Isabel Allende
Imperdível a minissérie dramática Isabel, la História íntima de la escritora Isabel Allende, produzida pelo canal HBO Max em 12 de setembro e lançada em plataforma de streming Amazon Prime Video para a Espanha e América Latina. Dos seus 21 livros, um deles de memorias; quatro peças de teatro, dos 80 milhões de cópias de sua obra traduzida em 40 idiomas; do prestígio que seus livros tem entre os leitores do Brasil, da sua simpatia humana.
A trajetória de vida da autora é de tirar o fôlego. Vale lembrar que o seu inferno astral começou justamente com a decretação do golpe militar no Chile. A alma da mulher, sob sua cúpula, sentia-se uma perene imigrante. Não só do ponto de vista psíquico, mas de referência e habitação no mundo: a noção íntima e profunda do desenraizamento de que nos fala Simone Weil (1909-1943). Ela está intimamente ligada aos principais acontecimentos políticos do seu tempo chileno.
Creio que a minissérie retrata os seus dias de imigrante. Viu-se obrigada a fugir do país com as duas filhas, exilando-se na Venezuela durante 13 anos, todos com a sensação de que estava toda hora sob secreta vigilância. Foi quando iniciou a sua carreira de escritora, hoje na lista dos autores chilenos mais traduzidos, uma das escritoras mais populares da literatura contemporânea de língua espanhola. Um dos seus livros, A Casa dos Espíritos, um dos grandes títulos do realismo fantástico, baseado na ditadura militar chilena, chegou a ser comparado à obra Cem anos de Solidão, de Gabriel Garcia Márquez (1927-2014). Sentia-se uma eterna imigrante.
Quando a mãe se casou pela segunda vez com um diplomata, as jornadas pelo exterior foram retomadas. Ao lado de sua família, a futura escritora morou um ano em La Paz, na Bolívia, e três anos em Beirute, no Líbano. Assumindo a condição de estrangeira em toda sua vida, hoje morando nos EUA, tornou-se uma defensora dos direitos dos imigrantes, tendo criado uma Fundação nos EUA, mantida com seus direitos autorais, em defesa dos imigrantes e em memória de sua filha, Paula, que morreu ainda jovem, a filha inspiradora de um dos seus belos e comoventes textos de Ficção e memória.
Ela disse que a sua Fundação trabalha com imigrantes na fronteira dos Estados Unidos com o México, “onde há uma situação terrível, com milhares de pessoas vivendo em condições desumanas, esperando conseguir asilo” (...). É gente desesperada, que foge de países da América Central, especialmente Guatemala, Honduras e El Salvador, países onde impera a lei de gangues de bandidos e narcotraficantes”. O seu novo livro Para lá do Inverno, um manifesto contra o flagelo da imigração ilegal e dos refugiados, como também uma estória de um novo amor.
Parte da célebre frase de Albert Camus para nos apresentar um conjunto de personagens próprios da América contemporânea que se encontram, “foi no meio do inverno que descobri que havia em mim um verão invencível”. Não pára por aí: o seu livro Longa Pétala é inspirado na história dos refugiados espanhóis que chegaram ao Chile a bordo do navio Winnipeg. O romance parece uma saga de 2 mil espanhóis que desembarcaram em Valparaíso para escapar da Guerra Civil Espanhola que dividiu o país entre 1936 e 1939. A descrição do barco escolhido, antigo cargueiro que não
transportava mais do que 100 passageiros, é antológica. Ficou na história a presença, como colaborador, nesse episódio, do poeta embaixador e político Pablo Neruda (1904-1973).
Embora seja a autora de língua espanhola, atualmente, mais lida no mundo, a crítica literária de jornais e revistas influentes não lhe reconhece como escritora maior, sob o ponto de vista da estética literária. É aquele refrão de certos críticos incapazes de produzir sequer uma página de invenção legitimamente bela, mas que são apenas profissionais da crítica.
Tive a oportunidade de conhecer Isabel Allende em uma FLIP, em Paraty. Trouxe o seu marido e também escritor, à época, a uma FLIPORTO. É a escritora predileta da minha mãe. Isabel nos ensina, que mesmo em idade madura, é possível redescobrir o amor e dar um novo impulso à criação.
*Escritor, advogado, membro da Academia Pernambucana de Letras e presidente da Fundação Joaquim Nabuco
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