A culpa é do sofá
Há alguns dias, o Min. Moraes, do STF, foi a um jogo do Corinthians e, do alto do conforto e segurança do camarote em que estava, “estirou o dedo” para alguém no meio da torcida.
Atento à cena, um fotógrafo do jornal Estadão registrou o fato, que correu o mundo, estampado em diversos jornais, mostrado na televisão e nas redes sociais.
O “gesto” do Ministro fala por si só e dispensa comentários.
Porém, o que mais chama a atenção nesse inacreditável episódio não são o destempero, a arrogância e a falta de decoro daquela autoridade.
Muito mais obscena do que a própria “dedada”, é a “coincidência” de ter sido o repórter fotográfico demitido, justamente após o seu espetacular furo jornalístico.
Ora, considerando-se a perspicácia que o jornalista demonstrou, ao captar algo tão inusitado, a foto em questão, ao invés da perda de seu emprego, deveria ter rendido-lhe elogios, prêmios e até um belo aumento salarial.
Alex Silva, de 63 anos, trabalhava no Estadão há 23 anos, o que torna os “motivos” de sua demissão mais estranhos (e mais claros) ainda.
Em que pese ser evidentemente muito triste, a “esquisita” demissão do jornalista me fez lembrar da piada do marido traído no sofá da sala de sua casa, o qual, para mostrar a sua “indignação”, ao invés de resolver o problema de sua relação conjugal, mandou tirar o móvel de sua casa e seguiu a vida como se nada tivesse acontecido.
Assim como no caso da “piada”, demitir o fotógrafo não apaga o fato (e nem a foto), muito menos resolve o “problema” de se ver um ministro da suprema corte se colocar “acima do bem e do mal”, a ponto de ter esse tipo de comportamento, ainda mais em um lugar público, com transmissão ao vivo.
Aliás, a tal “dedada”, é, sem sombra de dúvidas, o menor de seus erros, considerando-se a maneira como S. Exa. vem conduzindo, sem sequer ter competência funcional, o inquérito (interminável e indeterminado) das Fake News e as ações penais do “golpe”, dentre outros atos e medidas completamente fora do padrão
legal e constitucional.
A verdade é que o Brasil vive um momento institucional muito sombrio, em que o poder vem sendo exercido como atributo pessoal e não como instrumento de dever, a produzir duras violações à estrutura jurídica, política e organizacional do Estado e às garantias individuais e processuais estabelecidas na Constituição.
É um tempo de muita distorção, autoritarismo e manipulação da verdade. Por isso mesmo, em algum momento, a realidade cobrará a sua conta aos responsáveis e também aos omissos.
Quando isso ocorrer, não haverá “mudança de sofá” que baste para disfarçar “problemas” e faces de falsos vestais, pois os fatos estão à vista de todos, a impedir, como na piada, que alguém queira fingir que foi o “último a saber”.
* Sócio do GCTMA Advogados, procurador aposentado do Estado de Pernambuco, conselheiro de Administração/IBGC.
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