Juiz mantém bloqueio a deportações nos EUA sob Lei do Inimigo Estrangeiro
Apesar da ordem judicial, Departamento de Justiça anunciou que planeja expulsar mais três indivíduos com base na medida e enviá-los para o Chile
Dez dias após barrar temporariamente a controversa Lei de Inimigos de Estrangeiros nos EUA, o juiz federal James Boasberg estendeu a vigência da liminar nesta segunda-feira. A legislação — adotada apenas três vezes no passado, todas em tempos de guerra — foi invocada pelo presidente Donald Trump para deportar sumariamente imigrantes venezuelanos acusados de integrar o Tren de Aragua, gangue designada como organização terrorista em janeiro. Apesar da ordem judicial, o Departamento de Justiça anunciou que planeja expulsar três indivíduos com base na lei e enviá-los para o Chile.
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Boasberg, que atua como juiz-chefe do Tribunal Distrital Federal em Washington, havia emitido a liminar em 15 de março, horas após o governo usar a lei para deportar mais de 200 venezuelanos para uma prisão em El Salvador sem o devido processo legal.
Em uma ordem de 37 páginas, o juiz argumentou nesta segunda-feira que a liminar deveria continuar em vigor para que os imigrantes venezuelanos pudessem contestar as acusações.
A Lei de Inimigos Estrangeiros, escreveu Boasberg, “prevê indiscutivelmente que as pessoas envolvidas em sua teia devem ter a oportunidade de buscar essa revisão”.
Embora Trump e seus aliados tenham acusado o Juiz Boasberg de ultrapassar sua autoridade ao se intrometer na prerrogativa do presidente de lidar com assuntos estrangeiros, a questão central do caso é se o próprio Trump ultrapassou o limite do cargo ao ignorar várias disposições estabelecidas na lei sobre como as deportações deveriam ser tratadas, bem como os requisitos para invocá-la.
A Lei de Inimigos Estrangeiros (Alien Enemy Act, em inglês), de 1798, dá ao governo ampla margem de manobra para decretá-la durante uma invasão ou em tempos de guerra contra outro Estado.
Ela permite que todos os cidadãos de uma “nação hostil” que tenham mais de 14 anos de idade e residam nos EUA possam ser detidos e deportados como “inimigos estrangeiros”. Esta é a primeira vez que ela é adotada em um período de paz — a última vez que havia sido acionada foi na Segunda Guerra Mundial.
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O governo americano alega que os venezuelanos em questão são membros do Tren de Aragua e devem ser considerados cidadãos de uma nação hostil, uma que vez o grupo estaria supostamente alinhado com o governo venezuelano — com o qual Washington cortou relações diplomáticas em 2019, no primeiro mandato de Trump.
No texto, Trump diz que o país está sendo alvo de uma invasão por imigrantes ligados ao Tren de Aragua.
Os advogados dos venezuelanos deportados, porém, afirmam que seus clientes não são membros da gangue e deveriam ter a oportunidade de provar isso.
Eles também defendem que, embora o Tren de Aragua possa ser uma organização criminosa perigosa, ela não é um Estado-nação e, nesse sentido, não atende a um dos critérios-chave para o uso da lei.
Mesmo que os membros do grupo tenham vindo em massa para os Estados Unidos, isso não se encaixaria na definição tradicional de invasão, pontuam os defensores.
Em seu despacho, o juiz Boasberg disse que ainda não estava entrando no mérito se o Tren de Aragua pode ser definido como representante de uma nação hostil ou se a crise migratória na fronteira poderia ser interpretado como uma invasão.
Por enquanto, ele manteve a liminar em vigor apenas para garantir que os venezuelanos deportados ou em vias de deportação tenham a chance de contestar se estão mesmo sujeitos à Lei de Inimigos Estrangeiros.
“A deportação sumária, logo após o governo informar a um estrangeiro que ele está sujeito à proclamação — sem dar a ele a oportunidade de considerar se quer se auto-deportar voluntariamente ou contestar a base da ordem — é ilegal”, escreveu o magistrado.
Novos venezuelanos na mira
Na tarde desta segunda, um tribunal federal de recursos em Washington fará uma outra audiência sobre o caso a pedido do Departamento de Justiça, que recorreu da decisão do juiz e solicitou a suspensão da liminar enquanto o mérito da lei é analisado.
Em um gesto de pressão antes desta segunda audiência, o Departamento de Justiça anunciou que pretende acionar o recurso novamente para deportar três venezuelanos para o Chile.
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“Esses três membros do Tren de Aragua representam um grave perigo para a segurança pública e nacional dos Estados Unidos, assim como supostamente fizeram no Chile”, disse o procurador-geral adjunto Todd Blanche em um comunicado.
Segundo ele, os homens serão enviados “imediatamente ao Chile”, em resposta a uma solicitação das autoridades chilenas.
“De fato, já teríamos enviado esses violentos membros de gangues ao Chile para enfrentar a Justiça se não fosse pela injunção doméstica imposta por um único juiz”, reclamou o Departamento de Justiça.
Violação de ordem
Em uma disputa judicial separada, mas relacionada, o juiz Boasberg deu ao Departamento até esta terça-feira para decidir se pretende invocar uma doutrina rara — conhecida como privilégio de segredos de Estado — para evitar fornecer informações detalhadas sobre dois voos de deportação que viajaram para El Salvador nas poucas horas em que a Lei de Inimigos Estrangeiros esteve em vigor.
Boasberg busca determinar se o governo violou uma ordem expressa sua para que os aviões — que estavam a caminho de El Salvador quando ele emitiu a liminar — retornassem aos EUA. No entanto, o governo tem se negado a fornecer detalhes cruciais, como o horário dos voos, alegando se tratar de uma assunto de segurança nacional.
Segundo o New York Times, ao menos por enquanto, é provável que a energia do juiz se concentre em saber se os imigrantes venezuelanos são de fato membros do Tren de Aragua.
Presos por tatuagem
Até o momento, o governo forneceu apenas informações limitadas que ligam os imigrantes à gangue.
Em um processo recente, o Departamento de Justiça reconheceu que vários dos suspeitos não tinham registros criminais nos Estados Unidos, sobretudo porque estavam no país há pouco tempo.
“A falta de informações específicas sobre cada indivíduo, na verdade, destaca o risco que eles representam”, escreveu um funcionário da imigração em um documento.
“Isso demonstra que eles são terroristas aos quais não temos um perfil completo.”
A defesa dos imigrantes enviados a El Salvador disse que pelo menos cinco deles foram detidos em parte porque tinham tatuagens que, segundo os agentes federais de imigração, indicavam vínculos com o Tren de Aragua.
Segundo os advogados, um dos homens teria feito a tatuagem de uma coroa sobre uma bola de futebol porque se assemelhava ao logotipo de seu time de futebol favorito, o Real Madrid.
Outro fez uma tatuagem de coroa semelhante para homenagear a morte de sua avó.

