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Impasse sobre corpo de refém Shiri Bibas eleva risco para cessar-fogo em Gaza

Negociações, já atrasadas, devem focar na extensão da atual etapa do plano, enquanto divisões sobre próximos passos persistem; futuro do enclave é ponto de entrave

Pessoas com cartazes dos quatro reféns cujos restos mortais foram entregues pelo Hamas, durante protesto em Tel Aviv Pessoas com cartazes dos quatro reféns cujos restos mortais foram entregues pelo Hamas, durante protesto em Tel Aviv  - Foto: Jack GUEZ / AFP

O anúncio na noite de quinta-feira de que um dos corpos de reféns entregues pelo Hamas, como parte do plano de cessar-fogo para a Faixa de Gaza, não era o de Shiri Bibas, sequestrada com os dois filhos pelo grupo terrorista em outubro de 2023, foi considerado mais um duro golpe nas já complexas negociações sobre a nova fase do acordo.

Para os israelenses, foi um ato de desrespeito — mais um, após o mórbido desfile de caixões em Gaza —, e um sinal de que o grupo não está comprometido com as conversas. O Hamas disse que foi um engano, e entregou, nesta sexta-feira, restos mortais que seriam de Shiri, que morreu junto de seus dois filhos no cativeiro, em novembro de 2023. Israel afirma que eles foram “brutalmente assassinados”, e o grupo diz que bombardeios israelenses os mataram.

 

Mesmo antes da comoção e revolta causadas pelo incidente com Shiri Bibas, a manutenção o acordo de paz em Gaza, firmado em janeiro, era considerada cada vez mais complexa, com os envolvidos, incluindo os de fora da região, apresentando suas próprias demandas, por vezes inaceitáveis para os demais. E o tempo é cada vez mais curto.

Pelo plano, Israel e o Hamas deveriam ter começado a negociar a segunda etapa do acordo de cessar-fogo no começo do mês. Nesta fase, todos os reféns, vivos ou mortos, em poder do grupo devem ser entregues aos israelenses, em troca da libertação de palestinos detidos em prisões israelenses. Por sua vez, o Exército de Israel deveria se retirar de Gaza.

Há semanas, integrantes do governo do premier Benjamin Netanyahu sinalizam que ele não está disposto a retirar suas tropas do enclave palestino, e que estaria tentando atrasar as conversas de forma deliberada —na quinta-feira, um representante do governo israelense afirmou, ao Canal 14, que “não haverá uma segunda fase”, e que a estratégia dos negociadores será estender, por tempo indeterminado, a primeira fase.

Neste contexto, o incidente com o corpo de Shiri Bibas pareceu feito por encomenda para Netanyahu. Logo após a identificação do corpo, ele disse que o Hamas pagaria “o preço total”, e que havia sido uma “violação cruel e maléfica” do cessar-fogo. O presidente dos EUA, Donald Trump, saiu em seu apoio, dizendo que “estaria de acordo” caso o premier decidisse retomar a guerra em resposta ao que chamou de “atos bárbaros”.

O Hamas também não dá sinais de que está disposto a ceder. O grupo afirma que pode libertar, de uma só vez, todos os reféns caso o acordo chegue à segunda fase, mas não abre mão da saída dos israelenses, e tampouco concorda com o desejo de Netanyahu de “erradicar” a organização.

“A condição da ocupação (Israel) de remover o Hamas da Faixa [de Gaza] é uma guerra psicológica ridícula, e a saída da resistência ou o desarmamento de Gaza são inaceitáveis”, afirmou, em comunicado na terça-feira, Hazem Qassem, porta-voz do Hamas, já prevendo as dificuldades à frente nas conversas.

Extensão da primeira fase
Na terça-feira, antes da entrega dos corpos dos quatro reféns — além da família Bibas, os restos mortais de Oded Lifshitz, que morreu há cerca de um ano, foram devolvidos —, o chanceler de Israel, Gideon Saar, afirmou que as conversas seriam retomadas “ainda nesta semana”, sem especificar uma data. E tal como indicou o representante do governo citado pelo Canal 14, a meta não é avançar até a fase dois, mas sim garantir que a fase um seja mantida pelo maior tempo possível.

— Se virmos que há um diálogo construtivo com um possível horizonte de chegar a um acordo, [então] faremos esse prazo funcionar por mais tempo — disse Saar.

Pelo acordo firmado em janeiro, a primeira fase termina no dia 1º de março, e caso não haja um acerto sobre a fase seguinte, os combates poderiam ser retomados. Como revelou o Canal 12 de Israel, na semana passada, Netanyahu e sua equipe de negociadores querem convencer os mediadores — Egito e Catar —, além do próprio Hamas, de que é do interesse de todos ampliar os prazos até a próxima etapa. O premier também aposta no início do mês sagrado do Ramadã, na próxima semana, como incentivo para manter a libertação de reféns e prisioneiros no atual formato.

Neste sábado, o Hamas deve libertar seis reféns israelenses, Eliya Cohen, Omer Shem Tov, Tal Shoham, Omer Wenkert, Hisham al-Sayed e Avera Mengisto, e Israel libertará 602 palestinos detidos em suas prisões. Segundo o acordo de cessar-fogo, esta é a última libertação prevista na primeira fase do plano — no campo doméstico, Netanyahu tem sofrido intensa pressão das famílias dos reféns para fazer mais por seu retorno para casa, além de críticas por não ter protegido a população no dia 7 de outubro de 2023.

'Meu plano é bom'
Com a fase dois do plano ainda sem discussão, a terceira fase, que trata do futuro de Gaza, já causa discórdia. A proposta de Trump de ocupar Gaza e expulsar os quase dois milhões de palestinos para outros países, uma ação que pode ser classificada como "limpeza étnica", foi elogiada por Netanyahu, mas é amplamente rejeitada.

Trump alega que o enclave é “muito perigoso” para a população hoje, e afirma que eles podem ir “para lugares muito melhores” a serem construídos no Egito e na Jordânia, onde viveriam “uma vida de paz”.

— Gosto do meu plano, meu plano é bom. Você os tira, os move, constrói uma comunidade permanente, toma Gaza, e ela é essencialmente nivelada. Você não tem muito o que fazer além de remover os destroços — disse, em entrevista à Fox News nesta sexta-feira. — Se você der às pessoas uma escolha entre isso e viver em uma comunidade agradável, acho que saberia para onde elas iriam.

O bilionário, que fez boa parte de sua carreira no mercado imobiliário afirmou, em mais de uma ocasião, que pretende transformar Gaza na “Riviera do Oriente Médio” — na entrevista à Fox News, ele disse que a retirada israelense do enclave, com o desmantelamento de assentamentos judaicos, em 2005, foi "uma má jogada imobiliária". Contudo, revelou que seu plano não será imposto, mas sim uma "recomendação".

Segundo o Wall Street Journal, o enviado de Trump para a região, Steve Witkoff, e o genro do presidente, Jared Kushner, planejam organizar uma reunião com empresas de construção de todo o mundo em busca de planos para Gaza. No ano passado, Kushner disse que propriedades de beira-mar no enclave seriam “muito valiosas”.

Sob pressão da Casa Branca, líderes de sete países árabes se reuniram nesta sexta-feira em busca de uma proposta alternativa ao plano de Trump. Não foi divulgado um comunicado final, mas em uma entrevista coletiva na quarta-feira, o premier egípcio, Mostafa Madbouly, revelou que seu governo estava trabalhando em um plano, em parceria com universidades e consultorias, que previa uma reconstrução total em cinco anos, com a permanência da população de Gaza no território.

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