Ter, 23 de Dezembro

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OPINIÃO

A oração de São Francisco. Os atos do dia 1º de fevereiro. O conceito de violência

São Francisco de Assis (1181-1226) representa para a humanidade o exemplo mais eloquente e referencial da disseminação do ideal de paz que se possa conceber.

A Oração pela Paz tornou-se pública em 1913. Era época tempestuosa e iminente a deflagração da Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

Segundo fontes históricas, a Oração pela Paz ou Oração de São Francisco chegou ao Vaticano no pontificado do Papa Bento XV com uma missiva do Cardeal Gasparri agradecendo ao Marquês de la Rochetulon que foi o fundador do Semanário Católico Souvenir Normand, que remetera ao Papa, não só esta Oração, porém várias.

Esta Oração é tida como um resgate do Cristianismo primitivo impregnado de humanismo e condescendência com os pobres, as crianças, as mulheres e os Humilhados e Ofendidos, como diria Dostoiévski, valores esquecidos e distanciados por todos aqueles impregnados de desejos que satisfaçam seu ego, professando um misticismo falacioso e inútil ainda que as mazelas sociais, o lufa-lufa diário, indiquem um outro posicionamento político transformador para ser adotado.

As cenas de brutalidade, intolerância, fanatismo tresloucado que atingiram a sociedade recifense no dia 1º de fevereiro de 2025 chamou a atenção de muitos para a precariedade da segurança pública no Estado e no País e até mesmo a inexistência de medidas preventivas para se antecipar aos fatos.

Soma-se a tudo isso um elevado grau de indignação seletiva com relação aos atos insanos praticados por hordas enfurecidas e cheias de propósitos criminosos contra uma sociedade que se pretende organizada.

A repulsa a intolerância aos contrários não pode ser mitigada, capaz de se identificar qualquer tipo de facciosismo. O Estado, entenda-se a Nação, não pode prescindir do corpo social para, uníssonos, buscar a harmonização das diversidades no mais amplo espectro de correlacionamento na busca do equilíbrio impositivo à convivência de entendimentos antagônicos.

A violência que visitou as ruas e bairros nobres do Recife não tem residência fixa, e não se restringe a este ou aquele órgão público, ela está enraizada em uma sociedade injusta que não dá voz e vez aos invisíveis que todos veem e ainda guarda na memória uma extensa lista de pessoas desaparecidas no período ditatorial de 1964 quando os divergentes do arbítrio viveram os horrores da tortura. 

O país está dividido de maneira tal que muitas pessoas que se presumem pacifistas demonstraram leniência e aceitação no último pleito eleitoral para a Presidência da República quando o candidato derrotado, formando gestos simulando com as mãos uma arma pregava a violência coletiva em substituição ao poder público ou até quando o mesmo se dirigia a uma mulher, no caso a deputada Maria do Rosário, e afirmava que ela não seria estuprada porque é feia. Neste momento a repulsa não foi proporcional à ofensa empregada contra a mulher e a sua dignidade. Isto também é uma forma de violência.

Ailton Alves Lacerda Krenak, único indígena que integra a Academia Brasileira de Letras, manifesta profunda revolta contra o não reconhecimento dos direitos dos povos primitivos, pelas repetitivas agressões à sua etnia e pela lentidão no combate ao garimpo ilegal. Isto também é violência.

A violência é praticada oficialmente por órgãos públicos quando tergiversam e não reconhecem a prioridade das pessoas idosas e praticam o exercício da lei em benefício próprio atribuindo a si mesmos “auxílios”, sem a obrigatória prestação de contas como determina o Tribunal de Contas e prevê a lei. 

Esta é também uma forma de violência contra o erário público. E se essa violência é praticada pelo Ministério Público, a circunstância ganha outra proporcionalidade maior por se tratar de uma instituição a qual se atribui o papel de fiscal da lei e defensor dos interesses socias indisponíveis.

Os valores republicanos estão desaparecendo. O Congresso Nacional trivializou a corrupção com o Orçamento Secreto provocando reações do Procurador Geral da República Paulo Gonet e do Ministro do Supremo Tribunal Federal Flávio Dino que consideraram a República deturpada e degradada.

Todos estes acontecimentos nos remetem a Roberto Lyra, nascido em 19 de maio de 1902 em Recife. Roberto Lyra foi membro da Corte Permanente de Arbitragem e criador da Escola Brasileira de Sociologia Criminal. 

Entendia o grande criminalista que “Antes, durante e depois das calamidades, os crimes socialmente importantes resultam da inépcia, da incúria, da imprevidência, da corrupção de poderosos, do egoísmo dos ricos, das explorações dos intermediários e aproveitadores”. 

Estas são as concausas da criminalidade, portanto da violência.



* Procurador de Justiça do Ministério Público de Pernambuco. Diretor Consultivo e Fiscal da Associação do Ministério Público de Pernambuco. Ex-repórter do Jornal Correio da Manhã (RJ)

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