O recado das chuvas
A principal grande mensagem, de carácter mais geral, é que ao lado das grandes reformas que precisam ser enfrentadas pelo país, se insere a Reforma Urbana, em que quatro questões assumem posição de destaque: a drenagem urbana, o saneamento, a habitação de interesse social e a mobilidade urbana, questões que estão imbricadas entre si. Aqui por falta de espaço nos concentraremos na questão da drenagem, em particular no caso recifense.
No tocante à drenagem urbana o principal problema diz respeito à ocupação inadequada. Nas áreas planas essa ocupação se dá nas pequenas e médias calhas dos rios, riachos e canais. Nas áreas de morros nas encostas com forte declividade.
A maioria das providências a serem tomadas são de conhecimento do setor público. Inicialmente, há que haver um resgate do planejamento como mecanismo de tomada de decisão num cenário de fortes demandas e escassos recursos. Do planejamento mais geral partimos para a elaboração dos programas e projetos modificadores da realidade atual. No caso do Recife, a prefeitura antecipou-se com a elaboração do novo Plano de Drenagem do Recife, que se encontra em vias de aprovação. Ali estão as diretrizes a serem adotadas e inclusive projetos de dragagem e de alguns canais.
No caso dos demais municípios da RMR a situação é mais preocupante, posto que tais municípios têm menor capacidade técnico operacional para o trato com a questão, que historicamente foi assumida pela Fidem. Logo, o Estado de PE precisa voltar a ter a coordenação dessas ações. Atualmente, encontra-se em vias de aprovação os estudos do novo Plano Diretor Metropolitano. Mas é preciso se promover a revisão dos Planos Diretores setoriais da RMR: macrodrenagem, recursos hídricos e de mobilidade, elaborados há mais de 40 anos. O Plano de Saneamento da RMR encontra-se sob supervisão da Compesa no contexto do Programa Cidade Saneada, mais conhecido como a PPP do Saneamento.
As prefeituras têm que instituir e fortalecer sua massa crítica voltadas ao trato dessa questão, com a contratação de profissionais, treinamento e valorização profissional. Neste sentido, a Defesa Civil assume um papel fundamental na comunicação com a população, fiscalização das situações de risco, e controle urbano (um serviço esquecido no Brasil), preparada para atuar de modo preventivo e remediativo.
A área de assistência social tem que trabalhar em conjunto com a Defesa Civil na formação de comitês comunitários preparados para atuar na fiscalização da implantação de novos imóveis, verticalização e expansões. Também devem atuar nas ações de educação ambiental e de fiscalização dos serviços de limpeza urbana. A participação comunitária é trabalho difícil mas é fundamental.
A viabilização dos recursos é outro aspecto difícil e complicado, exige um trabalho adicional e constante dos nossos representantes na Câmara Federal e no Senado, fazendo as verbas chegarem aos cofres das prefeituras, buscando desburocratizar e inserir as demandas no OGU, numa situação de escassos investimentos estatais que a algum tempo demanda uma forte revisão na peça orçamentária.
A retirada da população em situação de risco se faz necessária, mas exige cuidado e parcimônia. É algo a ser feito de forma gradual. Assim, no leito dos cursos d’água deve-se agir primeiro na pequena calha e num segundo momento na média calha, buscando uma solução de relocação. Nas encostas, a retiradas de habitações em situações de risco exige providência semelhante, É, portanto, um trabalho ao longo do tempo, que exige a execução de uma política de Estado e não do governo x, y ou z.
Ao longo dos últimos trinta anos muitas obras de acessibilidade e de contenção têm sendo realizadas. São obras de escadarias, canaletas, muros de arrimo, rip rap, alvenaria armada e geomanta, mas não tem havido um trabalho mais geral de urbanização dessas áreas, com implantação de forma integrada de toda a infraestrutura necessária de água, esgoto, drenagem, mobilidade, iluminação pública e equipamentos comunitários, inclusive com a instalação de pátios de encontros e áreas de lazer ativo e contemplativo, de modo a se tornarem lugares aprazível de convivência humana.
No Recife existem 542 comunidades de interesse social (CIS), de tamanhos variados, localizadas em áreas de planície e morros. Dessas 73 são as instituídas como Zeis, que são áreas passíveis de consolidação. Dez dessas ZEIS localizadas na planície, por meio do Prezeis - Programa de Urbanização e Regularização das ZEIS - foram totalmente urbanizadas e hoje fazem parte do tecido urbano da cidade.
Entretanto, nas áreas de morros, nenhuma das CIS aí localizadas passaram por um processo de urbanização total, com a instalação de toda a infraestrutura necessária. O momento é propício para a formulação de um projeto piloto dessa natureza, que venha servir de paradigma para as futuras intervenções continuadas, que venha a abranger todo o conjunto dessas áreas dos morros ao norte, sul e oeste do Recife.
As chuvas nos mandaram um recado e estão nos fazendo uma convocação...
*Eng. Civil, doutor em Desenvolvimento Urbano e prof. da UFPE
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