Seg, 08 de Dezembro

Logo Folha de Pernambuco
negociação

EUA se dizem "prontos para assinar" acordo sobre recursos minerais da Ucrânia

Representante de Kiev está a caminho de Washington para firmar o documento, mas americanos querem assinatura ucraniana em dois compromissos adicionais

Mina de titânio a céu aberto na região de Zhytomyr, Ucrânia. EUA querem explorar os minerais de terras raras da Ucrânia. Mina de titânio a céu aberto na região de Zhytomyr, Ucrânia. EUA querem explorar os minerais de terras raras da Ucrânia.  - Foto: Roman Pilipey/AFP

Depois de meses de negociações e muitos atritos, inclusive diante das câmeras, EUA e Ucrânia parecem perto de assinar um acordo que abre caminho para a exploração, por parte dos americanos, dos recursos minerais ucranianos em troca da manutenção do apoio financeiro e militar a Kiev.

Contudo, horas antes de uma possível assinatura, surgiram divergências complexas que podem fazer com que o plano naufrague, mais uma vez.

Há quase duas semanas, americanos e ucranianos firmaram um memorando para avançar, em definitivo, rumo a um acordo sobre os recursos minerais, uma exigência feita pelo presidente Donald Trump para manter o apoio a Kiev — no texto, foi estabelecido um prazo, 26 de abril, para a conclusão das conversas, e um texto que parecia definitivo foi firmado entre os dois lados, após uma intensa série de negociações.

Segundo um rascunho obtido pela agência Reuters, o texto dá aos EUA acesso preferencial às riquezas minerais ucranianas, incluindo as chamadas terras raras, cruciais em indústrias como a de defesa e alta tecnologia, mas não concede automaticamente aos americanos uma parcela destes recursos.

Também foi retirada qualquer referência a pagamentos pelos bilhões de dólares em ajuda fornecidos a Kiev desde o início da guerra, em 2022.

— Eu disse: "Ok, queremos algo pelos nossos esforços, e dissemos: terras raras'" — disse o presidente, antes de uma reunião de seu Gabinete na Casa Branca, completando que o acordo permitirá que os EUA "comecem a escavar" na Ucrânia. — E fazer o que temos que fazer.

Por outro lado, o acordo não oferece qualquer garantia de segurança dos EUA a Kiev, como os ucranianos queriam nos momentos iniciais do diálogo — durante as negociações, Trump disse em várias ocasiões que a simples presença de empresas americanas em solo ucraniano seria, por si só, uma garantia de que ninguém atacaria o país.

— Também é bom para eles, porque terão uma presença americana no local — afirmou Trump nesta quarta-feira. — A presença americana, acredito, manterá muitos atores mal-intencionados fora do país, ou certamente fora da área onde estamos fazendo a escavação.

Batalha econômica: Com China à frente, Trump transforma recursos minerais de Ucrânia e outros países em centro de política externa dos EUA

Por fim, a proposta cria um fundo conjunto, controlado pelos EUA e pela Ucrânia, voltado à reconstrução do país e que seria abastecido por 50% dos lucros e royalties pagos pela extração de seus recursos minerais.

De acordo com o Serviço Geológico americano, a Ucrânia tem reservas de 22 dos 50 minerais considerados críticos para a indústria do país.

— A Ucrânia só fará uma contribuição com novas licenças, com novos royalties sobre recursos minerais. Essa será a nossa contribuição, 50% da qual será destinada a esse fundo — disse um até então confiante primeiro-ministro ucraniano, Denys Shmyhal. — De fato, é um acordo estratégico. É um acordo internacional verdadeiramente igualitário e bom sobre investimentos conjuntos no desenvolvimento e recuperação da Ucrânia.

Na manhã desta quarta-feira, o premier ucraniano estava confiante de que as últimas arestas tinham sido aparadas no fim de semana, e anunciou que a ministra da Economia do país, Yulia Svyrydenko, estava a caminho de Washington para assinar o acordo.

— Estamos finalizando os últimos detalhes com nossos colegas americanos. Assim que todos os detalhes finais forem finalizados, espero que o acordo seja assinado em breve, nas próximas 24 horas — disse Shmyhal à TV ucraniana.

Titânio, lítio e terras raras: O que está em jogo entre Ucrânia e Trump no acordo preliminar sobre exploração mineral

Mas como revelou o jornal britânico Financial Times, Svyrydenko pode voltar para Kiev de mãos abanando. Segundo a publicação, os americanos querem que ela assine, além do acordo-base, um termo detalhado sobre o fundo e um terceiro documento de caráter técnico — um integrante do governo americano disse ao jornal que, no fim de semana, os ucranianos tentaram rever alguns dos termos acordados, ligados a governança, transparência e rastreabilidade financeira.

Segundo ele, a ordem era para que a ministra apenas viajasse para Washington quando não houvesse mais divergências.

— Todos os três documentos precisam ser assinados hoje, mas os ucranianos estão tentando reabrir os termos que já foram acordados como parte do pacote: isso caberá aos ucranianos, pois os EUA estão prontos para assinar — disse um representante da Casa Branca, em declarações à Reuters.

Durante reunião do Gabinete do governo Trump, Scott Bessent, secretário do Tesouro, disse que seu lado “estava pronto para assinar”, e que os ucranianos “decidiram, na noite passada, fazer algumas mudanças de última hora”.

— Temos certeza de que eles vão reconsiderar isso e estamos prontos para assinar esta tarde — disse Bessent. — É o mesmo acordo que fizemos no fim de semana. Sem alterações da nossa parte.

Citados pelo Financial Times, representantes do governo ucraniano questionam as declarações dos EUA, e afirmam que não será possível assinar todos os documentos, em especial sobre o fundo especial, porque eles precisam ser ratificados pelo Parlamento.

Um deles disse estar preocupado com um fracasso da iniciativa, e que apesar de estarem confiantes em uma assinatura, disse que as chances de tudo ser finalizado nesta quarta-feira eram de “50%”.

Um acordo para a exploração dos recursos minerais ucranianos é ventilado por Trump mesmo antes de sua posse e, segundo ele, seria uma forma de “compensar” os EUA pelos bilhões de dólares em ajuda financeira e militar a Kiev desde o início da invasão russa, em fevereiro de 2022.

Contudo, as negociações foram marcadas por resistências em Kiev, ameaças de Washington e muitas turbulências pessoais entre Trump e o líder ucraniano, Volodymyr Zelensky, por quem o republicano parece ter pouco apreço.

No dia 28 de fevereiro, quando Zelensky foi à Casa Branca para assinar uma versão do acordo, os dois líderes, com a participação do vice-presidente americano, J.D. Vance, protagonizaram uma áspera discussão diante das câmeras, com acusações sobre o curso da guerra e sobre o caráter dos envolvidos.

O entrevero terminou com o ucraniano convidado a deixar a Casa Branca, sem um acordo, e levou à suspensão temporária da ajuda militar a Kiev.

O novo impasse ocorre em meio à crescente impaciência de Trump com a ausência de um acordo para encerrar a guerra, algo que ele havia dito que faria “em menos de 24 horas”.

Além das habituais críticas a Zelensky, com quem chegou a se encontrar no Vaticano durante o funeral do Papa Francisco, o líder americano tem questionado se o presidente russo,

Vladimir Putin, está de fato interessado na paz. Trump ainda ameaçou abandonar as negociações de paz caso não haja um acordo a curto prazo.

Veja também

Newsletter