O desabafo de uma liberdade incompreendida
Confesso que, em muitas ocasiões, deparo-me com conflitos interiores, momentos em que meu alter ego se manifesta. E assim o faz porque, no Brasil de hoje, há um imenso laboratório de testes, no qual as barbaridades são tratadas em profusão. Quase sempre por enormes e inábeis espécies, que quebram ou mal usam os instrunentos de precisão. Repete-se o velho bordão, que por estarem esses laboratórios de portas abertas, gorilas ou elefantes assumem os equipamentos. Um caos inevitável.
Sigo direto para meu conflito interior e tomo a inciativa (aqui posso dizer também sobre minha liberdade), para expor minha intimidade, sem arrodeios. O nível do diálogo intimista que travei com meu alter ego descrevo abaixo.
Ele: pois é, essa cantilena sobre o que dizem da liberdade está passando dos limites.
Eu: também acho, porque falar da liberdade através de formas e atitudes agressivas sob o pretexto da livre expressão tem seus limites.
Ele: claro que sim e você tenha muito cuidado com isso, seja no falar o que não deve e ouvir o que não pode.
Eu: pois é, bem ou mal a democracia resiste porque os demais regimes são piores e a gente precisa preservá-la, com respeito aos contrários e reconhecimento dos limites.
Ele: por isso ser tão verdadeiro, peço-lhe que extraia uma lição do que vou contar, a respeito da linha tênue que separa a boa liberdade de se expressar dos limites e das consequências daquilo que foi expresso.
Eu: sim, estou aqui para lhe ouvir atentanente.
Ele: será que, em nome da liberdade, posso entrar no espaço alheio (do plano físico ou do pensamento) e agredir o contrário? Que direito está por trás dessa invasão? A liberdade de se expressar?
Eu: tudo isso não faz o menor sentido.
Ele: sim, mas no Brasil de hoje, não se medem as consequências daquilo que se quer comunicar, mesmo que direitos individuais e coletivos sejam feridos. Qualquer cidadão deve discordar do que lhe contraria, mas nisso há o limite imposto pelo que pode ser uma agressão. Seja ela física ou não. Contra a liberdade do outro indivíduo ou o estado democrático de direito. Tudo dentro das regras de convivência entre individuos e instituições, conforme o que prevê a Constituição.
Eu: isso mesmo. Ir além de uma discórdia e daí acusar por acusar qualquer fulano, é submeter-se ao risco pelos excessos cometidos. Isso é o mesmo quando algum cidadão extrapola na sua discórdia sobre as regras democráticas instituidas, para provocar terceiros e mobilizar esforços, em defesa de regimes autocratas, de exceção.
Saio do diálogo e constato o equilíbrio e a sensatez que dão densidade ao que pensa e diz meu alter ego. Ao se usar expressão da liberdade, sem o real sentido de repeitá-la na sua concepção de igualdade, comete-se um erro grave, capaz de levar quem assim se comporta, à autoria de crimes. Contra o direito de quem pensa diferente ou contra os pétreos princípios da democracia.
Numa época de polarização ideológica aguerrida e agressiva, enquanto parte da sociedade e inúmeras instituições se contrapõem abertamente aos riscos democráticos, meia dúzia de empresários, que abusam do conceito e até do simbolismo da liberdade (um deles usa a famosa estátua como símbolo do seu império), reagem de braçadas ao manifesto. E pior: defendem aberta e ostensivamente um golpe contra os alicerces da democracia. Desse modo, só aumentam a incompreensão do que seja a liberdade. Aquela que pertence igualmente a todos.
Perderam tempo. Tamanho o fanatismo ideológico, que parecem ter esquecido conjugar o verbo que mais lhes cabe. Deles, esperavam-se mais lições do que seja empreender livremente, em nome do presente e do futuro dos bons negócios. E não empreender politicamente, em nome do passado dos maus regimes.
Resultado: mais vexames para a imagem do Brasil.
Economista e colunista da Folha de Pernambuco
