A cigana
Já contei anteriormente o episódio que vivi, quando encontrei uma lâmpada (igual à do Aladim): esfreguei, apareceu um gênio que, ao contrário da história original, deixou a meu critério escolher duas, entre quatro opções: ser bonito, gostoso, rico e poderoso. Fiz a escolha e fiquei na mesma situação daqueles que acertam apenas três números na Megassena: ganham uma lata até à boca de um produto processado que é obtido através do ato de descomer e, pelo que sei, tem duas utilidades: para adubo e para impedir o avanço da calvície.
Muitos não acreditam na história da lâmpada e dos “desejos”. Para os seguidores de São Tomé, narrarei uma que aconteceu comigo às margens do Rio São Francisco, do lado de Alagoas (Porto Real do Colégio). Ainda não existia a ponte. A balsa nos levava para Propriá (Sergipe). Enquanto esperava as manobras, um grupo de ciganas se aproximou e uma delas “pediu” para ler a minha mão. Fez três previsões e só vou dizer a primeira: você vai viver mais que seu pai. O episódio ocorreu em meados da década de 1970 e meu pai faleceu no ano de 2006, quando contava 100 anos e três meses de idade. Não direi as duas outras previsões para não ferir suscetibilidades.
Outra cena marcante foi a quantidade de crianças com panos molhados nas mãos, passando nos calçados das pessoas, na tentativa de ganhar alguns trocados. Uma delas aproximou-se de mim; estranhei porque não sabia o que ela ia fazer. Ficou de cócoras e limpou a poeira das minhas alpercatas. Faziam com todos os que estavam ali. Uns, recusavam; outros, permitiam. Perguntei o que ia fazer com aquele dinheiro. Respondeu: - “dar pra mãe comprar comida”. Perguntei quanto ganhava por dia, ela respondeu e calculei algo em torno de meio salário-mínimo por mês. Tive que ir embora porque estava na hora de atravessar o Velho Chico.
Não sei por quê (e sei) associei aquele episódio ao que estou lendo e ouvindo sobre a exploração das crianças do Marajó. Causa estranheza a comoção de alguns segmentos com os fatos de hoje, já que isso ocorre há décadas, principalmente nas regiões Norte e Nordeste deste país. Crianças vão para as ruas faturar alguns para ajudar no orçamento doméstico. As atividades são inúmeras, inclusive a prostituição. Algumas são “vendidas” por uma mixaria pelos pais, com a promessa de que vão estudar na cidade. Tudo mentira: ficarão em regime de semiescravidão; serão oferecidas como virgens a anormais e imorais; se juntam a outros que querem alguém para “casar”, cuidar da casa, procriar e morrer. Essas “escravas” mal sabem assinar o nome e pagam uma pena por um delito que não contribuíram e estão no lugar dos integrantes das redes que comercializam menores como quem vende carne nos açougues.
*Executivo do segmento shopping centers
[email protected]
