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Opinião

Nosso compromisso com Clarice Lispector

No último fim de semana estive na exposição Constelação Clarice. A mostra em cartaz no Instituto Moreira Sales (IMS), em São Paulo, até fevereiro de 2022, reúne cerca de 300 itens entre manuscritos, fotografias, cartas, discos e matérias de imprensa, entre outros documentos do acervo pessoal da escritora Clarice Lispector. Tem curadoria do poeta Eucanaã Ferraz e da escritora e crítica de arte Veronica Stigger. Dividida em núcleos, ocupa dois andares do IMS. E um deles, o “Eu não cabia” investiga o cenário da casa, um ambiente presente na obra da escritora, assim como sua ligação com Recife, cidade que guarda as memórias fundamentais para a formação da sua identidade.

Ucraniana de nascença, Clarice se declarava pernambucana, mesmo tendo morado a maior parte da vida no Rio de Janeiro. Muitos de seus livros são permeados por passagens por Recife e até lembranças das idas de bonde para tomar banhos de mar em Olinda. Foi na capital pernambucana que a mãe dela, Mania Lispector, morreu e foi enterrada no Cemitério Israelita. Em um de seus livros, “A cidade sitiada”, é visível o passeio por Recife: a praça é a Maciel Pinheiro, o mercado de peixe é o da Boa Vista, a casa tem características do sobrado em que morou, na Praça Maciel Pinheiro, no número 347, no bairro da Boa Vista.

Pernambuco deve a Clarice. Recife tem uma dívida com ela. Como presidente da Fundação Joaquim Nabuco, uma instituição que preserva a memória, solicitei e tive acatado o título Título Honorífico de Cidadã Pernambucana post mortem à Assembleia Legislativa. O reconhecimento foi concedido há um ano. Em seu centenário, em 2020, realizamos a Festa Digital do Livro e lançamos, em parceria com os Correios, um selo, ambos eventos em sua homenagem.

Mas há o que se lamentar: o sobrado onde a célebre escritora aprendeu a ler, escreveu os primeiros poemas e viveu a maior parte de sua infância e adolescência está abandonado, em ruínas. Na praça em frente  sua estátua clama por reparos. A Fundação, também entrou nesta seara. Em novembro passado, vencemos a primeira etapa do edital para o projeto de recuperação da casa. Estamos concorrendo aos recursos junto ao Ministério da Justiça e Segurança Pública no edital sobre Fundo de Direitos Difusos, que são recursos voltados para vários segmentos, entre eles o de preservação de patrimônio.

A proposta da Fundação é restaurar o imóvel que pertence à Santa Casa de Misericórdia e está protegido legalmente por meio do tombamento da Fundarpe e em análise no Iphan para tombamento federal. Após o restauro, planejamos abrir um Centro Cultural. Um espaço voltado à memória da escritora de renome internacional, de modo a possibilitar a difusão do conhecimento da literatura brasileira, especificamente à memória da escritora. Somadas, as ações da Fundaj amenizam a dívida que nós, pernambucanos, recifenses, temos com Clarice Lispector.



*Advogado, escritor e presidente da Fundação Joaquim Nabuco



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