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Opinião

A Imperatriz. Lampião. A Crônica do Carnaval

A Imperatriz Leopoldinense é uma Escola de Samba que tem suas raízes no simpático subúrbio de Ramos, localizado no entorno de outros bairros como Olaria, Bonsucesso e Penha, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Desfilou pela primeira vez em 1960 com tema-enredo em homenagem a Academia Brasileira de Letras. Em 1981, antecipando-se no combate ao racismo de hoje, seu tema-enredo foi: “O teu Cabelo não nega. E nesse palco iluminado só dá Lalá”. Referia-se ao compositor musical Lamartine Babo, autor da música. Em 1989 foi campeã com o tema-enredo: “Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós”, composição de impacto político-social. Eis que agora, depois de 22 anos, a Imperatriz Leopoldinense tornou-se campeã com o tema-enredo que faz parte da história do Brasil inspirado na literatura de cordel: “Lampião, o Rei do Cangaço”. Leopoldina, casada com D. Pedro I, que emprestou seu nome a Escola de Samba, já seria por si só um grande enredo. Foi a primeira Imperatriz do Brasil e contribuiu para a independência do país. Era a terceira filha do Imperador da Áustria. Nasceu em 22 de janeiro de 1797. Sua irmã mais velha Maria Luisa, foi casada com Napoleão Bonaparte. Leopoldina era sobrinha-neta de Maria Antonieta, última rainha da França, que morreu na guilhotina em 16 de outubro de 1793 no tempo do Terror da Revolução Francesa. Ela própria era infortunada no casamento com a competição amorosa de Domitila de Castro, a Marquesa de Santos, mas isso é outra história. O tema-enredo do último carnaval é “Lampião, o Rei do Cangaço”. Cangaço etimologicamente significa união, como bois em canga, que remete ao nordeste, que remete as causas e concausas da criminalidade. Aí é que aparece Roberto Lyra, jornalista, cronista, advogado, membro do Ministério Público, Ministro da Educação, criador da Escola Brasileira de Sociologia Criminal, com suas conceituações sobre monogênese, doutrina antropológica que afirma que todas as raças humanas derivam de um tipo primitivo único e a sociogênese, que estuda as interações sociais como sendo as raízes das funções mentais superiores, que só passam a existir no indivíduo na relação mediado com o mundo externo. Exatamente nessa conjuntura existencial é que se pode compreender o fenômeno Virgulino Ferreira da Silva, Lampião, nascido na Fazenda Passagem das Pedras no dia 17 de julho de 1897, conforme certidão do Registro Civil do Cartório de Tauapiranga, Terceiro distrito de Vila Bela, hoje Serra Talhada. Criado em ambiente rústico, convivendo com os oito irmãos como qualquer família sertaneja, trabalhava com o pai José Ferreira da Silva, curava bicheiras dos animais, amansava burro, fazia objetos de couro e negociava nas feiras livres. Achando pouco era dançarino e poeta. Em uma dessas andanças nos conta Aglae Lima de Oliveira, autora da mais completa obra sobre Virgulino Ferreira, que o mesmo encontrou um grupo de ciganos na estrada de Triunfo. Diz Aglae: “Um deles de porte avantajado, alvo e louro, propôs imediatamente uma troca de seu cavalo rudado na segunda muda”. Em seguida o cigano olhou para a mão de Virgulino, que ainda não era Lampião e disse: “Vejo Granjão muito rico, caminhadas sem fim, vida arriscada com muitos inimigos”. – Virgulino era dado a crendices e religioso. Era devoto do Padre Cícero e de Nossa Senhora da Conceição. A predição do cigano deixou-o preocupado. O vaticínio se confirmou. A circunstância que o fez derivar para o crime foi desentendimentos relacionados a furtos de animais que provocaram as rixas entre as famílias de José Saturnino, cujo verdadeiro nome era José Alves de Barros, politicamente influente, que acionou o Estado através do sargento José Lucena para matar José Ferreira, pai de Lampião, quando este se encontrava solitário em casa. Os filhos estavam no trabalho, ou melhor, no roçado. Ouviram os tiros, dirigiram-se para a casa. Virgulino jurou que desse dia em diante, a cartucheira, o rifle, as fugas e os tiroteios seriam a destinação. Cumpriu a promessa até morrer. Reverenciou o pai muitos anos depois colocando flores na sepultura do patriarca. A família ficou dispersa, os irmãos mudaram-se para o município de Bom Conselho, em Pernambuco. O coronel José Abílio os acolheu, irmãos e irmãs. Virgulino, dirigiu-se para Pedra de Delmiro, hoje Delmiro Gouveia, município Alagoano onde trabalhou na fazenda do Coronel Delmiro Gouveia. Seu trabalho era transportar comboios de peles para outros estados. Porém seu destino mesmo era a busca da vingança pela morte do pai. No auge do cangaço, quando surgiu a Coluna Prestes, O Presidente Artur Bernardes buscou apoio no nordeste através do caudilho Floro Bartolomeu, amigo do Padre Cícero. Convocaram Lampião para se alistar no Exército Patriótico para combater a Coluna Prestes, por considerá-lo “bandido social”. Segundo Aglae, Lampião, recebendo a convocação, teria dito: “Esse povo pensa qui é pouco as encrencas que tenho com sete governos e os macacos e ainda me bota pra brigar com Prestes”. Anita Prestes, filha de Luis Carlos Prestes confirma no seu livro A Coluna Prestes que Lampião recebeu solenemente a patente de Capitão. Naquele momento Lampião atendia à oligarquia. Lampião morreu no dia 28 de julho de 1938, em Poço Redondo Sergipe. Sobre ele muita história para se contar, para alguns sua fama é equivalente ao bandido americano Jesse James.  O carnaval é uma oportunidade para se conhecer episódios históricos. A Imperatriz o fez com brilho e despertou curiosidades. A construção do sambódromo no governo de Leonel Brizola, com a colaboração de Darcy Ribeiro, teve grande significado social. Primeiro pela dimensão do palco, segundo pela criação do CIEPE que abriga 160 salas de aula com capacidade para dez mil crianças. Não esqueçamos que a rede Globo foi grande adversária da criação do duplo empreendimento, chegando a comparar Leonel Brizola com Odorico Paraguaçu, personagem de Dias Gomes. Oscar Niemeyer, arquiteto da obra, riu satisfeito.

* Procurador de Justiça do Ministério Público de Pernambuco. Diretor Consultivo e Fiscal da Associação do Ministério Público de Pernambuco. Ex- repórter do Jornal Correio da Manhã (RJ).

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