Casa Branca suspende subsídios e ajuda federal para avaliar se programas estão alinhados com decreto
Diretriz ameaça acabar com subsídios para governos estaduais, ajuda em caso de desastres
O escritório de Orçamento da Casa Branca ordenou a suspensão de todos os subsídios, empréstimos e outras formas de assistência financeira federal, de acordo com um memorando interno enviado a agências federais na segunda-feira e obtido pela Bloomberg.
A diretriz ameaça acabar com fundos que circulam por toda a economia dos Estados Unidos: bilhões de dólares em subsídios para governos estaduais e locais, além de ajuda em caso de desastres, financiamento para educação e transporte e empréstimos para pequenas empresas.
No documento, o diretor interino do órgão, Matthew Vaeth, instrui as agências federais a “suspender temporariamente todas as atividades relacionadas à obrigação ou desembolso de toda assistência financeira federal”.
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O memorando também exige que cada agência realize uma “análise abrangente” para garantir que seus programas estejam consistentes com os decretos do presidente Donald Trump —que buscaram, entre outras medidas, banir iniciativas de diversidade, equidade e inclusão (DEI) e limitar gastos com energia limpa.
O texto diz que as ordens, que entrarão em vigor na tarde desta terça-feira, não devem impactar beneficiários do Seguro Social ou do seguro de saúde Medicare. Diz, ainda, que as suspensões não incluem “assistências fornecidas diretamente a indivíduos”.
No entanto, o memorando não especifica o escopo da suspensão — e deixa muitas outras questões em aberto. Dentre as incertezas está a dúvida sobre a autoridade de Trump para suspender unilateralmente fundos aprovados pelo Congresso.
Isso porque a diretriz geral de suspender os gastos entra em conflito com uma lei que permite que o Poder Executivo pause financiamentos apenas sob certas condições e após notificar o Congresso. Trump e seu indicado para diretor de orçamento, Russell Vought, dizem que essa norma, a Lei de Controle de Orçamento e Retenção de 1974, é inconstitucional. Os democratas, por outro lado, questionam a legalidade da decisão.
“O Congresso aprovou esses investimentos, e eles não são opcionais, eles são lei”, afirmou em comunicado o líder democrata no Senado, o senador Charles Schumer, acrescentando: “Donald Trump deve ordenar que sua administração reverta essa decisão imediatamente e que o dinheiro dos contribuintes seja distribuído ao povo. O Congresso aprovou esses investimentos, de modo que eles não são opcionais; eles são lei”.
Dúvidas e imprecisões
Vaeth, o diretor interino do Orçamento, argumentou que a pausa era necessária para garantir que os programas federais estivessem alinhados com as prioridades de Trump — e solicitou que as agências forneçam um relatório detalhado sobre os programas afetados até 10 de fevereiro.
Ele disse que o uso de recursos do governo para “promover políticas de equidade marxista, ‘transgenerismo’ e engenharia social do Green New Deal (para enfrentar mudanças climáticas) é um desperdício de dinheiro dos contribuintes que não melhora o dia a dia das pessoas que servimos”.
O memorando afirma que, dos US$ 10 trilhões que o governo federal “gastou [no ano fiscal de 2024, que terminou em 30 de setembro], mais de US$ 3 trilhões foram em assistência financeira federal, como subsídios e empréstimos”. Não está claro, porém, de onde esses números vieram, já que o escritório de Orçamento do Congresso, apartidário, informa que o governo gastou US$ 6,7 trilhões no ano fiscal de 2024.
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Também não está claro o que será incluído na definição de “assistência individual” mencionada no documento. Muitos agricultores e proprietários de pequenas empresas contratam empréstimos e recebem subsídios do governo federal, mas ainda não se sabe se esses casos seriam considerados assistência individual ou assistência a negócios. Outro exemplo é o programa que oferece empréstimos agrícolas para mulheres, minorias raciais e nativos americanos. Criada décadas atrás, a iniciativa foi apoiada pela primeira administração de Trump, mas hoje poderia ser analisada sob a ótica da cultura de diversidade ou “equidade marxista”.
Organizações afetadas
Os subsídios federais apoiam uma ampla gama de beneficiários e causas. Eles são direcionados a universidades para programas de educação e pesquisa, e a organizações sem fins lucrativos para cuidados de saúde e estudos, entre milhares de outras finalidades.
O memorando especifica que programas que apoiam organizações não governamentais também seriam afetados, ao passo que grupos sem fins lucrativos já reagiram com alarme, ressaltando o potencial risco para as comunidades atendidas.
— Desde a suspensão de pesquisas para curas de câncer infantil até a interrupção de assistência alimentar, proteção contra violência doméstica e o fechamento de linhas de apoio ao suicídio, o impacto de até mesmo uma pausa curta no financiamento pode ser devastador e custar vidas — disse Diane Yentel, CEO do Conselho Nacional de Organizações Sem Fins Lucrativos, ao The Times.
— Essa ordem pode dizimar milhares de organizações e deixar pessoas sem os serviços de que precisam.
Ao Washington Post, vários assessores democratas do Congresso disseram, sob anonimato, estar perplexos com o memorando. Ainda que a legalidade da ordem possa ser contestada, especialistas em orçamento afirmam que o presidente costuma ter permissão legal para adiar gastos por um período de tempo.
Para cumprir a lei, porém, Trump precisaria esclarecer quais contas orçamentárias estão congeladas, e a ordem do escritório de Orçamento pode não fornecer os fundamentos legais suficientes para suspender os subsídios.
Donald Kettl, professor emérito e ex-reitor da Escola de Políticas Públicas da Universidade de Maryland, disse que a linguagem do memorando é confusa, o que torna os seus efeitos específicos pouco claros. Na avaliação do especialista, um“pânico generalizado” pode ser gerado enquanto governos estaduais e locais, assim como as pessoas mais dependentes desses subsídios, tentam descobrir se e quando seu fluxo de caixa será interrompido.
— Em duas páginas, temos o equivalente a 60 anos de tradição e políticas jogados no ar — disse Kettl, ex-consultor de agências governamentais, ao Washington Post. — Para aqueles que mais sofrem, a incerteza será imensa.