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Luta em forma de festa na 16ª Parada da Diversidade de Pernambuco

Evento, que acontece no próximo domingo, na avenida Boa Viagem, no Recife, é um festejo que marca conquistas e reivindicações da população LGBT

O direito à cidade é, como explicou um dos coordenadores da Parada, Thiago Rocha, “um dos mais preciosos e negligenciados dos Direitos Humanos”O direito à cidade é, como explicou um dos coordenadores da Parada, Thiago Rocha, “um dos mais preciosos e negligenciados dos Direitos Humanos” - Foto: Arthur de Souza/Folha de Pernambuco

Dez trios vão puxar a 16ª edição da Parada da Diversidade, que será realizada no próximo domingo (17) na avenida Boa Viagem, com concentração às 9h no Parque Dona Lindu, na Zona Sul do Recife. Com o tema “Por cidades diversas, nenhum direito a menos”, definido a partir dos assuntos debatidos em fóruns, o evento abre espaço para a população LGBT (que une lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros) em um lugar que também lhes pertence. O direito à cidade é, como explicou um dos coordenadores da Parada, Thiago Rocha, “um dos mais preciosos e negligenciados dos Direitos Humanos”.

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“A Parada é, sim, uma festa. Para lá, levamos nossa alegria, nossos corpos e nossos afetos para uma avenida pública”, disse Rocha na apresentação do evento, na terça (12), na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). A Parada da Diversidade já aconteceu, noutros tempos, na avenida Conde da Boa Vista, no centro da cidade, mas pelo aumento do público e pela representatividade, conquistou o espaço na orla do Recife. “Quisemos ocupar locais onde os LGBTs não conseguiam entrar, discutir essas questões dentro da classe média. Hoje, não temos mais a problemática de ser lá, mas a gente já respondeu muito ao Ministério Público por causa de tentativas de impedimento da Associação de Moradores de Boa Viagem”, explicou a também coordenadora da Parada, Rivânia Rodrigues.

A programação anunciada inclui artistas como Valeska Popozuda, Karol Conka, Lorena Simpson e Romero Ferro. Segundo a organização, são esperadas cerca de 500 mil pessoas, e uma das grandes preocupações é com a segurança, durante e após a Parada, porque além dos altos índices de violência em Pernambuco, a população LGBT é particularmente vulnerável, especialmente as lésbicas e as mulheres trans. “É uma questão que a gente vem conversando com a Polícia, principalmente no dispersar da Parada, sobre a segurança com essas mulheres”, comentou Rivânia.

“Pernambuco recebe há alguns anos o título de estado mais violento para a população LGBT e o Recife foi denunciado na Organização Interamericana de Direitos Humanos como uma das capitais onde mais se mata de travestis e transsexuais. É vergonhoso para o nosso Estado”, disse Chopelly Santos, também da coordenação do Fórum LGBT. Ela ressaltou que há muitos debates no Fórum acerca da sensibilização das polícias Militar e Civil para o trato com os LGTBs. “Eles precisam entender e respeitar a condição dessas pessoas que são mais vulneráveis à violência e muitas vezes acabam sofrendo mais violência por parte dos policias”, pontuou. Uma das conquistas já alcançadas está nas delegacias, onde os Boletins de Ocorrência precisam informar orientação sexual e identidade de gênero da vítima. “Antes, todo mundo era homossexual, mas não pode ser assim. É preciso saber quem são as lésbicas que sofrem agressão, quem são os gays”, disse Rivânia.


 
O líder do Governo do Estado na Alepe, Isaltino Nascimento, presente ao anúncio da Parada, adiantou que o haverá o lançamento do projeto Pernambuco pela Diversidade. “É um programa de ação que vai ser lançado pelo governador e aguarda apenas uma definição de data, mas será neste mês de setembro. Isso foi discutido no conjunto da secretaria e no Fórum LGBT, foi chancelado pelo Conselho Estadual LGBT, e envolve todas as áreas. E a Parada faz parte desse processo”.

Lutas

A luta é coletiva, mas muitos dos problemas enfrentados pelos LGBTs são particulares de cada letra. As lésbicas, por exemplo, têm sido vítimas de “corretivo lésbico”, a prática de “estupro com a finalidade de ‘corrigir o defeito’ que elas têm”, explica Rivânia, que é lésbica e militante da causa. Outra questão é a violência médica, já que muitos profissionais não estão preparados para lidar com pacientes homossexuais. “Algumas passam por problemas em exames ginecológicos porque, muitas vezes, os médicos sequer perguntam se a paciente é lésbica, se transa com falo. Colocam o espectro que quiserem e é uma das causas do número muito reduzido de lésbicas que vão ao ginecologista”, explicou.

A maternidade também é assunto delicado, tanto para mulheres lésbicas quanto para homens transsexuais. Rivânia lembra que alguns procedimentos como a cirurgia de redesignação sexual e a mastectomia (para trans) já são procedimentos cobertos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) que, ao mesmo tempo, não prevê a inseminação artificial às mulheres lésbicas. “Nós somos o único segmento que não tem um preservativo para fazer sexo seguro. Precisa haver estudos. Nós, do movimento, já fizemos alguns”, diz Rivânia. Ela diz que, na tentativa de praticar o sexo seguro, as mulheres usam plástico filme, luvas ou preservativos “adaptados”, “qualquer coisa que cubra a língua ou o dedo”.

Quanto ao atendimento, o gay masculino acaba tendo uma situação mais fácil que as outras letras, no sentido da especificidade da atenção. A dificuldade maior, diz Thiago Rocha, não está ligado à condição de gay, mas ao hábito masculino de não se cuidar, não se prevenir. “É o caso de homens, gays ou não, que precisam fazer exames e não fazem porque vai ter um toque no ânus. São os enfretamentos mais da ‘masculinidade’”. Rocha alerta que a prática de sexo anal também demanda cuidados e, nem sempre, os urologistas estão preparados para esse recorte direcionado ao gay. “Se é um médico que cuida do ânus e tem um paciente homem no consultório, independentemente da relação, ele precisa saber conduzir. Eu já fui algumas vezes e ele sempre pergunta ‘você tem prática de sexo anal?’ mas existe o travamento. Mas não podemos pensar que é feia a nossa prática sexual”.

Rocha destaca ainda o empecilho causado por bancadas fundamentalistas no Poder Legislativo do País, que têm atrapalhado bastante no avanço de legislações. “Nós ainda temos, infelizmente, a cultura de que teríamos que ter uma punição para que sejamos respeitados. No entanto, temos acesso à criação dessas ferramentas, que têm alguns bloqueios por causa dessas bancadas fundamentalistas”, completa Rocha, citando o exemplo da Paraíba que tem uma lei estadual que coíbe preconceito e discriminação contra LGBTs. “Em todos os estabelecimentos públicos, como restaurantes, tem um adesivo: respeito à diversidade sexual. Já lutamos muito para que tenhamos uma aqui, mas a bancada bloqueia qualquer proposta desse tipo. Um diálogo com essa bancada é, por enquanto, inacessível. Temos alguns políticos parceiros que trazem a pauta, mas tem que ser maioria”.

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