Histórias inspiradoras: após medos e incertezas, a vitória
Em um ano que exigiu tanta resiliência para algumas pessoas, conheça histórias de quem passou por 2020 e pôde dizer: "eu superei"
O ano de 2020 foi um teste de resistência para todos, seja em maior ou menor proporção de acordo com as experiências de cada um. Apesar de invisível a olho nu o novo coronavírus deixou o mundo de cabeça para baixo. De repente nos vimos obrigados a parar tudo e repensar nosso modo de vida. À medida que a pandemia foi tomando corpo, muitos perderam seus empregos ou viram os próprios negócios entrando em crise diante da suspensão de atividades. Milhares tiveram que se despedir de familiares e amigos vítimas da Covid-19.
Apesar de tantas adversidades, são inúmeros os exemplos de quem conseguiu se reinventar, seja por conta própria ou com a ajuda de outras pessoas. Hoje muitas dessas histórias podem oferecer alento e motivação para seguir em frente no novo ciclo que se inicia nesta sexta-feira (1º). São mais 365 chances para acreditar que no final tudo pode dar certo.
Para a família de Jeilza Maria dos Santos, 43 anos, o ano termina cheio de esperança. Após cerca de nove meses morando nas ruas, ela e o marido, o auxiliar de pedreiro Ricardo Medeiros da Silva, 46, finalmente voltaram a ter um lar. Os dois ficaram desempregados no início do ano por conta da pandemia e tiveram que enfrentar o momento mais difícil de suas vidas ao serem despejados de casa devido aos aluguéis atrasados. Recentemente a situação tinha ficado ainda pior, pois eles tiveram seus poucos bens confiscados pelo poder público, agravando ainda mais a condição deles. “Nunca imaginamos passar por uma situação dessas. Foi desesperador”, confessa Ricardo.
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Pensando no bem-estar da filha, a pequena Kailane Vitória, 8, Jeilza resolveu deixá-la aos cuidados da avó paterna. “Foi uma separação muito triste, pois ela sempre foi colada comigo. De repente eu me vi longe dela e sem querer que ela soubesse da real situação da nossa família, pois sei que ela iria sofrer ainda mais”, conta. Durante o período que viveu em situação de rua, Jeilza não viu a filha. “Eu evitei durante todo esse tempo porque para ela poderia ser doloroso. Além disso, se ela nos visse poderia querer ficar com a gente, mas a rua não era ambiente para ela. Ouvi críticas por conta disso, mas sei que fiz o certo. Deixei minha filha amparada. Sou adulta e aguento trancos e barrancos, mas meu bebezinho é mais frágil”, disse.
Quem vê o brilho nos olhos e o sorriso fácil no rosto dela não imagina os perrengues enfrentados ao longo de 2020. Jeilza conta que o pior momento era à noite na hora de dormir. “Ricardo não dormia para ficar me olhando, tomando conta de mim. A gente escutava muitas histórias de gente que chegava jogando água, chutando, praticando violência com quem estava na rua, mas graças a Deus não passamos por isso”, recorda. Ela conta que apesar de todo otimismo se viu diante de momentos de desespero. “Chegou gente para me oferecer drogas, chamando para roubar, mas eu não ia chegar a este ponto. Já bastava estar na rua e eu não ia me afundar ainda mais”, fala.
Foi através do projeto social Reintegra Recife que o casal teve a chance de voltar a garantir o próprio sustento. Jeilza foi encaminhada para trabalhar na indústria de pescados e passou a atuar como assistente de produção. Com a ajuda do projeto tiveram uma casa alugada para auxiliar nesse momento de transição. Reintegrados à sociedade, agora eles vivem uma nova realidade. Cheia de planos, Jeilza já se organiza para buscar sua filha de 8 anos. Nesta semana ela contou com a ajuda de voluntários para preparar o novo lar. “Vou ajeitar o quartinho dela todo bonitinho e quando estiver com a carinha dela vou fazer uma surpresa. Tenho certeza de que ela vai amar e vai querer ficar. Estou contando as horas para isso”, diz sorrindo.
Em 2021, Jeilza diz que vai continuar se esforçando ao máximo no novo emprego para conseguir ser contratada definitivamente. Para ela, o importante é nunca deixar de acreditar que a mudança pode chegar e a vida pode melhorar. “A gente nunca deve perder a fé e a esperança. Precisamos saber que mesmo estando no fundo do poço sempre tem uma luzinha para guiar nosso caminho e sair de lá”, fala. Ela conta ainda que quer ser vista como um exemplo de garra e superação. “Muita gente achou que eu tinha chegado no fundo do poço, mas se enganaram. Eu e meu marido somos dois guerreiros, dois vencedores e vamos além”, fala.
Thaís e Renan Zanin descobriram que seriam pais de gêmeos no começo da pandemiaSurpresa em dose dupla
Poucos dias depois dos primeiros casos confirmados de Covid-19 em Pernambuco, a empresária Thaís Zanin, 33, descobriu que estava grávida. Para sua surpresa eram gêmeos. Apesar da alegria de saber que seria mãe, o medo e a insegurança fizeram-se presentes devido à pandemia do novo coronavírus. Até então não se sabia quase nada sobre o vírus e como ele poderia afetar grávidas e crianças. “No início foi bem tenso. Primeiro por ser uma gestação gemelar, que já requer mais cuidados, segundo por não conhecer as consequências da doença. Tudo era muito incerto”, confessa Thaís, que é casada há quatro anos com o empresário Renan Zanin, 30.
Como forma de se proteger e garantir a segurança dos filhos, o isolamento social foi a principal medida adotada pelos dois. “Passei a trabalhar de casa, direcionando minha equipe, e só saia para ir ao médico. Foi bastante assustador. Eu, meu marido e minha família ficamos bastante apreensivos. Passei vários meses sem ver meu pai pessoalmente porque ele estava saindo para trabalhar”, comenta a empresária. Por ser a primeira gravidez, Thaís conta que gostaria de ter aproveitado mais o momento com parentes e amigos. “No primeiro momento são muitas mudanças e isso impactou minha autoestima um pouco, mas de modo geral eu estava me achando linda grávida, queria desfilar para mostrar minha barriga”, diz.
Isolada, a empresária passou a se dedicar a atividades que a fizessem bem e de certo modo tirasse o foco do que acontecia no mundo. “Aproveitei para cozinhar o que eu gostava, assistia coisas boas que me fizessem dar risadas, curti muito planejar cada detalhe do nascimento dos meus filhos, fazer o quartinho deles, focando em coisas que não dissessem respeito à pandemia para não surtar”, comenta. Neste período, o autoconhecimento foi fundamental para se manter no controle das minhas emoções, segundo Thaís. “Eu tive altos e baixos como toda grávida tem por questões hormonais, mas sempre focada muito no resultado final que era ter meus filhos saudáveis”, acrescentou.
Passado o período de medos e incertezas, Lorenzo e Vitório nasceram saudáveis e atualmente estão com dois meses. Agora, os pais conseguem curtir as crianças com um pouco mais de tranquilidade. “Continuamos bastante isolados, mas isso tem feito com que a gente aproveite os meninos, cada fase que eles estão passando, o desenvolvimento deles. A cada dia é uma novidade, uma descoberta”, afirma. Para a empresária paciência e resiliência são as palavras-chave de toda esta experiência. “Precisamos saber que às vezes na vida vamos ter nossas limitações, nem tudo é na hora e do jeito que a gente quer e está tudo bem. Tudo acontece no seu devido tempo”, fala.
Saúde mental
Qualquer situação nova, principalmente quando se trata de algo negativo, provoca uma desestabilização na saúde mental das pessoas, de acordo com a psicóloga Miryam Azoubel. “De um modo geral, a maioria delas não está preparada para enfrentar adversidades e cada uma irá responder de sua forma. Lidar com as emoções é algo bem complexo e depende das características individuais e da história de vida de cada um”, explica. Além disso, inúmeros fatores precisam ser considerados como idade, fase da vida, entre outros. “É claro que na maioria das vezes os idosos estão mais vulneráveis e assim as suas respostas se tornam mais fragilizadas”, acrescenta.
Segundo a especialista, a superação das dificuldades dependerá, além dos pontos citados acima, da estrutura de ego de cada um. “Por exemplo, há pessoas que são movidas a desafios e encaram de frente situações difíceis como esta pandemia que estamos vivendo. Muitas vezes, elas precisam provar para elas próprias que conseguem superar os obstáculos. Já outras se fecham e se retraem nestas situações complicadas porque o medo é o sentimento mais forte vivenciado”, comenta.
Diante de um ano tão difícil, conforme a psicóloga, precisamos entender que estamos vivendo uma situação de guerra diante do coronavírus e o nosso cérebro está sempre em estado de alerta, ativando os hormônios do estresse. “Ele está sendo bombardeado. Então, temos que virar a chave e nos reinventar. Tentar atividades novas, prazerosas, usando ou não a tecnologia”, diz. Artesanato, cultivo de plantas, leituras, lives, teleconsultas, aniversários e reuniões com amigos de modo virtual. São exemplos do que pode ser feito para se proteger na medida do possível. “É como se o cérebro fosse um prato de comida, em que somos nós quem decidimos o que colocar nele e como iremos alimentá-lo.”

