Autora ajuda a encontrar mandante da morte do irmão na Itália ao escrever livro sobre o crime
Allira Lira transformou o luto em busca por justiça. Crime aconteceu em 2005 e, ao escrever livro sobre o caso, ela ajudou a capturar a ex-mulher do irmão, que estava morando na província de Pisa
“Dever cumprido”. É assim que Allira Lira resume a sua trajetória de dor, luta e busca por justiça pelo assassinato de seu irmão, Isaías de Lira.
Isaías foi assassinado em 14 de agosto de 2005, Dia dos Pais daquele ano, dois dias após completar 27 anos. Ele foi arrastado de Aldeia, em Camaragibe, na Região Metropolitana do Recife (RMR), para uma área de mata no bairro de Maranguape II, em Paulista, também na RMR, onde foi baleado sete vezes na cabeça.
A busca por justiça transformou a vida de Allira. Inconformada com a falta de avanço nas investigações, que passaram por seis delegados sem conclusão de inquérito, ela decidiu entrar na faculdade de Direito em 2011 para entender o processo e lutar pelo caso do irmão por conta própria.
Vinte anos depois da morte de Isaías, a escritora ajudou a localizar o paradeiro da mandante intelectual do crime, a ex-mulher da vítima, Flávia Alves Musto, que foi presa no último sábado (13), em Volterra, cidade de pouco mais de 11 mil habitantes da província de Pisa, na região italiana da Toscana.
Descoberta
Allira escrevia o último capítulo do livro “O Crime: do Inquérito Policial ao Tribunal do Júri”, com lançamento marcado para novembro próximo pela editora Ser Poeta, quando descobriu que Flávia estava morando na Itália.
A escritora, que se formou advogada e trabalha como assistente jurídica, buscou o CPF da mandante do crime em atrás de informações atualizadas quando descobriu que a condenada havia se casado com um italiano em 2015, em Petrolina, no Sertão de Pernambuco.
Com essa novidade, ela acionou o Ministério Público de Pernambuco (MPPE), que, por meio da promotora Liana Menezes Santos, iniciou diligências para incluir o nome da condenada na Difusão Vermelha, instrumento da Interpol para localizar e prender foragidos no exterior.
“Por consequência do destino, quando eu fui consultar o CPF, vi que ela mudou o nome. Apareceu um processo de execução dela em Camaragibe, de 2018, por execução fiscal. Peguei aquele processo e mandei pedir explicação para o MP. O MP investigou e viu que ela estava na Toscana”, disse Allira.
Flávia Alves de Musto, que na época do crime se chamava Flávia Alves de Lira, chegou a ser presa em 2012, na Colônia Penal Feminina do Recife, mas foi solta pouco mais de dois anos depois, antes do júri.
A condenação da mandante aconteceu apenas em novembro de 2019, mais de 14 anos depois do crime. A pena estabelecida pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) foi de 29 anos e 9 meses de reclusão por homicídio qualificado pelo motivo fútil e recurso que impossibilitou a defesa da vítima.
A reportagem da Folha de Pernambuco acessou o mandado de prisão contra Flávia Alves Musto, expedido pela Vara Criminal da Comarca de Paulista. O documento de 2019 decretava a prisão preventiva da condenada, que permanecia foragida até ser localizada na semana passada, em Volterra.
Relacionamento conturbado
O relacionamento entre Isaías e Flávia, que tiveram uma filha, durou pouco tempo, mas foi conturbado. Desde a primeira separação, o relacionamento se mostrou complicado para os familiares do homem.
“Ela pegou as coisas dele e jogou tudo pelo muro. Ele ligou para mim, eu fui buscar e ele ficou lá em casa. Eu disse: 'Espero que você não volte mais, nós não fomos criados para viver essa situação'. Uma semana depois ela voltou lá em casa com o carro, pegou tudo para ele de novo e levou de volta”, contou Allira.
Entre as idas e vindas, já na sexta separação do casal, Isaías descobriu que Flávia tinha um amante e, depois disso, não quis mais reatar o relacionamento.
“Foi você que me deixou das últimas vezes. Eu nunca lhe deixei. Foi você que me deixou. A partir de hoje eu nunca mais volto para você”, tinha dito o homem à ex, segundo Allira. “Ela começou insistindo para ele voltar para ela, e ele nada”, conta.
Após essa recusa, acrescenta Allira, Flávia chegou a registrar um Boletim de Ocorrência contra Isaías, um ano antes do crime, alegando ameaças: “Ela foi na delegacia e disse ter visto o meu irmão atirando na casa dela”. O caso foi arquivado pelo Ministério Público, pois Isaías estava em uma comemoração familiar no mesmo dia e horário.
Allira descreveu essa falsa acusação como a “sentença de morte” do seu irmão, pois quando a inocência dele foi comprovada, Flávia teria começado a planejar o assassinato.
No processo, o TJPE destacou que a motivação do homicídio teria sido o “ódio nutrido pela ré em razão da negativa da vítima em reatar pela sétima vez o relacionamento, tendo Flávia tomado conhecimento de que Isaías estaria com uma nova namorada, o que atiçou ainda mais o seu ódio”.
“Hoje eu tenho certeza que se ele pudesse escolher, essa seria a forma de mostrar para o mundo, para quem quisesse ver que ele foi uma pessoa íntegra, de reputação ilibada e que jamais uma assassina feito ela poderia manchar a honra dele”, afirmou Allira.
Investigação
O inquérito do caso chegou à Delegacia de Paulista em setembro de 2010, tendo sido concluído pelo delegado Ivaldo Pereira, então à frente da 1ª equipe de Crimes Violentos Letais Intencionais. Em 4 de janeiro de 2012, a prisão de Flávia foi efetuada.
No dia 6 de janeiro de 2012, a Folha de Pernambuco noticiou em sua edição impressa que, logo após o crime, Flávia e a família alugaram a casa onde moravam em Aldeia, em Camaragibe, na RMR, e se mudaram para Sobradinho, na região Norte da Bahia, onde a mulher foi presa.
"Ela pensava que nada mais poderia acontecer por conta do tempo, mas já estávamos com o mandado [de prisão]", contou a irmã na ocasião.
As investigações mostraram que os executores do crime, a mando de Flávia, teriam sido quatro homens. No dia do homicídio, Isaías, que morava em Camaragibe, estava em um bar em Aldeia, bebendo com amigos.
Em seguida, um carro modelo Polo chegou ao local, com a placa coberta. Segundo o delegado, os homens desceram e falaram que o levariam para a delegacia de entorpecentes. "Mas o levaram para uma estrada de barro no bairro de Maranguape II, onde foi executado", afirmou o delegado, em 2012.
A reportagem procurou a Polícia Civil de Pernambuco para saber por que o inquérito do caso demorou tanto tempo para ser finalizado.
Em nota, a corporação disse que, à época, todas as diligências apuratórias necessárias à elucidação dos fatos foram realizadas, as investigações foram concluídas pela autoridade policial e o inquérito policial foi remetido à Justiça.
Família devastada
O assassinato de Isaías abalou a família. Depois do crime, Allira precisou cuidar da mãe, que ficou com a saúde afetada e desenvolveu Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), além de ter sido diagnosticada anos depois com um câncer no peritônio, membrana vital que reveste a cavidade abdominal e os órgãos abdominais.
“Quando minha mãe soube da morte dele, entrou em choque e desenvolveu ELA. E eu cuidei da minha mãe, que morreu em 2021”, acrescentou a autora.
“Ela [Flávia] quis manchar a reputação dele, mas todos os fatos aqui na Terra são descobertos, e mentira é uma coisa que não se sustenta”, completou a irmã, finalizando que agora aguarda a extradição da condenada.
Diligências em cooperação entre autoridades do Brasil e da Itália levaram a Interpol a prender a condenada | Foto: Polícia Federal/DivulgaçãoExtradição para o Brasil
Flávia Alves Musto permanece presa na Itália. No Brasil, deverá cumprir a pena estabelecida pelo Poder Judiciário.
O Tribunal de Justiça de Pernambuco informou que a Vara Criminal de Paulista, por meio do magistrado Thiago Fernandes Cintra, é responsável para dar seguimento ao pedido de extradição junto ao Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça da Itália.
Em nota, a Polícia Federal (PF) informou que o Núcleo de Cooperação Jurídica Internacional trabalha na transferência da condenada para o Brasil.
A reportagem tenta localizar a defesa de Flávia Alves Musto.

