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Comunidades plantam consciência e colhem saúde

Comunidades estão se juntando para construir suas próprias hortas e plantar aquilo que vão comer de maneira sustentável. Além de evitar que esses venenos cheguem até o prato, a iniciativa contribui para a diminuição da poluição, já que evita a necessidade

É possível aproveitar materiais como  garrafas pet para plantar alimentosÉ possível aproveitar materiais como garrafas pet para plantar alimentos - Foto: José Brito

Na Torre, a Vila Santa Luzia integrou homens e mulheres de várias localidades na construção de um espaço verde. Moradores do Sítio São Brás, no Sítio dos Pintos, também montaram a própria horta em um local que, antes, era um ponto crítico de acúmulo de lixo. “Quanto mais perto for produzido o alimento que consumimos, melhor. Porque sabemos a procedência, sabemos que não tem veneno. A agricultura familiar está aí para mostrar que esse modelo é sustentável”, afirma a cientista ambiental e bióloga Mariana Maciel de Albuquerque.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o chamado “efeito cumulativo” das doses de venenos presentes nos alimentos, e que são ingeridas ao longo da vida pela população, é responsável pelo aparecimento de várias doenças, entre elas o câncer. As hortas comunitárias, além de evitar essa contaminação crônica, contribuem na luta contra outros tipos de doenças. “Estudos concluíram que, no solo, na terra, encontramos microrganismos que ajudam a combater a depressão. Ter um contato com a terra e com as plantas é extremamente poderoso. A gente cuida das plantas e elas cuidam da gente de volta”, ressalta Mariana.

Foi esse o resultado visto por Bernadete Alves, moradora e uma das lideranças da Vila Santa Luzia e membro do Centro de Ensino Popular e Assistência Social do Estado de Pernambuco - Santa Paula Frassinetti (Cepas), ONG que ajudou a engajar a comunidade na construção da horta. “Já estamos colhendo os frutos desse esforço. Tiramos couve, alface, coentro, cebolinho, além das plantas medicinais. Eu levei uma queda sábado e usei babosa, que é antisséptico, e terramicina, que tem propriedades antibióticas. Faz muito bem, inclusive como forma de terapia. Muitas pessoas mudaram o humor, o comportamento, a interação com o restante da comunidade e relataram ter visto nesse trabalho coletivo uma oportunidade de enfrentar a depressão”, revela.

 “O projeto era um sonho meu havia mais de 30 anos. Hoje está bonito, mas há seis meses você olhava isso aqui e não dava nada.” A horta comunitária da Vila Santa Luzia foi possível graças a um edital do Fundo Socioambiental Casa, da Caixa Econômica Federal, vencido por arquitetos que fazem parte do Coletivo Massapê. “Nós conhecíamos Bernadete e Claudemir, que são duas lideranças na comunidade. E aí conseguimos aprovar o projeto em um edital, iniciamos uma parceria com o Cepas, e decidimos fazer aqui na comunidade, para fortalecer esse espaço que já estava sendo apropriado com a Rioteca”, explica Lucas Izidório, arquiteto e membro do Massapê.

A Rioteca é um espaço pensado e construído por Claudemir Amaro da Silva, que mora no local há 28 anos. Além de uma biblioteca construída às margens do Rio Capibaribe, ele, que é marceneiro, construiu parquinhos, cadeiras, mesas, assim como outros utilitários para a população do entorno usufruir como forma de lazer. “O processo durou seis meses. Sempre em conjunto com os moradores, aproveitando os potenciais que cada um tem. Claudemir ajudou a construir as cercas, a sementeira e os outros equipamentos”, continuou Lucas.

“Muitos moradores cresceram no interior, então tinham conhecimento de ervas, plantas medicinais, mexer com terra”, acrescentou Bernadete. “Marcenaria é comigo. Eu fiz toda a estrutura junto com os meninos. A sementeira, a cerca para os animais não entrarem. Também fiz o deck para a meninada poder chegar e ver o rio com segurança”, ressalta Claudemir. “Há 12 anos que eu ajeito isso aqui, cuido da praça. E agora estamos aqui, juntos, por causa da horta. É uma alegria imensa ver a felicidade do outro. Eu construo com amor, se não fosse assim, não teria nada disso aqui. Estaria ocupado por palafitas. Todo dia eu varro isso aqui, para as crianças brincarem”, comemora.

Vários mutirões foram realizados para delimitar os canteiros, retirar o lixo, preparar o solo, plantar. Moradores da Ilha de Deus, através de outro projeto realizado pelo Caranguejo Sá, também se somaram à Vila Santa Luzia na construção da horta. “Agora, nós estamos realizando oficinas e trabalhando também a parte da gestão, de manejo da horta. Também vamos ter oficinas de fitoterápicos, e de planta medicinal”, continua Lucas. Lá é possível encontrar, além da sementeira, canteiros e uma caixa d’água que serve para aguar as plantas e uma composteira. “Eu venho aqui quase todo dia colocar água e cuidar da composteira. Colocamos cascas de frutas, menos as cítricas porque demora a decompor”, diz Geovani dos Santos, 12 anos, morador da comunidade.

“Isso aqui é meu segundo lar. Sou muito feliz aqui.” Assim como ele, Taciana Barbosa, de apenas 9 anos, também vai quase que diariamente à horta do Sítio São Brás, no Sítio dos Pintos, cuidar das plantas. “O que eu mais gosto é do pé de amora. Eu pego tudinho, é bem docinha”, diz. “Antes aqui tinha muito lixo, vidro. Uma vez eu cortei meu pé e fiquei na cama da minha mãe e tive que ir para o hospital. Agora eu venho para cá brincar”, comenta, enquanto colhe berinjela e tomate-cereja. A horta foi construída dentro do projeto Mais Vida nos Morros, da Prefeitura da Cidade do Recife (PCR).

“Isso aqui era um lixão, tinha tudo o que não prestava. A comunidade mesmo que descartava as coisas aqui, até bicho morto. Comecei a procurar a Prefeitura e foi quando conseguimos trazer esse projeto da horta. Hoje é uma maravilha”, conta Inácia Martins Silvestre, moradora da comunidade há 23 anos. “Já colhi aqui mais de dez vezes. Peguei batata, macaxeira, quiabo, coentro, pimentão, alface, boldo. Nos finais de semana nós estamos aqui, reunindo, conversando.”

Flaviana Gomes, gerente de Infraestrutura e Intervenções Urbanas da PCR, conta que a horta ficou no lugar de 300 toneladas de resíduos. “Conversamos com os moradores para poder pactuar o que seria de intervenção e aí vimos que a curto prazo implantaríamos uma horta. Eles assimilaram, opinaram e implantamos junto com eles, que desenvolveram esse sentimento de pertencimento no local”, conta a gerente.

“Perguntamos que plantas eles queriam e os próprios moradores trouxeram as mudas, principalmente medicinais. Mas plantamos acerola, pitanga, mamão, pé de coco, muitas raízes, como macaxeira e batata-doce. Uma diversidade grande para poder ser atrativo para os moradores e agradar todo mundo”, explica Isabelle Santos, chefe de divisão da permacultura. “E as próprias plantas vão recuperando esse solo, que era degradado.”

Horta em casa? É possível

Mariana Maciel, a cientista ambiental, explica que é possível construir essas hortas dentro de casas e apartamentos, preparando o próprio solo, adubo e fertilizante. “E as pessoas podem aprender a plantar e comer o que está dando naquela época do ano. Essas hortas servem para isso também, além do que são alimentos agroecológicos e orgânicos”, conta. “O plantio em si, pode ser feito em vasinhos, baldes, em potes de margarina e manteiga, garrafa pet, reaproveitar o que antes seria lixo. Faz uns furinhos embaixo, coloca algumas pedras, ai coloca adubo ou terra preparada, esterco, húmus de minhoca.”

Ela sugere que sejam cultivadas plantas como rúcula, coentro, cebolinho, pimenta, tomate-cereja, pimenta. “Com isso dá pra fazer geleia, colocar na comida, temperos. Além das plantas alimentícias não-convencionais. Várias delas são muito ornamentais, bem lindas, e são comestíveis. Tem uma que se chama Beldroega e as flores são comestíveis, pode comer refogada, bem nutritiva e bem simples de cultivar.” Ervas medicinais como hortelã da folha grande e miúda, babosa, terramicina, artemísia, capim santo e citronela também são de cultivo simples.

“Se tem mais espaço, pé de laranja, de limão... Que por mais que não cheguem a dar fruto, a folha serve para chás. Quando for viajar, colocar uma garrafa pet com água, fazer um furinho pequeno na tampa e enterrar com a tampa para baixo. A planta vai puxar a água. Ter uma horta assim, pertinho da gente, faz total diferença nas nossas vidas. Só é preciso experimentar”, conclui.

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