Qua, 24 de Dezembro

Logo Folha de Pernambuco
Notícias

Estação Central do Recife celebra 130 anos

O prédio secular da Estação Central do Recife, que comemora aniversário neste mês, abriga primeiro museu ferroviário do Brasil e o segundo da América Latina

A Estação Central foi inaugurada em 1888 para atender a linha Recife/CaruaruA Estação Central foi inaugurada em 1888 para atender a linha Recife/Caruaru - Foto: Rafael Furtado

Construída para entrar na história ferroviária do Brasil como um dos principais pontos de chegadas e partidas do Nordeste, a Estação Central do Recife alcança, neste mês de novembro, seus 130 anos sendo considerada, também, um dos principais pontos de permanência. É que no prédio secular da Estação Central está instalado o primeiro museu ferroviário do Brasil e o segundo da América Latina, guardando peças e lembranças de vidas inteiras que foram alcançadas pelas linhas de ferro. Como a do Comandante Mack, que aos 83 vai religiosamente todo mês ao espaço onde cresceu em meio às locomotivas a vapor. “Eu venho porque é um pouco de higiene mental. Lembro de entrar aqui de mãos dadas com o meu pai, bem pequeno. Me emociono ao lembrar. Nunca que eu vou abandonar isso aqui.”

A Estação Central foi inaugurada em 1888 para atender a linha Recife/Caruaru, mas acabou abrangendo os principais trilhos do Estado e do Nordeste. “Em 1858 foi inaugurada a primeira linda férrea de Pernambuco, e a segunda do Brasil, que é a Estrada de Ferro Recife/São Francisco. O primeiro trecho inaugurado começava da Estação das Cinco Pontas, até a Vila do Cabo, atual Cabo de Santo Agostinho. Essa linha acaba de completar 160 anos de existência. E aí a Estação chega 30 anos depois para atender à linha que levava até Caruaru, inaugurada três anos antes”, explica o historiador André Cardoso, coordenador do educativo do Museu.

“Na década de 1930, a Estação das Cinco Pontas e a Estação do Brum, onde operava a estrada de ferro Recife/Limoeiro, foram desativadas, ficando na Estação Central a demanda desses dois locais.” No início do Século XX, ela passa ser também a estação principal das linhas Sul e Norte para os trens de passageiros, especificamente. Esses passageiros passaram pela Estação Central até 2008, quando foi desativada mantendo no local apenas o museu, inaugurado em 1972. Apesar de ser toda estruturada por elementos de ferro, bastante utilizado também na ornamentação, é o vitral da fachada o queridinho dos turistas e de recifenses que passam pelo espaço. “É o mais clicado. Ele foi reconstruído em 1998 porque havia sido desfeito entre 1920 e 1930”, comenta o historiador André Cardoso.

Ele explica que havia uma ligação de todos os estados do Nordeste por ferrovia, assim como uma ligação entre regiões, principalmente Nordeste, Sul e Sudeste, chegando a ter uma malha ferroviária de 25 mil quilômetros espalhada por todo o Brasil. Boa parte dessa malha ferroviária está desativada. “Algumas ainda funcionam com transporte de cargas e outras guardam pequeno trechos com transporte de passageiros, a exemplo das capitais do Nordeste: Recife, Maceió, João Pessoa, Natal e Fortaleza. Algumas têm projeto de recuperação, como é o caso da Transnordestina, com a ideia de pelo menos se reativar esse transporte de carga.”

É somente na década de 50 que Pernambuco começa a transição das máquinas a vapor para o diesel, e traz os primeiros exemplares da English Electric. “Inicialmente, foram compradas 13 locomotivas. Depois chegam outros modelos também a diesel e na década de 1980 a gente experimenta uma grande revolução, que é chegada dos trens elétricos”, conta André. “Alguns desses trens estão em funcionamento até hoje no Recife.” Dessa época, restam 14 dos 21 túneis construídos em Gravatá percorridos pelos trens, além de seis viadutos que contornam a Serra das Russas, que chegam a 50 metros de altura. Hoje, monumentos explorados por amantes de esportes de aventura que fazem trilhas. “O túnel do Pavão é o primeiro túnel ferroviário do Brasil, lá perto do Cabo de Santo Agostinho, que também faz parte dessa memória ferroviária.”

Resta, ainda, o acervo de mais de 600 peças localizado no museu, onde é possível ver imagens, além de apitos dos trens, trilhos, aparelhos de mudanças de via, louças dos carros-restaurantes, assim como um memorial voltado para os trabalhadores das linhas férreas. “São mais de 600 peças. Existe uma memória afetiva muito forte aqui no Recife acerca da linha férrea. E por isso temos um acervo que está sempre se renovando. Muitas vezes vindo de parentes de ferroviários, que vêm aqui e recordam essas lembranças e querem compartilhar com as demais pessoas um pouco dessa história”, continua André Cardoso.

Em menos de quatro anos ultrapassou os 100 mil visitantes. No pátio onde era a estação, estão duas locomotivas inglesas e uma alemã. “A máquina mais antiga do museu do trem é de 1906. Tem também a maior locomotiva a vapor que rodou em Pernambuco e a segunda maior do Brasil. E aqui também está o último exemplar de locomotiva articulada do país. Só haviam duas, mas uma se perdeu. Ninguém sabe onde está. Era uma máquina articulada de fabricação alemã, de 1952, voltada principalmente para o transporte de cargas, como o açúcar que vinha da Mata Sul. Muita gente vem aqui hoje, do mundo todo, só para vê-la.” Nem tão de longe, vem o comandante Mack. O nome verdadeiro dele é João Carlos de Mendonça Vasconcelos Filho, filho de um ferroviário. “Meu pai era diretor da Great Western, responsável por construir e explorar ferrovias no Nordeste. E por isso eu passei a ser um moleque de Estação aceito, ninguém colocava para fora, porque eu era ‘filho do homem’”, conta.

“Eu ficava subindo nas máquinas. Ainda lembro da máquina 214, na Estação da Encruzilhada, onde aprendi a manejar as locomotivas a vapor.” Foi assim que, primeiro, ele ganhou o apelido de Maquinista da Encruzilhada e, ao ingressar na escola de aviação, virou o codinome Mack. “Quando comecei a voar, eram os mesmos jovens que me chamavam de Maquinista da Encruzilhada e assim se criou o nome de Comandante Mack.” Mesmo dedicando 63 anos à aviação, Mack tem espaço guardado no coração para as locomotivas.

“Em vez de ir para o cinema ia para a Estação Central. Eu comprava um bilhete por 1,50 e ficava olhando as pessoas indo e vindo. Eu trocaria minha cabine pressurizada, com ar condicionado, por uma quente com cheiro de lenha queimada”, diz, emocionado. “O trem era um encanto muito grande, unia famílias, amigos... Tinha o telégrafo, que a gente vinha aqui e passava mensagens e era bem barato na época, como se fosse a internet.”

Veja também

Newsletter