Cybertruck.
Muitos dos materiais usados nos moldes vêm do Canadá, segundo Jonathon Azzopardi, CEO da Laval. No entanto, o aço utilizado na fábrica é importado dos EUA, o que significa que o custo de produção — que já chega a US$ 500.000 por molde — ficará ainda mais alto.
— Vou pagar uma tarifa para trazer o aço dos EUA e, depois, outra tarifa quando o molde for enviado de volta para os EUA. Isso nos tornará não competitivos e perderemos negócios — disse ele antes da divulgação dos detalhes finais das tarifas.
Impacto imediato na produção
No início de 2022, trabalhadores da indústria automotiva em Windsor tiveram uma prévia do que acontece quando a cadeia de suprimentos entre os dois países é interrompida. Protestos contra as restrições da Covid-19 no Canadá bloquearam o acesso à Ponte Ambassador.
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— Em menos de 24 horas sem que peças cruzassem a fronteira, a produção de automóveis parou em Ontário, Michigan, Texas e Missouri — disse Flavio Volpe, da Associação Canadense de Fabricantes de Peças Automotivas (APMA).
Agora, o impacto das novas tarifas deve ser ainda mais imediato.
As montadoras provavelmente reduzirão a produção quase que imediatamente após a implementação das tarifas, disse Michael Robinet, vice-presidente de estratégia de previsão da S&P Global Mobility. Se continuarem produzindo no mesmo volume, correm o risco de acumular veículos nos pátios, enquanto os consumidores aguardam a suspensão das tarifas.
— As montadoras e fornecedores vão segurar a produção de produtos com tarifas altas. Esperamos que tanto a produção quanto as vendas diminuam — afirmou Robinet.

