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EUROPA

Mudanças climáticas transformam verão europeu com ondas de calor, enchentes e incêndios

Cidades como Barcelona veem turistas repensarem viagens na alta temporada e moradores sonharem com destinos no norte da Europa

Pessoas se refrescam em uma fonte pública durante uma onda de calor em Paris, em 30 de junho de 2025. Pessoas se refrescam em uma fonte pública durante uma onda de calor em Paris, em 30 de junho de 2025.  - Foto: Ludovic Marin / AFP

Não faz muito tempo, famílias que iam à praia em Montgat, na Espanha, nos arredores de Barcelona, construíam castelos de areia, jogavam raquetes e descansavam na larga faixa de areia que era o retrato perfeito das férias de verão europeias. Mas agora, em alguns pontos, mal há espaço para estender uma toalha.

— Daqui até lá era tudo areia — disse Sofia Mella, de 19 anos, apontando para o mar.

A mudança climática está transformando a Europa em um paraíso de verão perdido. Em toda a Espanha, Itália, Grécia, França e além, tempestades que engolem a areia, mares em elevação, temperaturas sufocantes, enchentes mortais e incêndios devastadores vêm, ano após ano, convertendo os destinos mais desejados do continente em lugares dos quais se quer escapar.

Enquanto os europeus do sul sonham com os fiordes, os tradicionais pontos turísticos promovidos por pacotes de viagem deixaram de parecer tão atraentes. Na semana passada, mesmo com o calor extremo em boa parte do continente, especialistas e autoridades alertaram que a próxima onda de calor chegará em breve, colocando em risco os mais vulneráveis e levando turistas a questionarem o que estavam fazendo ali. Até mesmo ativistas que lutam contra o turismo predatório excessivo em suas cidades não viam alívio nas condições brutais.

— É o inferno — disse Daniel Pardo Rivacoba, morador de Barcelona e porta-voz de um grupo que combate o turismo de massa.

Ele vê o sol escaldante não como um aliado para afastar os turistas, mas como um inimigo comum que vai derreter a todos. No ano passado, o grupo de Pardo Rivacoba viralizou ao organizar protestos contra o turismo de massa que incluíam borrifar água nos turistas com pistolas d’água. Este ano, ele disse, “estava tão quente que usamos as pistolas d’água em nós mesmos.”

Por todo o continente, junho foi o mês mais cruel. Até agora. Em Roma, turistas rodavam pelos pontos turísticos como se estivessem dentro de um micro-ondas ao ar livre. Cantores de ópera em Verona desmaiaram dentro dos figurinos.

Vídeo: Onda de calor na Europa faz vela 'derreter na sombra' na Espanha

Mas a Espanha se tornou o destino menos divertido sob o sol. As temperaturas em El Granado, no sudoeste, chegaram a quase 46°C — um recorde nacional para o mês de junho. E os números são desanimadores. No ano passado, enchentes em Valência mataram mais de 200 pessoas; neste ano, especialistas dizem que o excesso de mortes, especialmente entre doentes e idosos, aumentou drasticamente com o calor.

As mudanças climáticas também estão transformando a paisagem espanhola, como na praia de Montgat, onde tempestades cada vez mais frequentes vêm levando embora a areia.

— Sempre que viemos, tem cada vez menos areia — disse Susanna Martínez, de 40 anos, que frequenta a praia de Montgat com a família há dez anos.

Barcelona, a poucos quilômetros dali, perdeu 30 mil metros quadrados de areia nos últimos cinco anos. Marina d’Or, perto de Valência, foi idealizada como resort à beira-mar, símbolo das férias espanholas. Agora, as tempestades também destruíram parte de suas praias. Especialistas estimam a perda de centenas de milhares de metros quadrados de praia em todo o país, além de alertarem para o risco crescente de desertificação.

A Espanha sabe que tem um problema. Em um momento em que cresce a oposição da direita às regulamentações ambientais do "Green Deal" ("acordo verde", em tradução livre) europeu — o chamado “greenlash” —, o governo o país abraçou a transição ecológica.

— O principal risco que a humanidade enfrenta hoje, sem dúvida, é a mudança climática — disse Sira Rego, ministra do governo do primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez.

Ela afirmou que responder a essa ameaça é “prioridade em termos de segurança” para o país.

O governo, orgulhoso de sua economia em crescimento, busca atrair centenas de bilhões de euros em investimentos em energia sustentável, com o objetivo de criar centenas de milhares de empregos verdes. Quer investir em sistemas de previsão de calor, treinar profissionais de saúde para lidar com doenças provocadas pelo calor, aumentar a eficiência energética e reduzir as emissões de gases do efeito estufa.

Em nível local, cidades como Barcelona também tentam mitigar os danos causados pelas mudanças climáticas.

Laia Bonet, vice-prefeita responsável por ecologia e planejamento urbano, disse que a cidade está “particularmente exposta aos efeitos da mudança climática” e trabalha para enfrentar a realidade de uma cidade mais quente, com mares mais altos e praias corroídas.

A prioridade, segundo ela, é proteger os moradores vulneráveis com centenas de abrigos climáticos. Mas a cidade também está investindo 1,8 bilhão de euros (R$11,6 bilhões, na cotação atual) para tornar prédios mais sustentáveis, expandir áreas verdes, instalar 200 estruturas de sombra e substituir parte do asfalto por terra para melhorar a absorção da água da chuva.

Barcelona também usa areia retirada de obras para preservar suas praias — espaços públicos fundamentais para refrescar a população, servir como barreira contra tempestades e manter a identidade turística da cidade. O turismo responde por cerca de 15% da economia local.

Ela disse que a mudança climática obrigou a cidade a repensar o problema do excesso de turismo, propondo medidas que lidem com ambos os desafios.

— Essas são políticas progressistas que as cidades podem adotar como antídoto — afirmou.

Em Sevilha, cidade do sul da Espanha apelidada de “frigideira da Europa”, freiras há muito penduram lençóis brancos nos claustros para barrar o sol. Mais recentemente, a cidade começou a cobrir ruas estreitas com panos brancos, como toldos. Algumas partes estão usando um antigo sistema de dutos subterrâneos para trazer ar fresco à superfície; outro projeto bombeia água da chuva para áreas públicas sombreadas, muitas vezes resfriadas com névoas. A cidade começou até a nomear ondas de calor para torná-las mais memoráveis.

Isso é importante, dizem especialistas, porque as pessoas tendem a esquecer das ondas de calor depois que passam. Por isso, cientistas têm divulgado rapidamente estimativas de que a última onda pode ter triplicado o número de mortes nas regiões afetadas. O objetivo, disse um dos pesquisadores, é chamar atenção para os riscos quando as pessoas ainda estão sentindo calor extremo.

No entanto, em vez de mudarem seus hábitos, muitos europeus do sul têm preferido elaborar planos de fuga. Em Barcelona, três idosas sentadas à sombra em frente à catedral da cidade sonhavam com a nublada Galícia, no norte. E romanos com orçamento mais folgado passaram a mirar destinos mais úmidos, frios e até então pouco procurados.

— Pode acontecer que, se o calor ficar insuportável, as pessoas comecem a ir para a Bélgica — disse Ann Verdonck, de 45 anos, de uma cidade próxima a Antuérpia, que estava de férias com a família em Barcelona e considerou as temperaturas do mês passado insuportáveis. — E aí, nós é que vamos ter turistas demais.

Mas o ativista Pardo Rivacoba disse que o calor extremo não vai acabar com o turismo de massa porque a indústria turística é cínica. Se os verões ficarem muito quentes, teme ele, o setor vai simplesmente alterar os calendários escolares para permitir viagens em meses mais amenos.

— A indústria do turismo está pronta para queimar literalmente cada pedaço do calendário.

Ainda assim, alguns moradores consideram o calor um alívio da multidão sufocante de turistas.

— Se vai fazer esse calor, ao menos poderei caminhar em paz pela Sagrada Família — disse Mercedes López, 67, moradora de Barcelona que vive perto do famoso e geralmente lotado monumento de Gaudí.

Mas ela alertou que um colapso no turismo traria miséria econômica. E com calor extremo, os próprios moradores também buscariam ir embora.

— Se esse calor continuar vindo vamos ter que nos mudar para a Noruega ou Finlândia.

Sua amiga Consol Serra, de 74 anos, não achou essa uma solução viável.

— Se estamos lidando com o calor agora, uma hora ele vai chegar lá também.

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