MÉXICO

Claudia Sheinbaum é considerada vencedora das eleições no México, diz projeção oficial

Enfrentar a crise na segurança pública será principal desafio do novo mandato, com duração de seis anos, após pleito marcado pela violência política

Claudia Sheinbaum, nova presidente do México, do partido governista Morena Claudia Sheinbaum, nova presidente do México, do partido governista Morena  - Foto: Ulises Ruiz/AFP

Na divulgação da primeira contagem preliminar oficial, com 31% dos votos apurados, a cientista Claudia Sheinbaum, ex-prefeita da Cidade do México, é considerada eleita a nova presidente do México com 59,5% dos votos. Os dados da contagem rápida foram divulgados pelo Instituto Nacional Eleitoral (INE). Com esse resutado, Sheinbaum será a primeira mulher a ocupar o cargo no país, levando o partido de esquerda Morena, do atual presidente e seu padrinho político Andrés Manuel López Obrador, a mais seis anos no poder.

A contagem preliminar do INE dá à candidata oficial um intervalo que vai entre 58,3% e 60,7% dos votos e uma vantagem de cerca de 30 pontos percentuais sobre a segunda colocada, Xóchitl Gálvez, senadora de centro-direita de origem indígena que era a principal aposta da coalizão opositora, formada pelos tradicionais partidos tradicionais PAN, PRI (que governou durante sete décadas até 2000) e PRD.

A consagração da vitória de uma mulher já era dada como certa, com Sheinbaum e Gálvez no topo das pesquisas desde o início desta que é considerada a maior eleição da História do país — além da Presidência, cerca de 20 mil cargos políticos estavam em jogo.

Cerca de 98 milhões foram às urnas votar neste pleito de turno único. No México, não há reeleição presidencial ou voto obrigatório, e o mandato presidencial tem duração de seis anos.

Embora o México seja conhecido pelos índices alarmantes de violência de gênero, o movimento feminista tem ganhado cada vez mais força no país nos últimos anos, o que explica a aposta de coalizões de dos dois espectros políticos em quadros femininos. Além da descriminalização nacional do aborto no ano passado, uma das principais conquistas das feministas mexicanas aconteceu em 2019 e foi fundamental para a conjuntura política de hoje: a inclusão da paridade de gênero obrigatória para todos os cargos eletivos na Constituição.

Marca da violência política
Antes de votar em sua zona eleitoral, no sul da Cidade do México, Sheinbaum, de 61 anos, disse que este era um "dia histórico". Gálvez, com a mesma idade, também votou na capital mexicana e aproveitou a longa fila de espera para tirar fotos com apoiadores.

— Que o povo decida — declarou à imprensa. — Fiz meu trabalho, deixei minha alma nessa campanha, não parei um único dia, com o sol, com 48 graus. Viva a democracia!

Considerado o pleito mais letal da História do país, cerca de 30 candidatos foram assassinados ao longo da campanha, de acordo com a ONG Data Cívica. A vítima mais recente foi um candidato a um cargo local no estado de Michoacán, morto a tiros horas antes do início das eleições, segundo o Ministério Público regional.

A violência política também vitimou pessoas que não concorriam a cargos neste pleito. Neste domingo, duas morreram durante incidentes armados vinculados ao roubo de material eleitoral no estado de Puebla, segundo uma fonte do governo local. Ao todo, houve mais de 500 incidentes de violência política no pleito, que culminaram em mais de 200 mortes, segundo a consultoria Integralia.

Dois municípios do estado de Chiapas, na fronteira com a Guatemala, suspenderam as eleições na véspera devido a "situação de violência e ingovernabilidade", informou o Instituto de Eleições (IPEC) regional, responsável pela organização do pleito.

Crise na segurança é desafio central
A crise na segurança pública foi o principal tema da campanha no país, dominado por uma rede fragmentada de cartéis de drogas que controlam diversas partes do território. Cerca de 450 mil pessoas foram assassinadas no México desde 2006, quando o então governo optou por adicionar os militares à luta contra o crime organizado. O presidente López Obrador se vangloria da queda de 5% nas taxas de homicídio registrada no ano passado, em comparação com 2022, mas o problema parece longe de ser solucionado.

Há, ainda, uma crise de desaparecimentos, com 110 mil pessoas sem o paradeiro conhecido no país. Neste domingo, diversos eleitores escreveram os nomes de pessoas desaparecidas na cédula de votação, como forma de protesto contra a alegada inação do governo. No México, as listas de votação incluem uma caixa em branco que permite votar em um candidato não registrado. Segundo os organizadores da campanha “Vote pelos Desaparecidos”, a intenção não era desestimular a participação eleitoral, mas enviar um recado.

— As taxas de homicídios diminuíram, mas o número de pessoas mortas anualmente no México continua em níveis históricos e os desaparecimentos também estão aumentando. O governo tem tentado negar a extensão dessa crise, mas ela é inegável — avalia Gema Kloppe-Santamaría, professora de História e Relações Internacionais da América Latina na Universidade George Washington, ao GLOBO. — Os grupos criminosos estão fragmentados, e seu nível de penetração e controle é significativo e preocupante. As extorsões aumentaram em nível local e, elas afetam aparentemente todo mundo: de vendedores de tortilhas a pequenas empresas.

Para María Fernanda Bozmoski, diretora-adjunta do centro para América Latina do Atlantic Council, existe um clima de "incerteza e preocupação" generalizado na população.

— O país enfrenta níveis historicamente altos de homicídios e violência eleitoral. Em termos gerais, há um alto nível de insegurança do cidadão, o que gerou um clima de incerteza e preocupação — destaca Bozmoski. — Também é preocupante a insegurança enfrentada pelos jornalistas, que trabalham em um ambiente de constante ameaça, inclusive por parte do presidente [López Obrador].

 

A crise de segurança pública atinge particularmente as mulheres. Nos últimos seis anos, o número de mulheres desaparecidas triplicou, batendo recorde em 2023 com 2,6 mil casos (ao todo, elas são 26 mil). Dez mulheres são assassinadas por dia no país, e estima-se que metade já tenha sofrido estupro ao menos uma vez na vida, segundo dados oficiais do governo. Para Kloppe Santamaría, a estratégia de militarização adotada para combater o crime organizado piora a situação delas:

— Os feminicídios são apenas a expressão mais visível e dramática das muitas expressões de violência e insegurança que as mulheres enfrentam. O aumento dos feminicídios está ligado ao contexto mais amplo de insegurança e a um cenário em que a militarização colocou mulheres e meninas em perigo.

Obstáculos econômicos
A vencedora também terá o desafio de manter os programas sociais, quando o déficit fiscal subiu para 5,9% e o crescimento médio nos últimos seis anos foi de apenas 0,8%. O país ainda enfrenta uma seca severa, que além do calor extremo tem provocado apagões frequentes, acendendo o alerta para a sua capacidade de segurança energética.

— As políticas energéticas atuais também não incentivaram o investimento, o que gera preocupações quanto ao crescimento econômico de longo prazo — avalia Bozmoski.

Outro desafio será o relacionamento com os Estados Unidos, o destino de 80% das exportações mexicanas, especialmente se Donald Trump voltar ao poder, alertou Michael Shifter, pesquisador do Inter-American Dialogue, em entrevista à AFP.

O magnata ameaçou deportações em massa de migrantes que cruzam a fronteira binacional de quase 3.200km. Além disso, em 2026, os dois países e o Canadá terão que renegociar seu acordo comercial T-MEC.

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